Nós, Teia dos Povos, nos solidarizamos com a luta dos caiçaras de São Sebastião,
Ilhabela e Caraguatatuba – que são organizados politicamente através do Coletivo Caiçara
-, e as demais comunidades que são afetadas pelos megaempreendimentos no Litoral
Norte de São Paulo e Sul do Rio de Janeiro. Vimos por meio deste documento denunciar
o processo de licenciamento da Etapa 4 do pré-sal na Bacia de Santos da Petrobrás que
irá permitir a exploração de mais de 180 poços de petróleo e gás natural nos territórios
tradicionais.
O mar é o território onde os caiçaras conseguem sua renda e sustento, seja da
pesca, da coleta e criação de mariscos, do artesanato e do turismo, onde nutrem sua fé e
seu pertencimento ancestral. Portanto, águas saudáveis e livres de
megaempreendimentos são essenciais para a resistência e sobrevivência desse povo e
de outros povos do mar.
A matriz energética baseada no petróleo já é comprovadamente um dos maiores
causadores do aquecimento global e da extinção da biodiversidade em todo o mundo.
Dessa forma, acordos e tratados internacionais já alertam para a transição dessa matriz
energética que apenas serve aos interesses de desenvolvimento do capital. Para nós,
povos e comunidades tradicionais ficam os impactos: os vazamentos de óleo que
contaminam o pescado, destroem as costeiras, poluem as águas e afetam a nossa saúde.
Com isso, perpetuam o racismo ambiental e o genocídio dos Povos dos Mares.
A privatização dos mares cria latifúndios e zonas de exclusão de pesca, desvio das
rotas de navegação tradicionais, colisão de embarcações industriais com as artesanais,
grandes ondas cinéticas que ameaçam pequenas embarcações e disputa desleal dos
navios petroleiros que navegam nos territórios pesqueiros e exterminam mais uma vez a
pesca artesanal. Tais ações condenam nosso povo que tem a ancestralidade baseada na
segurança alimentar à fome, alterando a dinâmica de sobrevivência e segurança
alimentar em um país que se comprometeu com a erradicação da fome.
Citamos os impactos de todas as fases do licenciamento que são irreparáveis,
assim, na licença prévia temos os desastres provocados pela sísmica que violam não
apenas nosso povo, mas nossa biodiversidade. Na operação há alteração de pontos de
pesca reduzindo nosso território marinho a zonas de sacrifício. Destacamos também os
danos pelas espécies invasoras (água de lastro), o ecocídio e a injustiça climática. Há
quase 20 anos as comunidades do litoral norte de São Paulo vêem seus territórios
sofrendo com os impactos cumulativos e irreparáveis da exploração de óleo e gás.
Alertamos também sobre a contaminação vinda de vazamentos esporádicos,
muitas vezes subnotificados e do maior desastre ambiental do Brasil que atingiu nossos
irmãos com o derrame de óleo no nordeste. Impactos socioambientais que perpassam o
mar e afetam em terra com o tráfego de veículos pesados nas rodovias locais, aumento
desordenado de trabalhadores de fora que ameaçam o equilíbrio local, a violação de
direitos das mulheres e crianças e o apagamento de nossas práticas culturais com a
expulsão do nosso povo das faixas de praia que são cedidas a especulação imobiliária,
gentrificação entre muitos outros problemas trazidos pela indústria do petróleo.
Ressaltamos ainda que abrir mais poços não se justifica do ponto de vista da economia
brasileira, já que o país é autossuficiente em produção de petróleo e a Petrobras é uma
das petroleiras mais lucrativas do mundo.
A Petrobrás possui um histórico de desonestidade com a região, vide o caso
ocorrido em 2006, quando foi descoberto que a empresa depositava irregularmente
resíduos de petróleo próximo à moradias no bairro do Itatinga, localizado em São
Sebastião, causando inúmeros problemas de saúde e danos morais aos moradores locais
e desrespeitando as diretrizes voluntárias para a pesca artesanal da FAO.
Assim, dentre as irregularidades neste licenciamento, destacamos a ausência da
consulta livre, prévia e informada. Ao não realizar a Consulta Livre, Prévia e Informada
às comunidades impactadas em seus territórios tradicionais, o licenciamento descumpre
com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é
signatário, que estabelece no item 2 do art. 6º do tratado que as consultas deverão ser
efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, respeitando o tempo de
cada comunidade para construírem seus entendimentos e consensos.
Ainda este ano foi realizada uma consulta livre, prévia e informada à comunidade
caiçara da Praia da Serraria para a cessão de águas para aquicultura. Logo,
compreende-se a fundamental importância de um grande empreendimento como a
exploração de petróleo e gás, gerador de impactos ainda mais desastrosos, também
realizar a consulta.
Por isso, exigimos que o licenciamento da etapa 4 do pré-sal na Bacia de Santos
seja paralisado até que sejam realizadas as devidas consultas às populações atingidas
pela exploração de petróleo e gás natural, ou seja, todas as comunidades caiçaras e de
pescadores artesanais de São Sebastião, Ilhabela, Caraguatatuba, Ubatuba, Paraty,
Angra dos Reis, Ilha Grande e Mangaratiba.
Dessa maneira, assim como o Povo Tupinambá e seus aliados travaram uma
guerra em defesa de seus territórios e seus modos de vida em 1500 nesta mesma região,
nós da Teia dos Povos em uma grande aliança indígena, preta, quilombola, de
comunidades tradicionais e popular, somos contrários a construção de empreendimentos
como as plataformas de exploração de petróleo e gás, e firmamos nosso compromisso
para garantir que os povos deste lugar tenham seus territórios e seus modos de vida
assegurados.
31 de maio de 2023
Assinam esta carta:
Teia dos Povos do Maranhão,
Teia dos Povos da Bahia,
Teia dos Povos de Pernambuco,
Teia dos Povos de Sergipe,
Teia dos Povos do Ceará,
Teia dos Povos do Rio de Janeiro,
Teia dos Povos de São Paulo,
Teia dos Povos do Rio Grande do Sul,
Teia dos Povos de Rondônia,
Teia dos Povos de Minas Gerais,
Teia dos Povos de Goiás/DF,
Teia dos Povos de Alagoas.