Nos dias 18 e 19 de outubro de 2025, na Comunidade Quilombola de Gesteira (Barra Longa/MG), diversos povos, coletivos, movimentos sociais e militantes da Teia dos Povos de Minas Gerais se encontraram para um grande mutirão de limpeza e retomada memorial das ruínas do Quilombo de Gesteira, na área da comunidade atingida pela lama da Barragem do Fundão (SAMARCO/VALE), rompida em 2015 no Crime de Mariana.
O rejeito soterrou casas de moradores antigos, plantações, a escola da comunidade, o campo de futebol e a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, além de ter contaminado e causado a morte das vidas do córrego que refrescavam e sustentavam a comunidade de diversas formas. Essa área atingida era um importante espaço de confraternização e celebração da comunidade, onde se realizava a tradicional Folia de Reis, as festas juninas, os jogos de futebol e onde a comunidade estava mais próxima do córrego e das áreas da mata, onde também tiravam seu alimento. Desde o crime, diante de um grande luto e com território desconfigurado, os momentos de celebração e convivência infelizmente diminuíram.





Com os pés no rejeito, máscaras de proteção nos rostos, enxadas e facões na mão, o povo em mutirão iniciou a limpeza da antiga escola, que já estava tomada pela vegetação após dez anos desde que foi soterrada. Nos escombros, foram encontradas diversos móveis e objetos do cotidiano escolar: como mesas, cadeiras, livros, cadernos e até um pequeno saco com jóias e bijuterias, provavelmente vinda de outra comunidade atingida em um ponto mais no alto do rio.
Entre o receio da lama contaminada, o suor do trabalho, os encontros e reencontros, os risos e alegrias de estarmos ali juntos. Mesmo com o risco de toxicidade do rejeito e o pesar da tragédia, o território se encontrou com a cura e o prazer do trabalho coletivo, na importante tarefa de zelar pela memória do Quilombo de Gesteira e semear a aliança da Teia dos Povos nesta região. Naquela terra de rejeito, não se planta alimentos para comer, mas foram lançadas as sementes de memória de uma comunidade em luta, que ao lado de outros povos e aliados, exige justiça, reparação e a continuidade de suas tradições comunitárias e modos de viver em conexão com a natureza.
Com a área limpa, a escola novamente respirou e abriu o espaço para se transformar em um Memorial Vivo, um monumento que vai acolher visitantes, reavivar o passado comunitário do quilombo na área e principalmente denunciar todos os crimes cometidos pela mineração na região, especialmente pela Samarco/Vale, responsável pela lama que agora cobre metade da escola. O Quilombo de Gesteira, em um gesto corajoso, retoma o local de uma tragédia e o ressignifica para novamente ser uma espaço pedagógico, que firma e anuncia sua pedagogia de luta e força quilombola.




Em uma roda de conversa, após o mutirão e depois de um farto e colorido almoço preparado pelas mulheres da comunidade, Simone, liderança do quilombo, compartilhou essas histórias de luta e resistência, travadas à décadas pelos moradores. Retomou suas memórias de infância, em que sentia medo do som das máquinas da mineração, sem entender de onde vinham. Ali, porém, sua voz ecoou a força do quilombo e da ancestralidade, que segue em luta mesmo diante da tragédia, que ainda reencanta a vida através do trabalho coletivo, do viver comunitário, dos saberes ancestrais e de seus cantos, apreciados por todos da roda em uma apresentação do Grupo Fênix, coletivo de dança das mulheres quilombolas.
Simone também denunciou que o Quilombo de Gesteira foi uma das diversas comunidades tradicionais que ficaram de fora do Novo Acordo Judicial (Repactuação), acordo entre a Samarco (VALE/BHP BILLITON), os Ministérios Público Federal e Estaduais (MG/ES), as Defensorias Públicas Estaduais e a Defensoria da União, ligada ao Governo Federal. A falta de justiça infelizmente não é novidade para o quilombo, que já havia sido atingido por outro crime ambiental em 1979, quando uma enchente, resultado da abertura das comportas de uma mineração vizinha, forçou o deslocamento compulsório da comunidade.
Ao seu lado, Cacique Danilo Borum-Kren também denunciou que seu povo ficou de fora do processo de repactuação acordado. O Povo Borum-Kren é um povo em ressurgência, que povoa essas terras e águas de Minas Gerais há séculos e continuam lutando por reconhecimento, terra e preservação de seus saberes e modos de vida ancestrais. Nessa aliança entre aldeia e quilombo, a luta pela justiça toma força e a esperança se torna ação.




Ao final do dia, após um cuidadoso aceiro no entorno, o material orgânico retirado da escola foi colocado em chamas, em um gesto simbólico que marca a retomada da memória daquele espaço e da construção do Memorial Vivo. Mesmo durante uma repentina chuva, o fogo queimou e limpou aquela terra contaminada de rejeito, abrindo caminho para que as sementes da justiça e da coletividade floresçam. Que essas raízes atravessem a lama e alcancem a terra profunda que sustenta a abundância e autonomia do Quilombo de Gesteira. Que a fumaça que subiu aos céus convoque e alcance os povos, comunidades e aliados de luta da região, de Minas e de todo Brasil.
Esse mutirão foi a atividade de preparação para a primeira Pré-Jornada de Agroecologia do Quilombo de Gesteira, prevista para acontecer entre os dias 21 e 23 de novembro de 2025 e que em breve será divulgada com mais detalhes!
Vivas o Quilombo de Gesteira!
Vivas os povos em luta!
Vivas os povos em mutirão!
Vivas as Águas e Serras Gerais!
Vivas a Teia dos Povos!
