Por Sara Van Horn em Eunápolis (BA) para o “The Guardian”
A produção de eucalipto é dominada por grandes multinacionais que convertem terras agrícolas e florestas em plantações de monocultura de árvores
Fileiras retas de clones de eucalipto ladeiam o assentamento da Baixa Verde, no nordeste do Brasil. As árvores geneticamente idênticas contrastam fortemente com os trechos de Mata Atlântica – um dos ecossistemas com maior biodiversidade do planeta – que ainda permanecem dispersos pela região.
Cercada por quase 100.000 hectares de plantações de eucalipto, Baixa Verde é um raro exemplo de vitória local sobre uma multinacional no Brasil. O assentamento rural deve sua existência a quase duas décadas de batalhas judiciais por direitos de propriedade da terra – mas a luta ainda não acabou.
Após lutarem para manter suas terras, as famílias agora enfrentam uma crise de segurança sem precedentes, marcada por confrontos armados, incêndios criminosos e ameaças de morte, parte de uma onda de violência impulsionada por uma disputa de terras que se intensificou desde 2024.

Um terreno de eucaliptos pertencente à Veracel Celulose. A produção normalmente envolve a conversão de terras agrícolas e florestas em plantações de monocultura. Fotografia: Jhedys Kann
Os conflitos sobre direitos de propriedade da terra são um problema antigo na região. A obtenção de títulos de propriedade é geralmente vista como uma legitimação da apropriação de terras de comunidades tradicionais, e a população local suspeitava que a Veracel Celulose – uma empresa de produção de celulose pertencente em conjunto à empresa sueco-finlandesa Stora Enso e à gigante brasileira de celulose Suzano – estivesse plantando eucaliptos em terras públicas.
Em 2008, Ercilio Souza, um dos fundadores do assentamento da Baixa Verde, e Juenildo Oliveira Farias visitaram os arquivos do governo para consultar documentos públicos. Encontraram a página que comprovava que os 1.300 hectares em disputa pertenciam ao governo. “Sempre soubemos que era terra pública”, afirma Souza.
Com o documento em mãos, reuniram 91 famílias da região e se uniram ao Movimento Luta pela Terra (MLT), uma organização política e social que luta pela reforma agrária. Sua primeira ação foi ocupar uma área de uma plantação de eucaliptos utilizada pela Veracel, acusando a empresa de usar terras públicas.
Dois anos após a ocupação inicial, o MLT obteve o reconhecimento estatal de que a empresa não era proprietária legal do terreno plantado pela Veracel. “Este documento foi uma vitória não apenas para o movimento local pelos direitos à terra, mas para todos os movimentos sociais do Brasil ”, afirma Jhedys Lemos Farias, que cresceu no acampamento e hoje é uma das líderes do MLT.

Ercilio Souza em suas novas terras, anteriormente uma plantação de eucaliptos. Souza sempre suspeitou que essas terras fossem de propriedade pública. Fotografia: Sara Van Horn
Após anos de entraves e batalhas judiciais, o estado da Bahia firmou um acordo com a Veracel e o MLT em 2016, restituindo 1.300 hectares de terras da Veracel ao governo e concedendo a cada família um lote grande o suficiente para cultivar seus próprios alimentos. Das 61 famílias restantes, 53 já se mudaram para seus novos lotes.
“Conquistar o direito à terra significa que agora temos um lugar para cuidar dos nossos mais jovens”, diz Lemos Farias.
Apesar da perda do terreno, um representante da Veracel afirma que a empresa sempre operou com “transparência, responsabilidade social e ambiental” e respeito pela população local. “A empresa nunca foi condenada por grilagem de terras e reafirma que suas áreas de produção são legalmente regulamentadas e operam com as licenças ambientais necessárias.”
No entanto, nos anos que se seguiram ao acordo, as famílias afirmam ter sofrido ameaças de morte, tiroteios, casas incendiadas, produtos agrícolas roubados e plantações destruídas.

Jhedys Lemos Farias junto a um rio perto do bairro da Baixa Verde. Os moradores locais dizem que o rio secou desde o início da produção de eucalipto. Fotografia: Sara Van Horn
Segundo o MLT, o conflito agora se concentra em parcelas de terra que permanecem ocupadas por agricultores filiados ao sindicato local, a Federação dos Trabalhadores Rurais e da Agricultura Familiar (Fetag). Quando estava prestes a perder a posse da terra em disputa, a Veracel doou 300 hectares vizinhos ao sindicato – doação confirmada pela direção da Fetag, de acordo com a gravação de uma audiência pública realizada com a Defensoria Pública Nacional da Agricultura da Bahia.
Há muita perseguição acontecendo por aqui. Nossas tendas foram incendiadas, assim como nossos canaviais.
Ercilio Souza
Nos últimos quatro anos, seis líderes do MLT foram colocados sob vigilância protetiva pelo programa brasileiro de proteção a defensores de direitos humanos, comunicadores e ambientalistas. O governo recomendou que alguns desses líderes se mudassem, mas, por lealdade ao movimento e por sua ligação com a terra que conquistaram com tanto esforço, eles se recusaram.
Devido às ameaças de morte que tem recebido, Souza diz que tem dificuldade para dormir à noite. “Estou com muito medo de que algo aconteça à minha família”, afirma. “Há muita perseguição por aqui. Nossas tendas foram incendiadas, assim como nossos canaviais.”

Marli dos Santos em frente a uma casa temporária enquanto aguarda a desocupação de seu terreno. Ela encontrou cápsulas de balas na grama a poucos metros de distância. Fotografia: Sara Van Horn
A MLT afirma que oito famílias não se sentem suficientemente seguras para cultivar seus terrenos, que permanecem ocupados por agricultores supostamente associados à Veracel.
A Veracel afirma que, nos últimos 15 anos, destinou “mais de 20.000 hectares a iniciativas de reforma agrária, seja por meio de acordos judiciais, doações ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), doações diretas ou vendas, para resolver conflitos em curso no território”.
A empresa também afirma que “a criação dos assentamentos – desde o projeto até o parcelamento e a definição dos lotes – foi conduzida inteiramente pelo governo estadual, sem interferência da empresa” e “não comenta conflitos entre movimentos sociais”.
Marli dos Santos é uma das duas pessoas que ainda vivem no antigo acampamento. Ela conta que tem sido assediada por homens armados que cercaram sua casa e atiraram no chão em frente à sua residência. Como não há ninguém por perto, Santos – que mora sozinha – acredita que os tiros foram uma tentativa de intimidá-la e impedi-la de retomar o terreno que lhe foi designado.
Em agosto, o estado da Bahia autorizou a remoção dos agricultores Fetag que ainda permanecem em lotes da Baixa Verde – mas a decisão ainda não foi cumprida.
A Fetag não respondeu ao pedido de comentário.
Além de se defenderem de ameaças e violência, a conversão de terras antes utilizadas para a monocultura de eucalipto em áreas de produção alimentar é agora o principal desafio para as comunidades da Baixa Verde. A produção de eucalipto é dominada por grandes multinacionais que, desde a década de 1960 , vêm convertendo terras agrícolas e florestas em plantações de monocultura, impulsionadas pela demanda global.
O Brasil é o maior produtor mundial de eucalipto, uma planta de rápido crescimento e que consome muita água , cuja polpa é exportada para a fabricação de papelão e produtos de papel. A maior parte da polpa de eucalipto do país é exportada para a Europa, onde é utilizada na fabricação de produtos de papel frequentemente comercializados como uma alternativa renovável aos plásticos – apesar dos danos ambientais causados pela monocultura.
Na Bahia, a proliferação dessas fazendas rendeu ao povoamento o apelido de “deserto verde”, devido à perda da vida selvagem e à grave escassez de água e terra enfrentada pelas famílias que vivem perto das plantações de eucalipto.

Os terrenos agrícolas do povoado da Baixa Verde, perto de Veracel. Fotografia: Arquivo MLT
Souza cresceu na região e se lembra do rio antes da área ser transformada pela monocultura de eucalipto, promovida pela Veracel. “Costumávamos atravessá-lo de canoa. Era cheio”, diz ele. “Depois que a Veracel chegou, secou.” Ele atribui a escassez de água à chegada da empresa em 1991.
A Veracel afirma que “adota um sistema de gestão em mosaico, no qual o eucalipto é cultivado em áreas de planalto, enquanto vales, nascentes e vegetação nativa são preservados. Este modelo garante a proteção do solo, a conservação da vida selvagem e a manutenção dos recursos hídricos”. A empresa também afirma que “realiza monitoramento contínuo de microbacias em sua área de atuação” e “desenvolve projetos de reflorestamento e restauração florestal em áreas próximas a comunidades”.
No estado vizinho de Minas Gerais, a região de eucaliptos de Turmalina viu seu nível de água subterrânea cair 4,5 metros nos últimos 45 anos, de acordo com pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais.
A vegetação em monoculturas de eucalipto absorve 26% da água da chuva , restaurando os níveis do lençol freático – em comparação com os 50% de absorção associados à floresta nativa. Três quartos das famílias de agricultores entrevistadas em Minas Gerais relataram que suas plantações foram afetadas pela escassez de água.
O cultivo de eucalipto também acarreta um risco elevado de incêndios florestais. As plantações são tão inflamáveis que o Chile descartou o eucalipto como uma solução climática viável após uma série de grandes incêndios em suas plantações.
Apesar dos riscos ambientais, as plantações de eucalipto continuam a desempenhar um papel significativo no mercado de carbono, com as árvores sendo vendidas como créditos de carbono para empresas poluidoras de combustíveis fósseis, a fim de compensar suas emissões. Apesar da oposição de ativistas, em maio do ano passado, o governo brasileiro aprovou uma lei que exclui o eucalipto da lista de indústrias que necessitam de licença ambiental.
Matéria orignalmente publicada em: https://www.theguardian.com/global-development/2025/nov/05/brazil-green-desert-bahia-farmers-winning-battle-eucalyptus-wood-pulp-veracel-celulose
