
Assentamento Mário Lago, Ribeirão Preto (SP) | 18 de maio de 2025A Fogueira dos Povos está acesa.
E dela emana o calor que alimenta nossos passos, o fogo que purifica a terra e convoca as memórias ancestrais.
Nos dias 16, 17 e 18 de maio de 2025, o Assentamento Mário Lago, na Brigada Agroflorestal Ana Primavesi, foi o ponto de encontro da I Pré-Jornada de Agroecologia da Teia dos Povos em Ribeirão Preto, estado de São Paulo.
A atividade reuniu, em confluência, acampados e assentados da reforma agrária, povos indígenas de diferentes contextos, quilombolas, agricultores, estudantes, professores, crianças, coletivos populares e representantes de movimentos ambientais e agroecológicos de diversos territórios.
Participaram das atividades da I Pré-Jornada de Agroecologia da Teia dos Povos de Ribeirão Preto/SP:Territórios e povos: Fazenda da Barra – Assentamento Mário Lago, grupos Luisa Mahim, Índio Galdino (Ribeirão Preto – SP); Vale do Chibarro e Assentamento Bela Vista (Araraquara – SP); Assentamento Sepé Tiaraju (Serra Azul e Serrana – SP); Comuna Campo e Cidade Acampamento Paulo Botelho (Jardinópolis – SP); Terra Indígena Guarani Mbya do Jaraguá (São Paulo – SP); Quilombo José Joaquim de Camargo (Salto de Pirapora e Votorantim – SP); Acampamento Aliança/ Plínio de Arruda Sampaio (Promissão e Bauru – SP); povo Warao refugiado em Ribeirão Preto-SP. Lideranças populares e conselheiros: Renata e Luciano Botelho (Brigada Ana Maria Primavesi, Assentamento Mário Lago, MST regional Ribeirão Preto – SP); Renata Garcia (jornalista independente); Ludwig Mapuxe (Canal Abya Yala 473); Júlio Guató (Coletivo Colibri, Teia dos Povos – SP); Enes (Recanto do Saci, Assentamento Sepé Tiaraju, Serrana – SP). Coletivos, movimentos agroecológicos e elos da Teia dos Povos: Associação Pau Brasil e militantes do coletivo Tá com Calor? Plante Uma Árvore! (Ribeirão Preto – SP e região); Projeto Mudando Vidas (Ribeirão Preto – SP); Movimento por uma Universidade Popular – MUP (Araraquara – SP); Coletivo Pés Vermelhos (UFSCar Araras – SP); Laboratório Multidisciplinar em Saúde e Meio Ambiente – LabMSMA (UNIFESP Diadema – SP); Coalisão Pelo Clima (São Paulo – SP); Núcleo Anarquista de Difusão Audiovisual – N.A.D.A. (São Paulo – SP); Cabeceira Assistência Técnica e Extensão Rural (Araraquara – SP, região central do estado, Caconde – SP e região da divisa com MG); Cogumelos da Mata (Miracatu – SP); Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA (Sorocaba – SP); Coletivo Ação Libertária – CAL (região de Bauru – SP).
Menções e saudações na plenária: retomadas indígenas guarani mbya no estado de São Paulo, guarani kaiowá no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, pataxó e tupinambá na Bahia; dona Nilda Guardiã das Sementes Raras no Aricanduva, São Paulo – SP; dona Izabel do Empório Flamejante e manejo do jatobá na região de Dracena – SP; Pedro Xapuri, liderança popular histórica na luta com os seringueiros na Amazônia e na reforma agrária no interior de São Paulo (aniversariante do dia 17/05); Brigada de Prevenção e Combate a Incêndios do Assentamento Egídio Brunetto em Lagoinha – SP.
Já no dia 16, os participantes começaram a chegar, se acomodar e dar início aos trabalhos de infraestrutura do encontro, que incluíram manutenções no espaço e a bioconstrução de banheiros secos ecológicos.
O pessoal da Brigada Ana Primavesi preparava cestas de alimentos agroecológicos produzidos no território para entrega na cidade de Ribeirão Preto.No dia seguinte, 17 de maio, o encontro teve início com um café da manhã camponês, seguido da mística dos povos ao redor da fogueira. Na ocasião, foram compartilhadas as histórias de luta do Assentamento Mário Lago e da Brigada Ana Primavesi. Cada pessoa presente se apresentou, compartilhou sua trajetória e reafirmou o compromisso de manter acesa, durante todos os dias do encontro, a Fogueira dos Povos — símbolo de união, memória ancestral e aquecimento coletivo.
O almoço coletivo — preparado com alimentos saudáveis, diversos, repletos de sabores — foi fruto da partilha generosa de apoiadores da jornada e de produtores do próprio assentamento, gesto que expressa o envolvimento coletivo e a tradição solidária dos militantes em compartilhar o que têm. Em paralelo, prosseguiram as oficinas de bioconstrução, com a construção dos banheiros secos e outras ações de manutenção da infraestrutura, sob coordenação e explicações do militante Anderson, do Coletivo Ação Libertária (CAL), elo da Teia dos Povos SP.
Após esse momento de convívio e colaboração, os grupos se dirigiram aos trabalhos práticos de manejo agroflorestal nas linhas de canteiros do espaço, com aula e orientações conduzidas por Roberto Carlos, militante do MST e morador da Brigada. Ao final do dia, o jantar coletivo reuniu todas e todos em torno de um saboroso caldo de mandioca, produzido pela chef de cozinha Natália Souza. A programação seguiu com o “Espaço Cultural dos Povos”, com cantorias, partilhas ao redor da fogueira e um animado bingo, organizado para arrecadar fundos que custearam o transporte de participantes dos territórios. Entre os prêmios, estavam café agroecológico, biofertilizantes, livros e outros itens que fortalecem as lutas populares e os cuidados com os plantios e com a vida coletiva.Os plantios nos terrenos preparados coletivamente estão previstos para o mês de outubro. Será mais um momento de encontro e continuidade do que foi semeado — com as mãos na terra, fortalecendo os laços entre os elos da Teia dos Povos e reafirmando o compromisso com a luta pela terra, pela vida e por um futuro agroecológico.
A escolha do Assentamento Mário Lago como território desse encontro não foi por acaso. “Ele é fruto da ocupação da antiga Fazenda da Barra por cerca de 1.200 famílias organizadas pelo MST, que transformaram uma área improdutiva em campo vivo de agroecologia, resistência e formação. Ali, em solo que já foi marcado pelo abandono e pela violência ambiental, hoje brotam alimentos saudáveis, uma associação solidária, uma escola em construção, sementes crioulas e sonhos compartilhados.
A Brigada Ana Primavesi, que nos acolheu, é exemplo de que o trabalho coletivo e o respeito à Terra dão frutos. Frutos que alimentam não só o corpo, mas a esperança”, nos explicou Renata Botelho, coordenadora da Brigada Ana Primavesi. O território foi a primeira fazenda do estado a ser desapropriada por descumprir a função social da terra, após um grave crime ambiental: a poluição da Bacia do Rio Pardo e a contaminação do Aquífero Guarani. Todas as nascentes haviam sido aterradas, gerando um passivo ambiental que, até hoje, exige atenção e esforços contínuos de recuperação.No dia 18, logo após o café da manhã — preparado com alimentos camponeses, vindos da terra e também fruto da partilha generosa entre os participantes do encontro — teve início a plenária geral. Nela, todos os presentes tiveram espaço para se apresentar, compartilhar experiências e expor os desafios vivenciados em seus territórios, momento que fortalece a escuta mútua e a construção coletiva de alianças entre os territórios.
Júlio Guató, conselheiro da Teia dos Povos SP, inicia sua fala explicando que a Teia dos Povos é uma articulação viva que reúne comunidades, territórios, povos e organizações políticas, tanto rurais quanto urbanas. Nela, extrativistas, ribeirinhos, povos originários, quilombolas, moradores da periferia, sem-terra, sem-teto e pequenos agricultores se conectam como núcleos de base e elos, com o propósito comum de construir coletivamente caminhos de emancipação. É através dessa articulação que traduzimos na construção solidária de uma Aliança Preta, Indígena e Popular, é que fortalecemos nossas lutas e reconhece a diversidade dos nossos modos de vida.Sob o projeto de Terra e Território, buscamos afirmar a autonomia dos povos, desvinculada das lógicas eleitorais e das instituições do Estado.
Para nós, a verdadeira libertação passa pela soberania alimentar e pelo protagonismo direto das nossas mãos na defesa da vida e da sobrevivência. Por isso, ancoramos nossas práticas na sabedoria ancestral, valorizando as sementes crioulas e rompendo com a lógica hegemônica do agronegócio, que representa um projeto de morte — contra os biomas e contra os povos tradicionais. Nossa lida agroecológica é resistência viva: nela se gera riqueza, se conserva a Terra e se reafirma a totalidade da vida.
Ludwig, indígena do povo Mapuche, originário do território invadido pelo Estado chileno e articulador do canal Abya Yala 473, denunciou, em sua fala, as violências sistemáticas que vêm sendo cometidas contra os territórios indígenas no Brasil. Citou, como exemplo, os projetos vinculados aos Programas de Aceleração do Crescimento (PACs), voltados ao escoamento de produtos brasileiros para o mercado internacional, especialmente para a China. Para ele, esses projetos não representam desenvolvimento para os povos originários, nem para a sociedade brasileira como um todo; são sinônimo de destruição de seus modos de vida e de seus territórios, e representam a continuidade do projeto colonizatório.O indígena também alertou que há um genocídio em curso, patrocinado pelo Estado brasileiro e sustentado por uma cultura que insiste em apagar a memória e a existência dos povos indígenas. Finalizou com firmeza, afirmando que o grito de socorro dos povos é, na verdade, o grito da Mãe Terra, que está sendo dizimada. E destacou a importância da Pré-Jornada como espaço de encontro, onde, segundo ele, “cada um com sua linguagem, está conseguindo compartilhar o que aflige seu território, suas dores e também suas lutas”.
Luciano Botelho, advogado popular e integrante da direção de formação do MST, afirmou que o MST é a casa dos povos, das águas, das florestas e da terra. Relembrou que o assentamento, localizado sobre uma importante zona de recarga do Aquífero Guarani, é um instrumento estratégico de enfrentamento político e ambiental na região. Destacou que a construção do plano diretor que garante a preservação dessa área exigiu muita luta e mobilização popular.Segundo ele, mesmo após a conquista da terra, os assentados seguem sujeitos à lógica do Estado — seja pela política econômica, agrária, pela necessidade de permanência na terra ou pela luta pela subsistência. Contou que o projeto de agrofloresta foi construído “na raça”, por meio de mutirões organizados pelo próprio coletivo. Enfatizou que o modelo do monocultivo da cana está em colapso, “na UTI”, e gera desertificação e degradação da região. O que se realiza no Assentamento Mário Lago, reforçou Luciano, não é apenas uma técnica de plantio, mas um gesto radical de resistência. “Lutamos contra a sofisticação do mal em todas as suas esferas”, declarou, apontando o combate à hegemonia e aos discursos conciliadores que, segundo ele, “não servem para nós, pois nos matam enquanto seguram as nossas armas e seguem avançando e dominando os nossos territórios”.
Luiza da Teia dos Povos, destacou que a juventude tem revelado não apenas a fragilidade do tempo presente, mas também a potência de organização e luta, mesmo em meio às muitas contradições deste período histórico. A juventude tem contribuído para pensarmos a resistência também a partir do simbólico que carrega um profundo potencial de multiplicação, continuidade e fortalecimento das lutas.Reforçou ainda a importância de retomar uma bandeira histórica que unifica os povos: trabalhar menos, trabalhar todos, produzir apenas o necessário e distribuir de forma justa aquilo que é produzido.” Esses são princípios que apontam para uma transformação estrutural, sustentada pela solidariedade e pela dignidade coletiva”.
Nesse encontro, nos organizamos pela vida. Rejeitamos os projetos de morte que se impõem sobre nossos territórios: o latifúndio, a monocultura, o agrotóxico, a mineração predatória, a destruição das águas. Nos colocamos ao lado da floresta, das roças diversas, dos quintais produtivos, das crianças bem alimentadas e dos ancestrais que nos guiam. As sementes crioulas são nossa política. Nossos SAFs são nossas trincheiras. A nossa forma de resistir é cultivar.Não nos interessam atalhos eleitorais nem a ilusão de que virá de fora o que deve ser construído aqui. A autonomia é um horizonte que se pisa, passo a passo, com trabalho, organização, cuidado e aliança. Não abrimos mão da radicalidade do comum: a terra como bem coletivo, a comida como direito, a vida como centralidade. Somos contra o agronegócio porque somos a favor da vida.Saímos desta pré-jornada com o compromisso de manter a Fogueira dos Povos acesa. Que ela siga queimando o medo, aquecendo os encontros e iluminando as veredas da nossa emancipação. Reafirmamos nossa posição na Teia dos Povos: construir desde as bases, a partir dos territórios, uma aliança que coloque no centro o Bem Viver.
Que a fogueira siga acesa. Que o povo siga plantando. Que a Terra siga viva!Encerramos esta Carta Política reafirmando os princípios que nos unem, e que são traduzidos em poesia pelo companheiro de luta Mateus Faustino, que nos chama à ação, resistência e solidariedade permanente. Que estas palavras, assim como nossas fogueiras, sigam incendiando corações e guiando nossos passos nos caminhos da luta.Solidariedade Permanente!
Na luta nos encontramos,Na pluralidade,Nos fortalecemos,Na divergência,Nós amadurecemos,E na simplicidade,Aprendemos e crescemos!Solidariedade permanente!!!Solidariedade permanente!!!Solidariedade permanente!!!
Se levante agora, bem agora!!!
Na solidariedadealçamos vôos maiores,Nos entrelacesdas redes e teias,Tecemos a fibrada nossa revolta,Nas partículasdesse chão de terra,Ramificamos o nosso território,No grude piche desse asfalto,Forjamos a resistência implacável,E na folhagemjunto à seiva dessa floresta,Projetamos no amanhã
O Futuro Ancestral!Solidariedade permanente!!!Solidariedade permanente!!!Se levante agora!!!Lute bem agora!!!Os punhos erguidos,Os punhos cerrados,Levante em cada coração, A sintonia no rádioconclama Revolução!Dá-me tua mão, irmã, irmão,O Futuro nos pertence a solidariedade legítima nossa ação!!