Posted on: 5 de maio de 2025 Posted by: Teia dos Povos Comments: 0

Um casal Maxakali posa em frente ao seu terreno em Minas Gerais, Brasil

por Sara Van Horn

Publicado em 30 de abril, 2025 em https://www.aljazeera.com/news/longform/2025/4/30/with-song-and-seed-brazils-indigenous-maxakali-confront-climate-change

Bertópolis, Brasil – A região mais quente do Brasil é coberta por capim-guiné: espesso, invasivo e altamente inflamável. Faixas negras de terra queimada se espalham pelas colinas ondulantes — evidência dos incêndios que aumentaram junto com a temperatura.

No entanto, ao entrar na aldeia de Pradinho, surge uma colcha de retalhos verdejante. Aqui, exuberantes bananeiras, mandiocas e goiabeiras brotam das planícies secas.

Esses lotes florescentes são o produto do Hāmhi Terra Viva, um projeto agroflorestal liderado por indígenas no leste do estado de Minas Gerais, onde canções e tradições ancestrais são incorporadas ao processo de plantio.

Cada oásis de árvores, cultivado em quintais ou em grandes áreas de reflorestamento, sinaliza uma espécie de renascimento para o povo Maxakali local, também conhecido como Tikmũ’ũn.

A Mata Atlântica, um ecossistema complexo de florestas tropicais, árvores de folhas largas costeiras e manguezais, costumava cobrir o território Maxakali. Sua densa cobertura vegetal reteve umidade e proporcionou uma das regiões de maior biodiversidade do mundo.

Mas a destruição da Mata Atlântica exacerbou os efeitos locais das mudanças climáticas — e, com isso, aumentou os riscos de incêndios florestais.

No Brasil, o Vale do Jequitinhonha, onde estão localizados os quatro territórios Maxakali, sofreu um aumento drástico nas temperaturas nos últimos anos.

Vinte cidades brasileiras registraram temperaturas cinco graus Celsius (nove graus Fahrenheit) acima da média diária máxima, segundo dados governamentais de 2023 analisados ​​pelo jornal O Globo. Dessas cidades, 18 estavam no Vale do Jequitinhonha.

A cidade de Araçuaí chegou a quebrar o recorde de temperatura mais alta da história do Brasil em novembro daquele ano, com termômetros chegando a 44,8 graus Celsius — ou 112,6 graus Fahrenheit. Fica a apenas 130 km do território Maxakali.

“Estamos no epicentro da crise climática no Brasil”, disse Rosângela Pereira de Tugny, coordenadora do projeto Hāmhi.

Um tapete de capim inflamável

Um incêndio no pasto de Minas Gerais arde lentamente, espalhando fumaça pela paisagem

Mais de 85% da Mata Atlântica foi destruída, à medida que a agricultura, o desenvolvimento e práticas como a exploração madeireira invadem suas terras. Em Minas Gerais, estima-se que restem menos de 8% da floresta.

“Quando eu era criança, havia muita floresta”, disse Lúcio Flávio Maxakali, professor e mestrando da Universidade Federal de Minas Gerais. “Havia muitos animais e plantamos alimentos — milho, feijão, cana-de-açúcar — no meio da mata.”

Mas, ao longo dos séculos, os colonizadores usaram o fogo para desmatar vastas extensões de Mata Atlântica. Os fazendeiros frequentemente semeavam as áreas queimadas com capim-guiné, trazido da África, para alimentar o gado.

Lúcio Flávio Maxakali lembra que a paisagem era radicalmente diferente quando criança

“Os fazendeiros mudaram a paisagem”, disse Manuel Damásio Maxakali, líder de 52 anos da aldeia Pradinho.

Com as mãos enrugadas desenhando mapas improvisados ​​na terra empoeirada, Damásio estava ansioso para comunicar a destruição causada pelos fazendeiros. “Eles queimaram tudo. Eles colocaram cercas. Eles colocaram gado. Eles cortaram tudo. A cada vez, os fazendeiros tomavam mais terra.”

A ditadura brasileira, de 1964 a 1985, preparou o cenário para uma destruição ainda maior das florestas tropicais da região.

Guiados pelo lema “integrar para não se render”, a liderança militar abriu estradas na floresta densa e impulsionou projetos de desenvolvimento em regiões remotas para estimular o crescimento econômico.

O desmatamento atingiu seu pico no período entre 1995 e 2004, quando cerca de 27.772 quilômetros quadrados (10.723 milhas quadradas) de floresta no Brasil foram destruídos por ano.

Manuel Damásio Maxakali desenha mapas na terra para ilustrar como a paisagem mudou

Isso, por sua vez, aumentou as temperaturas em todo o país. Na região da Mata Atlântica em particular, um estudo constatou que a temperatura da superfície de um hectare aumentou em um grau Celsius (1,8 graus Fahrenheit) sempre que um quarto de sua cobertura florestal foi derrubado.

Se todo o hectare de floresta fosse demolido, segundo o estudo, as temperaturas poderiam subir quatro graus Celsius (7,2 graus Fahrenheit).

Sem a cobertura florestal úmida, especialistas dizem que o território Maxakali ficou mais quente e seco. Isso aumenta a probabilidade de incêndios florestais.

O ano passado chegou a quebrar um recorde no número de incêndios florestais em Minas Gerais. Em menos de nove meses, foram registrados 24.475 incêndios florestais — superando em muito o recorde anterior de todo o ano de 2021.

A escassez de chuvas também aumenta o risco de incêndios, assim como o capim-guiné, que parece não ter fim e cria um espesso tapete de material inflamável por toda a paisagem.

Incêndios em pastagens podem se espalhar quatro vezes mais rápido que incêndios florestais, levando os Maxakali a apelidar a planta invasora de “querosene”.

Homens tentam conter as chamas que se espalham pelo pasto seco

Alguns incêndios são iniciados acidentalmente dentro das próprias comunidades Maxakali.

Afinal, o fogo é uma parte frequente dos ritos fúnebres Maxakali, que frequentemente envolvem a queima das roupas, ferramentas e casa do falecido, e também é usado para cozinhar e para limpar áreas de cobras.

Mas os incêndios florestais não são a única consequência das mudanças climáticas. O rio na aldeia de Pradinho encolheu tanto que os moradores não conseguem mais tomar banho.

“Não há água. A água secou”, explicou Damásio. “Normalmente usamos água do rio, mas agora não há mais nada.”

Canções como um projeto ecológico

A Mata Atlântica foi destruída em grande parte do território Maxakali

O território Maxakali já se estendeu por pelo menos três grandes vales na Mata Atlântica. Os anciãos da aldeia lembram como a floresta fornecia alimentos, remédios e materiais de construção — além de servir de habitat para os yãmĩyxop, seres espirituais centrais nas crenças Maxakali.

“Havia remédios na floresta para nós”, explicou Damásio. “Quando tínhamos dor de estômago, usávamos a casca das árvores para nos sentirmos melhor. Mas agora é só capim. Os fazendeiros queimaram tudo.”

Mas as quatro reservas Maxakali restantes — reduzidas a 6.434 hectares (15.900 acres) de pasto — contêm menos de 17% de sua vegetação original. Alguns especialistas consideram a Mata Atlântica regionalmente extinta.

Essa ausência levou muitos líderes Maxakali a recorrerem ao reflorestamento — e a encontrarem em suas tradições musicais um modelo ecológico do passado.

Manuel Damásio Maxakali cuida de bananeiras em Minas Gerais, Brasil

O canto organiza a vida nas aldeias Maxakali: a música, por exemplo, é usada para curar doenças, ensinar história ou transmitir instruções práticas, como fazer bolsas ou tecer redes de pesca.

“As canções unem toda a estrutura social Tikmũ’ũn”, disse de Tugny, coordenadora do projeto Hāmhi, que também é professora e etnomusicóloga na Universidade Federal do Sul da Bahia. “As pessoas não compõem canções. Elas têm canções.”

Ter uma canção, acrescentou, significa ser capaz de cuidar do espírito considerado o criador da canção.

As canções ancestrais também fornecem um registro extremamente detalhado da ecologia local. Doze cânones musicais, distintos em gramática e léxico, totalizam cerca de 360 ​​horas de canções. As letras contêm centenas de espécies da flora e da fauna já extintas no território.

“Cantamos sobre tudo: as mudas, as bananas, nós mesmos”, explicou Manuel Kelé, líder da aldeia de Água Boa. “Até os cachorros têm uma canção dentro da nossa religião.”

Cuidadores do viveiro Hāmhi cuidam das árvores e plantas em crescimento

Uma música, por exemplo, lista 33 espécies de abelhas, algumas das quais não têm nomes na língua nacional do Brasil, o português, e apenas duas delas estão atualmente presentes no território. A letra fornece informações sobre o comportamento das abelhas que muitos Maxakali nunca testemunharam em primeira mão.

“As músicas são instantâneas”, disse de Tugny. “São como fotografias de cada detalhe que existe na Mata Atlântica: os nomes de insetos, pássaros, plantas, momentos de relacionamento entre um animal e uma folha. Tudo isso é registrado.”

Para os Maxakali, as canções rituais também desempenham um papel crucial na regeneração da floresta. Cantar é parte diária de seu trabalho nos viveiros de árvores Hāmhi.

Os cuidadores do viveiro não apenas cantam para as sementes enquanto elas são enterradas, mas também fazem música como parte dos ritmos regulares da colheita e do cultivo. Os cuidadores se dividem em grupos, posicionam-se ao redor do viveiro e cantam em conjunto. A letra da música ajuda os participantes a relembrar o conhecimento ecológico de seus ancestrais.

E embora parte do trabalho em Hāmhi seja dedicado ao plantio de árvores frutíferas e outras culturas, os líderes do projeto veem o reflorestamento como fundamental para reduzir os riscos de incêndio na região.

O canto é uma parte importante do ciclo de crescimento na cultura Maxakali

Desde o seu início em 2023, o projeto Hāmhi plantou mais de 60 hectares (148 acres) de árvores frutíferas e 155 hectares (383 acres) de vegetação de Mata Atlântica. A meta é reflorestar uma área quase duas vezes maior.

Os participantes do programa também se organizaram em uma brigada de incêndio provisória e até criaram barreiras naturais contra incêndios, usando métodos tradicionais, como o plantio de espécies de vegetação resistentes ao fogo.

“O canto ajuda a floresta a crescer”, disse Damásio, o líder da aldeia. “Pedimos aos que morreram que nos ajudem. Eles caminham até aqui e nos ajudam. Estamos pedindo que a floresta cresça novamente.”

O projeto Hãmhi Terra Viva é realizado pelo Instituto Opaoká e viabilizado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), com apoio do Núcleo Semente e parceria do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, do Patrimônio Cultural e da Habitação e Urbanismo (CAOMA) e Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Apoio Comunitário, Inclusão e Mobilização Sociais (CAO-Cimos).

Originalmente postado em: https://www.aljazeera.com/news/longform/2025/4/30/with-song-and-seed-brazils-indigenous-maxakali-confront-climate-change

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