O EZLN DENUNCIA AGRESSÕES E AMEAÇAS CONTRA SUAS BASES DE APOIOO EZLN DENUNCIA AGRESSÕES E AMEAÇAS CONTRA SUAS BASES DE APOIO
A duas semanas do início do governo da presidenta Claudia Sheinbaum no México, o Subcomandante Insurgente Moisés, porta-voz do Exército Zapatista de Liberação Nacional (EZLN), denunciou em um comunicado agressões e ameaças contra a comunidade zapatista 6 de Octubre, com a intenção de expulsar os zapatistas das terras onde eles têm vivido e trabalhado durante mais de 30 anos.
Segundo informação recebida pelo Centro de Direitos Humanos Fray Bartolomé de Las Casas, as agressões começaram em junho, quando pessoas armadas com fuzis de alto calibre entraram à comunidade, tiraram fotos e advertiram alguns moradores a abandonar a comunidade, ameaçando com expulsá-los com violência. Tempo depois, um drone foi visto voando sobre a comunidade.
No 23 de setembro, umas 100 pessoas armadas da comunidade vizinha de Palestina chegaram às terras zapatistas em 10 veículos, e começaram a construir casas muito perto das casas dos zapatistas, onde se estabeleceram. A partir desse momento, as intimidações vêm aumentando, com ameaças de estuprar as mulheres, queima de casas e roubo de pertences.
Segundo o Subcomandante Moisés, até agora, as comunidades tinham convivido pacificamente sem qualquer problema. Agora, porém, segundo os próprios agressores, os governos municipal e estadual os têm instigado a agredir os zapatistas, com promessas de lhes dar os papéis de propriedade das terras que estão invadindo. Ao mesmo tempo, segundo os agressores, o crime organizado está pressionando para expulsar os zapatistas, com a conivência dos diferentes níveis do governo.
Isto acontece no contexto da convocatória zapatista a uma série de encontros, que começariam em dezembro deste ano. Uma das sedes planejadas para os encontros era justamente o Caracol de Jerusalém, ao qual a comunidade assediada pertence. O propósito dos “Encontros de Rebeldias e Resistências” é discutir “a tormenta e o dia depois”; ou seja, refletir, com a palavra, com as artes e com as ciências, sobre a crise civilizatória que atravessamos e o possível colapso do nosso sistema mundo, e o que é preciso fazer coletivamente para construir “outro mundo possível”.
Perante os ataques, o EZLN decidiu suspender toda comunicação sobre os Encontros, anunciando que possivelmente serão cancelados devido à grave situação de insegurança não apenas nessa região, mas em todo o estado de Chiapas.
A violência em Chiapas tem aumentado dramaticamente nos últimos anos. Desde a presidência de direita de Felipe Calderón em 2006, o país começou a cair numa espiral de violência inédita ocasionada pela guerra entre os carteis do crime organizado, com dezenas de milhares de assassinatos, desaparecimentos forçados, torturas, massacres, recrutamento forçado, deslocamentos massivos de populações e mais, como resultado de uma política falida de uma suposta “guerra às drogas”.
Entretanto, essa violência não tinha chegado a Chiapas, em parte graças à presença do zapatismo. Porém, a partir da presidência de Andrés Manuel López Obrador, supostamente de esquerda, mas com um programa agressivo de megaprojetos de infraestrutura, turísticos e extrativistas, com vínculos estreitos com o Cartel de Sinaloa segundo a investigação da jornalista Anabel Hernández, e com uma forte aversão ao zapatismo, o estado de Chiapas foi tomado pela guerra entre os carteis do crime organizado, com violentíssimos enfrentamentos em todo o território, a reprodução de grupos armados de todo tipo, uma extrema militarização acompanhada por uma impunidade generalizada, assassinatos de prefeitos e candidatos pelas organizações criminosas, que disputam os cargos políticos, desaparições forçadas, sequestros, assassinatos, torturas e cobros de impostos pelo crime, e a reativação do paramilitarismo, agora na forma de narco-paramilitarismo, com agressões constantes a comunidades zapatistas. Milhares de pessoas têm sido forçadas a abandonar seus lares e todos os seus bens, fugindo dos assassinatos, torturas, sequestros e, sobretudo, recrutamento forçado por parte dos carteis em disputa.
A resposta do governador Rutilio Escandón e do presidente López Obrador foi negar a situação, inclusive afirmando que Chiapas é um dos estados mais seguros do país, ao mesmo tempo que criminalizavam ou estigmatizavam organizações de direitos humanos e defensores do território que denunciavam a violência crescente e descontrolada, como o Centro de Direitos Humanos Fray Bartolomé de Las Casas, que, em suas conferências matutinas, o presidente acusou repetidas vezes de “magnificar a violência” no intuito de empreender uma campanha contra ele e “a favor do conservadorismo”. Cada vez mais, os membros desse Centro vêm enfrentando ameaças de morte, intimidação, difamação e vigilância.
É alarmante que, neste novo governo, tão celebrado fora do México como a vitória do feminismo e da esquerda, se incrementem as agressões contra as comunidades zapatistas, com uma aparente articulação entre as instituições do Estado, grupos paramilitares e o crime organizado.
Comunicado do Comité Clandestino Revolucionário Indígena–Comandância Geral do Exército Zapatista de Liberação Nacional
México.
16 de outubro de 2024.
À Sexta Nacional e Internacional:
Aos que firmaram a Declaração pela Vida:
Compas:
Há algumas semanas, povoadores de Palestina vêm ameaçando mulheres, anciãos, crianças e homens do povoado zapatista “6 de Octubre”, parte do Caracol de Jerusalén, com expulsá-los das terras que eles têm ocupado e trabalhado pacificamente há mais de 30 anos.
Até antes deste “câmbio” de governo, o povoado “6 de Octubre” tinha convivido em paz e harmonia com os povoados em volta, sem que houvesse fricções ou problemas.
Desde o início deste problema, o Governo Autônomo Local (GAL) de “6 de Octubre” e a Assembleia de Coletivos de Governos Autônomos Zapatistas (ACEGAZ) do Caracol de Jerusalén têm insistido no diálogo e no acordo com as autoridades comunais de Palestina, mas tem sido em vão. Essas autoridades de Palestina dizem que contam com o apoio das autoridades municipais de Ocosingo e do Governo do Estado de Chiapas (PVEM e MORENA respectivamente), e que têm indicações desses maus governos para outorgar aos agressores os papeis de propriedade sobre as terras espoliadas.
Os mesmos povoadores de Palestina dizem que há pressões por parte do chamado crime organizado para que nossas companheiras e companheiros sejam expulsos, e que há um acordo do crime organizado com os diferentes níveis do governo para dar caráter “legal” a essa espoliação.
As ameaças têm se agravado até incluir a presença de pessoas de Palestina com armas largas de alto poder, ameaças de estupro a mulheres, queima de casas e roubo de pertences, colheitas e animais.
As provocações não param. O Caracol de Jerusalén era uma das sedes contempladas para a celebração dos Encontros de Resistência e Rebeldia 2024–2025.
Como devemos ficar atentos ao deterioro desta grave situação, suspenderemos toda comunicação e informação sobre esses encontros e contemplaremos o cancelamento dos mesmos devido a que não haveria segurança para os assistentes em nenhum lugar de Chiapas.
Esta é a realidade da “continuidade com câmbio” nos maus governos.
É tudo.
Pelo Comitê Clandestino Revolucionário Indígena–Comandância Geral do
Exército Zapatista de Liberação Nacional.
Subcomandante Insurgente Moisés.
México, outubro de 2024.
Originalmente publicado em: https://radiozapatista.org/?p=49201