
Camacan, no coração do sul da Bahia, é lar do maior Jequitibá do Estado – uma árvore monumental símbolo de resistência da Mata Atlântica. No 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, é preciso olhar com atenção para essa região. Enquanto celebramos a riqueza natural, o avanço das lavouras de café conilon ameaçam esse bioma: produtores continuam derrubando a mata nativa para abrir espaço ao monocultivo, colocando em risco não só espécies como o próprio Jequitibá, mas também o futuro da biodiversidade local.
O Jequitibá
Em 2014, a natureza revelou um de seus tesouros no coração da Bahia: um jequitibá majestoso, com 48 metros de altura e tronco de 4,35 metros de diâmetro, descoberto em uma fazenda de cacau em Camacã. Essa árvore nativa centenária, encontrada em uma região que mantém viva a tradição da cabruca, técnica ancestral de cultivo sob as sombras da Mata Atlântica praticada há três séculos, foi coroada como a maior árvore do Brasil em um concurso promovido pelo Instituto Cabruca.

Por dez anos, o jequitibá baiano reinou absoluto, até que uma nova descoberta surgiu em Minas Gerais: um exemplar de 65 metros na Reserva da Mata Escura roubou o título, mas não o valor simbólico da descoberta original. Afinal, o Jequitibá Baiano destacou o poder da cabruca, sistema que transforma roças de cacau em refúgios para a biodiversidade, protegendo até mesmo o raro mico-leão-da-cara-dourada.
Essa sabedoria ancestral, nascida do convívio entre os povos e a floresta, é um patrimônio da região. Por gerações, os cacaueiros cresceram sob o abrigo das árvores nativas, em harmonia com a natureza. Mas hoje, esse equilíbrio está em perigo. O avanço do café conilon cultivado a pleno sol vem devastando a paisagem, substituindo a mata por monoculturas que empobrecem o solo e ameaçam ecossistemas inteiros.
Enquanto a cabruca prova que é possível colher sem destruir, a expansão descontrolada do café desafia esse legado. O sul da Bahia, berço de gigantes verdes e tradições ancestrais, agora enfrenta uma grande ameaça de seguir o caminho da exploração predatória.

O Café Conilon
O café conilon é uma variedade de café cultivada principalmente no Brasil, especialmente no estado do Espírito Santo, que é o maior produtor nacional. Diferente do café arábica, que é mais sensível e exige altitudes elevadas e climas amenos, o conilon é mais resistente, adaptando-se bem a regiões quentes e de baixa altitude, como o norte do Espírito Santo e partes de Rondônia e Bahia.

O sistema de manejo predominante para o cultivo de café conilon nas principais regiões produtoras, especialmente no Espírito Santo, é o monocultivo a pleno sol, uma prática que tem causado significativas degradações no bioma da Mata Atlântica. Esse modelo de produção avança sobre áreas de vegetação nativa, levando à derrubada de espécies nativas para a implantação de lavouras homogêneas. Essa conversão da floresta em extensas plantações de café traz uma série de impactos ambientais preocupantes. Quando a vegetação nativa é destruída, os animais perdem seu lar, o clima da região muda, o solo fica fraco e se desgasta com as chuvas, e até a água que deveria alimentar os rios desaparece mais rápido.
Expansão alarmante e destruição ambiental
Em matéria recente a Brasil Mongabay revelou que os dados do MapBiomas mostram que, entre 2017 e 2022, a área de cafeicultura em Una, município vizinho a Camacan, quadruplicou, passando de 25 para 119 hectares. O ritmo acelerado da conversão de floresta para lavouras é motivo de alarme entre especialistas, não apenas pela perda vegetal, mas pelos impactos na flora e na fauna local.
Além disso, entre 2008 e 2022, Una perdeu mais de 6.400 hectares de Mata Atlântica. Em Ilhéus, essa perda foi ainda maior: cerca de 7 mil hectares. A principal causa: a agropecuária, em especial o café conilon, cujo cultivo intensivo consome em média 40 mil litros de água por hectare por dia, contribuindo para o esgotamento hídrico local.

A produção de café na Bahia cresceu 20% e atingiu o maior volume desde 2017, deverá atingir 3,68 milhões de sacas no fim de 2025, com o conilon respondendo por 2,5 milhões. Esse crescimento de 28,2% em relação a 2024 é sustentado por investimentos públicos e adoção de tecnologias modernas – como os sistemas de irrigação por gotejamento desenvolvidos por empresas israelense como a Netafim, que multiplicam a produtividade, mas também aceleram a substituição da vegetação nativa.
O litoral atlântico da Bahia, principal região produtora de conilon, apresentou os maiores ganhos de produtividade no estado, passando de 44,0 para 54,1 sacas por hectare, alta de 23%. Com esse resultado, a Bahia segue como o maior produtor de café do Nordeste e o quarto maior do Brasil, atrás de Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo.
Financiamento público do desmatamento, precarização da fiscalização
Enquanto o governo baiano celebra os investimentos públicos na cafeicultura familiar, é urgente questionar o papel desses recursos na aceleração do desmatamento da Mata Atlântica, bioma já reduzido a 12,5% de sua cobertura original. O programa Bahia Produtiva, que injetou R$ 33,8 milhões em tecnologia e infraestrutura para o café, opera sob um discurso de desenvolvimento rural, mas ignora os impactos ambientais catastróficos associados à expansão agrícola em áreas de floresta degradada.
A Mata Atlântica, que abriga 65% da população brasileira e 76% do PIB nacional, é sistematicamente sacrificada em nome de ganhos econômicos de curto prazo.
Enquanto o estado direciona milhões para a produção, a fiscalização ambiental é negligente. Dados do MapBiomas revelam que 72% do desmatamento na Mata Atlântica têm indícios de ilegalidade, e apenas uma fração mínima dos infratores é punida. Na Amazônia, onde o cenário é similar, estudos mostram que a vantagem econômica do crime supera em 70 vezes o risco de multas. Na Bahia, não há transparência sobre se os projetos apoiados pelo Bahia Produtiva respeitam os limites legais de desmate — ou se reproduzem o mesmo modelo de impunidade estrutural.
A retórica de “fortalecer a cadeia produtiva” esconde uma contradição: o café da Bahia pode estar manchado de devastação florestal. A falta de zoneamento ecológico rigoroso permite que investimentos públicos financiem indiretamente a fragmentação de habitats e a perda de biodiversidade — um retrocesso em um bioma que já perdeu 88% de sua área original.
A destruição ilegal de florestas para os mais diversos fins tem se tornado uma grave preocupação para os agentes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) na região. Nem mesmo as unidades de conservação (UCs), que deveriam ser territórios intocáveis, estão livres dessa devastação. Prova disso é que, apenas em 2023, o órgão emitiu 57 autos de infração, sendo 22 deles relacionados a desmatamentos dentro da Reserva Biológica (Rebio) de Una, do Refúgio de Vida Silvestre (Revis) de Una e do Parque Nacional da Serra das Lontras – incluindo sua zona de amortecimento. As multas aplicadas somaram R$ 1,26 milhão, mas o valor monetário não recupera a perda ambiental irreparável.
A situação é ainda mais alarmante quando se observa a ação de outros órgãos. No mesmo ano, uma operação do Ibama identificou 532,8 hectares de mata derrubada na região, resultando em R$ 2,8 milhões em multas. E os registros de crimes ambientais não são recentes: já em 2018, o Ministério Público da Bahia havia constatado 49,2 hectares desmatados ilegalmente nos municípios de Una, Ilhéus e Porto Seguro.
Esses números escancaram uma realidade perversa: mesmo áreas sob proteção federal e estadual estão sendo alvo de crimes ambientais, muitas vezes com impunidade. A aplicação de multas, embora necessária, não tem sido suficiente para frear a destruição. Enquanto isso, a Mata Atlântica baiana – um dos biomas mais ameaçados do país – continua a perder fragmentos vitais para sua sobrevivência, colocando em risco não apenas a biodiversidade, mas também os serviços ecossistêmicos essenciais para a população.
Produtividade imediata versus colapso socioambiental
A preferência dos agricultores pelo café conilon se explica por uma equação aparentemente vantajosa: preço competitivo no mercado e um pacote tecnológico que promete facilidade de manejo e alta produtividade. Esse modelo, baseado em monocultivos a pleno sol, mecanização intensiva e uso de insumos químicos, reduz custos operacionais no curto prazo, atendendo especialmente à demanda por cafés mais baratos, destinados a indústrias de solúvel e blends. Do ponto de vista agronômico, o conilon parece uma escolha segura – sua resistência natural a pragas diminui a necessidade de defensivos, reforçando a ilusão de um cultivo mais simples e econômico.

No entanto, essa aparente eficiência esconde uma dependência perversa. O produtor, atraído pelos ganhos imediatos, acaba preso a um sistema que exige fertilizantes, agrotóxicos e sementes modificadas para manter a produtividade. Com o tempo, o solo se esgota, os custos de produção aumentam e o agricultor fica à mercê das oscilações do mercado internacional – um jogo arriscado, onde altos investimentos não garantem retorno financeiro estável. O resultado é um ciclo vicioso de endividamento e degradação ambiental, no qual a autonomia do produtor se dissolve diante da necessidade contínua de insumos externos.
Enquanto o cacau cultivado no sistema cabruca, onde as árvores nativas são mantidas, trabalha em harmonia com a floresta, protegendo o solo e abrigando animais, o café conilon exige que toda a vegetação seja derrubada. O cacau cresce à sombra das grandes árvores da Mata Atlântica, mantendo o ambiente fresco e a terra fértil. Já o conilon precisa de sol pleno, transformando áreas que antes eram florestas em grandes plantações uniformes, sem vida. O problema é que, sem a proteção das árvores, o solo fica exposto. Com o tempo, a terra vai se desgastando, levando à erosão e perdendo sua fertilidade. Para piorar, como o solo fica fraco, os produtores precisam usar cada vez mais agrotóxicos e adubos químicos para manter a produção. O resultado? Um ciclo vicioso: quanto mais se desmata para plantar conilon, mais a natureza se enfraquece, e mais dependente de venenos a lavoura se torna.
Ainda que o café conilon ofereça retorno financeiro mais rápido, seu custo socioambiental é incomparavelmente maior. Cada hectare desmatado para sua expansão não só reduz a resiliência do ecossistema, como também aprofunda a dependência do agricultor em um modelo insustentável. Enquanto o cabruca demonstra que é possível conciliar produção e conservação, o conilon representa um ataque direto aos remanescentes da Mata Atlântica – um bioma já reduzido a menos de 15% de sua cobertura original. O que se vende como “progresso” é, na verdade, um caminho sem volta: uma agricultura que devasta o próprio fundamento que a sustenta, condenando produtores e meio ambiente a um futuro de incertezas.

O monocultivo de café conilon a pleno sol, embora economicamente eficiente no curto prazo, impõe custos ambientais significativos ao bioma da Mata Atlântica. A expansão das lavouras através da derrubada de espécies nativas ameaça a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos essenciais. Embora tecnologias tenham aumentado drasticamente a produtividade, é urgente a adoção de modelos que conciliam produção com preservação ambiental.
Enquanto o mundo demanda cada vez mais produtos sustentáveis, o café conilon a pleno sol segue um caminho oposto ao do cacau cabruca. A insistência nesse sistema de cultivo não só acelera a perda de biodiversidade, mas também coloca em risco a própria viabilidade futura da agricultura na região, tornando-se urgente a transição para métodos agroflorestais que poderiam trazer ao café conilon a mesma biointeração que o cacau já pratica há séculos.