“Organizado em 14 estados brasileiros, o Movimento das Comunidades Populares (MCP) envolve, em torno de seus trabalhos e atividades, por volta de 15.000 pessoas, espalhadas em aproximadamente 50 localidades.
O objetivo estratégico defendido por esse movimento social é lançar as bases de um novo modo de produção, de uma nova forma de vida que tenha a ideia de Comunidade ao centro.
Assim, efetivam sua prática política cotidiana através de trabalhos de base comunitária que vão desde a constituição de iniciativas informais de economia coletiva, sem patrão nem empregado, até a realização de cultos ecumênicos, identificados com uma Religião Libertadora, que propõe “religar” as pessoas entre si e ao comum, ao viver comunitário.”
“À procura da comunidade perdida”: histórias e memórias do movimento das comunidades populares”
Mariana Affonso Penna – Tese de Doutorado – 2016
Histórico
O MCP (Movimento das Comunidades Populares), tem como objetivo criar comunidade autônoma, independente, de forma horizontal, com política participativa, ideologia comunitária e economia coletiva. Tem como base esses três pilares.
Essa idéia de criar essas comunidades, elas vieram, nós formulamos a partir de um estudo das experiências históricas existentes no Brasil de criação de vida autônoma.
Só que foram totalmente destruídas pelo Capitalismo, porque realmente é uma forma de sociedade diferenciada. Onde tudo é coletivo, tudo é autônomo e independente. E baseado na necessidade das pessoas ali.
As experiências foram os quilombos, foi uma experiência estudada o Quilombo dos Palmares. E a República dos Guaranis, o Contestado, a saga da Mina de Morro Velho, Caldeirão no Ceará e Canudos na Bahia.
Nessas experiências históricas as pessoas se tornaram livres e independentes do Capitalismo selvagem. Sociedades diferentes, embora tenham sido destruídas.
A meta do MCP é criar essa sociedade autônoma dentro do Capitalismo no Brasil. Para isto tem que crescer, para se tornar uma um poder popular realmente. E contribuir com a mudança da sociedade. Esse é o objetivo.
O movimento tem muitos anos de existência. São 51 anos. Começou em 1969. Éramos um movimento ligado à Igreja Católica, chamado de JAC (Juventude Agrária Católica).
Mas a JAC não correspondia as demandas de lutas da época, uma época muito violenta, Ditadura Militar. Nós transformamos a JAC num movimento de trabalhadores rurais chamado MER (Movimento de Evangelização Rural).
Esse movimento começou a crescer, migramos para cidade. E na cidade não tinha como a gente se identificar como MER. Isso já foi nos anos 1980. Nossa prática não correspondia mais só a área rural. Passamos a nos identificar como CTI (Corrente de Trabalhadores Independentes).
Na cidade atuávamos através de sindicatos, trabalho dentro de fábricas, etc. E no campo permanecia a mesma demanda que era a luta pela terra, pela moradia.
Em 2001 formulamos essa estratégia de criar comunidades autônomas, liberação de áreas e desenvolver essas práticas a partir das Colunas.
Passamos também a priorizar os quatro setores do Povo: operários na cidade, quilombolas (cidade e campo), índios e camponeses, que não são índios nem quilombolas, são camponeses sofridos, autônomos e assalariados rurais.
A Comunidade é formada com este povo. Não é com privilegiados da classe médias, estudantes. O movimento é de trabalhador, dirigido por trabalhador.
“Quando elaboramos nossa Estratégia de Construir Comunidades Populares para o povo se libertar, Caldeirão foi, junto com Canudos (BA), nossa principal inspiração.
Além da República Comunitária Cristã dos Guaranis, no Rio Grande do Sul, e do Quilombo dos Palmares em Alagoas, entre outras.
Os marxistas sempre consideraram estas experiências interessantes para provar que o povo brasileiro sempre resistiu à exploração.
Mas não tiraram nenhuma lição, no sentido de aprender o caminho da luta libertadora.
Preferiram copiar as experiências operárias da Europa, que não tinham muito a ver com a realidade brasileira.”
“MCP – Caldeirão: uma Comunidade que nos ensina o caminho a seguir”. Jornal Voz das Comunidades. n° 18, Dezembro de 2012 a março de 2013
As Colunas
Para firmar essas experiências da comunidade, formulamos essas Colunas para nosso trabalho ser feito em cima de dez necessidades do povo.
As colunas são: sobrevivência, religião libertadora, nova família, saúde, moradia e urbanização, escola, esporte, arte popular, lar e infraestrutura.
Em cima de cada necessidade dessa desenvolvemos uma ação. Primeiro estruturamos a coluna.
Vamos pegar, por exemplo, a sobrevivência.
Organizamos o banco comunitário, o GIC (Grupo de Investimento Coletivo), organizamos a rede de mercado, a rede de lojas de material de construção. As creches, as escolas.
Fazemos oficinas, principalmente de costura, mecânica de máquina de lavar, mecânica de automóvel, de refrigeração.
A partir do GIC nascem outros grupos que não são geridos pelo MCP, e sim pelos próprios grupos.
Exemplo, vamos pegar a Comunidade Chico Mendes, no Rio de Janeiro, onde temos 3 Grupos de Investimento Coletivo, além de outros grupos de geração de renda familiar.
Reúnem-se três pessoas, e montam uma padaria. Pegam o dinheiro emprestado no GIC. Montam a padaria. A padaria cresce. Pagam o GIC. E aquele grupo passa a viver a partir dali. Não tem mais a necessidade de ter que sair da comunidade para procurar emprego. Eles criaram o seu próprio emprego.
Então, nós temos a experiência de padaria, de lanchonete, cabeleireiros e manicures, de transporte alternativo. Pessoas que compram uma van, uma kombi para o transporte alternativo, moto táxi, essas coisas todas.
São vários grupos que se estruturam a partir do financiamento do banco comunitário.
Assim a comunidade vai se estruturando de forma autônoma. O dinheiro circula todo ali dentro da comunidade. Não sai para os capitalistas.
“Os movimentos massivos demandam ao Estado saúde, educação, trabalho. Mas o MCP (Movimento de Comunidades Populares) cria escolas, saúde, trabalho.
Normalmente se pergunta:
– Quantas pessoas são?
– São 200 mil!
– Bem, um movimento forte.
Quantos são no MCP? Não importa! São diferentes!”
Raúl Zibechi – na live “10 Anos do Coletivo Roça”
Cada Coluna tem uma Diretoria, um Coordenador, um Secretário, Tesoureiro, uma organização para gerir aquela Coluna.
Na Comunidade Chico Mendes a escola já vai fazer 23 anos. Já passaram por ela mais de 70 professores, todos da Comunidade. Temos hoje professoras que nasceram ali, estiveram na creche, como bebê.
Já a Nova Família tem um debate que se faz com as mães que vão ter filhos. Organiza-se palestras, no sentido de como criar aqueles filhos, para não seguirem o mundo da violência, o mundo das drogas.
Uma discussão e ações no sentido de criar uma nova família, que se integre à Comunidade de uma forma saudável.
Na Saúde criamos grupos de saúde, principalmente de saúde alternativa. Caixa de saúde para que as pessoas tenham autonomia. Na comunidade, a saúde pública é precária, praticamente não existe. Essa é uma das colunas mais difíceis de organizar.
A Arte Popular tem grupo musical, de danças. O Esporte é baseado no lema: “Mais importante que vencer é participar”. Organizam-se os times de futebol.
Sempre sem bebida alcoólica.
Lazer, lá no Chico Mendes, por exemplo, tem uma tradição de organizar Festa Junina, todo ano. Já são 27 anos. Nunca faltou um ano, exceto esse ano em função da epidemia. A Festa Junina onde a gente reúne nessa festa cerca de 600 pessoas. E para organizar a festa participam 40, 50 pessoas. Uma coisa assim toda feita coletivamente.
A 10a. Coluna é a Infraestrutura. A organização dos espaços, para viabilizar e fazer funcionar esse organismo, como um todo, que nós chamamos de Poder Popular. Na verdade, pretendemos com isso criar o Poder Popular nas comunidades desses 4 setores do povo.
Essa é a nossa forma de organizar as Comunidades.
“O GIC (Grupo de Investimento Coletivo) surgiu dos próprios grupos das Comunidades Populares. O primeiro GIC foi criado em janeiro de 1999 na Comunidade do Sítio Matias, bairro de Feira de Santana (BA).
O GIC serve para emprestar dinheiro para as pessoas e grupos da própria Comunidade.
O GIC cobra dos clientes um juro maior do que paga para os investidores. Essa diferença dos juros gera uma renda. Quem fica com ela? A renda do GIC vai para um Fundo Social da própria Comunidade e só pode ser gasta em despesas com doenças, morte, e para pagar a Previdência Social dos membros da Comunidade.
Quem avalia o nível de compromisso para dar a ajuda é a coordenação da Comunidade e os membros do GIC.”
“GIC – O que é? Como surgiu? Para que serve? Como funciona?” – Jornal Voz das Comunidades, Ano 3, nº 6, junho de 2008
A pandemia
Essa pandemia a gente tem consciência de ser uma coisa provocada pelo sistema, pelas potências. E sabemos a consequência disso, o que se quer, quais são os objetivos. Tudo isso é planejado pelo Capitalismo.
Então, não é muito novidade pra gente. Fomos nos prevenindo nas comunidades, refletindo toda essa questão que tem por trás. As guerras econômicas existem. A guerra não é mais através do canhão, da bala. Mas na prática é uma guerra.
Nossas ações foram várias, de várias formas. Tanto tentando combater através do remédio caseiro, como organizando campanhas de solidariedade para aqueles mais afetados.
Fizemos um projeto junto a FioCruz, para confeccionar máscaras. Produzimos quase 7 mil máscaras para distribuir para as comunidades carentes.
E conseguimos uma importância razoável para pagar pessoas para trabalhar na roça. E produzir cestas de alimento orgânicos para distribuir para as pessoas, como fazendo parte do trabalho de imunização, do combate à pandemia.
Com isso planejamos aproveitar essa coisa que é paternalista, que é assistencialista, para transformar em ação autônoma. Refletindo em como manter os grupos para geração de renda. E buscar outras alternativas, para não desfazer esses grupos.
Coluna Religião Libertadora Ecumênica
“Sem essa consciência [religiosa], é impossível criar as Comunidades Populares.
O individualismo é inimigo das Comunidades e contrário à religião. É impossível ser religioso e não viver em Comunidade. Ser religioso e viver individualmente é ser incoerente. Religião e comunidade caminharam sempre juntos, seja antes de Cristo (Velho Testamento), como depois de Cristo (Novo Testamento) com os primeiros cristãos.
Aqui no Brasil todas as experiências de Comunidades Populares, seja dos índios, negros ou camponeses, sempre tiveram a religião como ideologia.
A religião só não é uma força comunitária quando ela está nas mãos dos ricos. Aí ela se transforma em instrumento de divisão e ilusão do povo.”
MCP – Boletim das Comunidades Populares, nº1, Janeiro de 2005
Nós separamos religião de igreja. Para nós religião é o aspecto subjetivo dos seres humanos na espiritualidade. Todo ser humano tem suas questões subjetivas, que é o fato de não alcançar respostas para tudo na vida. Não conseguimos compreender os vários aspectos da vida, nem porque existimos. Isso é real, isso ninguém pode negar.
Só tem uma religião, que é a espiritualidade das pessoas. As diversas igrejas são instituições que trabalham a religião. E criam todos seus rituais, mecanismos, teorizações.
Por que chamamos de Religião Libertadora? Porque nesse nosso conceito a gente se liberta dessas igrejas. Dessas coisas que o Capitalismo se aproveita para alienar e para afastar os seres humanos da verdadeiro sentido da vida, da política.
Para que serve a Religião Libertadora?
“Assim como o povo de Moisés caminhou 40 anos no deserto à procura da Terra Prometida, nós, há 40 anos estamos procurando as Comunidades “Perdidas”: Indígenas, Quilombolas, Camponesas, Operárias e Populares.”
“O Movimento Comemora seus 40 anos”. Jornal Voz das Comunidades, nº8, março de 2009
Desde que a humanidade surgiu no mundo, existe a Religião. A palavra Religião significa RELIGAR. Religar o quê? Com quem? Para quê?
No início, a Religião servia para unir os membros de uma mesma tribo (Comunidade). Se a palavra Diablo significava DIVISÃO, Deus era o símbolo que significava UNIÃO. A união da Comunidade em torno do mesmo Deus lhe dava forças para enfrentar suas dificuldades.
No início de sua existência, os seres humanos sofriam muito para sobreviver. Como disputar e vencer os animais ferozes para conseguir seus alimentos? Como se proteger das chuvas, raios e trovões? Como tratar as doenças que os remédios do mato não curavam, porque a causa não era física? Como suportar a dor da morte de um parente? A Religião servia para responder a tudo isso. Por isso, ela era benéfica às Comunidades Primitivas.
Como a vida dos povos primitivos era comunitária, a Religião de cada Comunidade era uma só. Diferente de hoje que existem várias Religiões (Igrejas) na mesma Comunidade.
A Religião Libertadora não é mais uma Igreja em nossa Comunidade. A Religião Libertadora é uma forma de praticar nossa fé em Deus. É uma forma de amar as pessoas. É uma forma de proteger a natureza. É uma forma de construir Comunidades de Base, independente da hierarquia das igrejas, dos partidos políticos e da economia individualista.
A Religião Libertadora é uma forma de organizar os adultos para trabalhar, produzir, trocar, vender os produtos e serviços em benefício de todos. A Religião Libertadora é uma forma de cuidar dos doentes de maneira solidária e das pessoas sadias para que não fiquem doentes. A Religião Libertadora é também uma forma de organizar nosso local de moradia para que possamos conviver com nossos vizinhos em paz e com segurança.
O Egito, de que fala a Bíblia, hoje, é o Capitalismo que nos escraviza. O Mar Vermelho, são os governos que querem impedir que o povo siga sua caminhada rumo à Terra Prometida. A Terra Prometida que buscamos é a futura sociedade comunitária que queremos conquistar.
Os quatro Setores do Povo: Indígenas, Quilombolas, Camponeses e Trabalhadores Urbanos, representam hoje as 12 tribos de que fala a Bíblia.
Vamos unir os pobres, as pessoas de boa vontade e os estudiosos que tenham humildade, para juntos construirmos o Reino da Liberdade, da Justiça e da Paz.
“À procura da comunidade perdida… a luta continua até encontrá-la!” foi o lema do 40º aniversário do Movimento das Comunidades Populares, celebrado em 2009, e expressa seu horizonte utópico que tem referência nas experiências de vida comunitária do povo brasileiro, como aquelas desenvolvidas em Canudos, Caldeirão, Palmares, Sete Povos das Missões, dentre outras.
E, com raízes na esquerda católica, afirma-se também a inspiração no chamado “Cristianismo Primitivo”.
“À procura da comunidade perdida”: histórias e memórias do movimento das comunidades populares”Mariana Affonso Penna – Tese de Doutorado de 2016
Gelson Alexandrino de Souza
Militante histórico, desde a fundação do Sindicato de Trabalhadores Rurais em Boqueirão dos Cocos (PB) em 1968, participa ativamente de toda a trajetória do MCP até os dias de hoje
Inessa Barbosa Lopes
Militante histórica do MCP, filha de dois militantes extremamente centrais na trajetória do movimento – Janduí de Lima Barbosa, uma das principais responsáveis por organizar a Comunidade Popular Chico Mendes (uma das maiores no país) e João Carlos Lopes, principal teórico e organizador do MCP
vídeo: Territórios entre dominação e resistência, Debate na UFF 18/12/2015, José Bezerra (MCP)
[…] ver também: Diários da Pandemia #43: Movimento das Comunidades Populares (MCP) […]
[…] O objetivo desse texto é começar uma discussão com o Movimento das Comunidades Populares. Para mais informações sobre o movimento, clique aqui. […]
Como líder, líderei um grupo de pessoas para ocupar uma terra devoluta do estado com finalidade de lutar por moradias e nesta área de terra criei a comunidade chamada Alto do Bom viver, benefíciei 350 família localizada na zona rural do município de Candeias-Ba. Na região do município de Candeias gostaria de lutar pela agricultura e agropecuária que não existe e lutar para que o governo dê uma função social para as fazendas abandonada e as terras devolutas do estado. Também lutar pela regularização fundiária para os posseiros e moradores nestas terra. O problema é elaborar um projeto para convencer as pessoas a lutar pela causa.