Posted on: 17 de novembro de 2025 Posted by: Teia dos Povos Comments: 0

Este texto é resultado de parceria entre o coletivo de comunicação da Teia dos Povos e a Agência de Notícias do Sul da Bahia (ansuba.org), projeto laboratorial do curso de Jornalismo da UFSB, com apoio do CNPq

“Eles atiravam praticamente à queima-roupa. A gente só se deitou no chão e pediu a Deus pra Força Nacional chegar. Graças a Deus, mesmo ferido, a gente sobreviveu.”. A fala é do lider indígena Ricardo Patáxo, um dos feridos em recente ataque perpetrado à Aldeia Kaí, no Prado (BA).

No dia 1º de outubro, lideranças pataxó foram cercadas por 40 homens fortemente munidos com fuzis e armas de calibre 12, durante uma atividade de vigilância comunitária na Aldeia Kai, no território Comexatibá (Extremo Sul da Bahia), onde estavam reunidos. O ataque deixou pelo menos duas pessoas gravemente feridas, entre elas Ricardo e um jovem indígena atingido de raspão na cabeça. A ação só foi interrompida com a chegada da Força Nacional de Segurança Pública, que atualmente cumpre missão na região, a fim de coibir os ataques aos indígenas, que têm sido frequentes.

Ricardo descreve o ataque como uma tentativa clara de execução, afirmando que miravam diretamente nele, atirando “para matar”. No momento em que o criminoso começou a disparar com um fuzil, só teve tempo de gritar para os companheiros correrem para dentro de casa. “Percebi a presença de um drone sobrevoando a casa e, pouco tempo depois, ouvi alguém gritar que havia um homem armado e encapuzado se aproximando. Quando saí para verificar, avistei o criminoso a cerca de oito metros de distância, e, em seguida, começou o tiroteio.”

Segundo o relato de Ricardo, o grupo de criminosos confinou os indígenas na casa-sede da Fazenda Pero Vaz e abriu fogo contra a casa. A área integra a Terra Indígena Comexatibá e é alvo de disputa fundiária com fazendeiros locais e envolve duas propriedades que se sobrepõem à Terra Indígena — Portal da Magia e Portal da Fazenda Imbassuaba. 

Com estimativa de 732 habitantes, a A Terra Indígena (TI) Comexatibá é habitada pelo povo Pataxó e estende-se por 28.159,86 hectares (ha) do litoral sul da Bahia, segundo o portal Terras Indígenas no Brasil. A TI foi reconhecida pela Funai em 2005, porém apenas em 2015 o relatório de identificação e delimitação foi publicado pela Funai e até hoje o processo de demarcação tem sido disputado. Consequentemente, desde então várias retomadas acontecem enquanto os indígenas aguardam a regularização e avanços na demarcação, e também conflitos territoriais decorrentes da demora na demarcação das terras Pataxó e pela consequente violência contra comunidades do povo.

No mesmo dia do ataque, as lideranças da comunidade haviam feito denúncia às autoridades locais e federais sobre a possível ação, durante uma reunião ordinária do Fórum dos Territórios Ancestrais, promovida pelo Ministério dos Povos Indígenas, que também tinha presença de diversos órgãos públicos, como a Força Nacional de Segurança Pública, o Ministério Público Federal, a Polícia Federal, a Funai e do Ministério da Justiça e Segurança Pública. 

Mesmo encapuzados, alguns agressores foram reconhecidos por indígenas. O Conselho de Caciques denuncia que esta ação faz parte de um ciclo de ataques promovidos por grupos armados ligados a interesses do latifúndio, da especulação imobiliária e de grileiros de terras indígenas.

A Defensoria Pública da União (DPU) emitiu um despacho exigindo providências urgentes de autoridades federais e estaduais diante de um conflito fundiário. De acordo com relatos da comunidade, o capitão da força no local teria determinado a soltura dos agressores que foram flagrados em ação e pedindo a desocupação da área retomada, devolvendo-a ao fazendeiro. A ação dele acabou causando estranheza e indignação a todos.

Após o atentado, conforme informações divulgadas pelo Conselho de Caciques da Terra Indígena Barra Velha e pelo Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (MUPOIBA), a Força Nacional de Segurança Pública, ao chegar no local, interceptou um ônibus com mais de 40 pessoas – entre eles, adolescentes e indivíduos armados e um veículo particular, ambos suspeitos de participação no ataque. 

Ainda segundo as entidades, os ocupantes do ônibus relataram que receberam R$ 500 cada um para integrar a ação criminosa, e o motorista, R$ 1.000. Pessoas do grupo também afirmaram ter sido contratadas pela Associação do Agronegócio do Extremo Sul da Bahia (Agronex).

Em nota divulgada nas redes sociais, a Associação do Agronegócio do Extremo Sul da Bahia (Agronex) negou envolvimento no ataque. Ricardo, contudo, diz que Matheus Bonfim (presidente da Agronex) liderou o ataque, acompanhado de cerca de 20 homens armados e ainda afirma tê-lo visto no local do ataque, dando risada e ordenando que os homens atirassem contra ele. Matheus estaria à frente de um grupo de “defensores da terra”, que age sob uma suposta fachada de “movimento social”, mas na prática funcionaria como grupo de milícia rural armado. 

Segundo Ricardo, a principal preocupação da comunidade no momento é o medo de um novo ataque, já que os agressores continuam nas proximidades da área indígena, “Eles estão aqui muito próximo da gente, todo o tempo estão desferindo tiros. Isso é pra gente ouvir, pra saber que eles não desistiram, que eles estão aqui”, diz o líder indígena. 

Por conta dos ataques, segundo ele, todas as atividades econômicas da comunidade foram interrompidas, e existe uma dificuldade sem a renda e produção: “Hoje mesmo há dificuldade na compra de alimentos, na compra de remédio, porque a gente parou todas as atividades que a gente tinha — turismo, pesca, agricultura. A gente teve que parar tudo para ficar pro lado das autodemarcações. Mas hoje a real necessidade é essa: alimentação, medicação, essas coisas que a gente precisa para deixar a comunidade em volta lúcida, para permanecer na área ocupada”.

Ricardo afirma que, após os ataques, as lideranças indígenas emitiram denuncia e encaminhamentos às autoridades competentes, incluindo Polícia Federal, Polícia Civil, Ministério Público Federal e Ministério da Justiça, apresentando provas em vídeo e testemunhos. Apesar disso, a comunidade segue aguardando providências concretas contra os responsáveis pelos ataques.

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