Por Adeodato Menezes
Primavera de 2019
A Agroecologia, como uma insurgência rebelde contra hegemônica, é um movimento de luta contrário à expansão e aprofundamento do pensamento e mentalidade produtivista – capitalista, de colonização e exploração para o lucro máximo de acumulação na “industrialização e modernização da Agricultura da revolução verde”, o agronegócio totalitário de concentração fundiária e econômica. Da mercantilização e degradação dos bens comuns da natureza, com o entendimento mercadológico grosseiro e profano da “Terra como propriedade”. Na destruição cultural de modos de vida e visões de mundo dos povos do campo e no irresponsável e suicida envenenamento dos alimentos, da vida, da sociedade em geral e especificamente dos trabalhadores/as do campo com agrotóxicos e transgênicos, constitui-se, então, este Movimento Agroecológico como uma militância viva e necessária contrária a esta realidade.
Realidade esta do campo – colonizado –, que acentua e se torna central na crise civilizatória contemporânea, portanto, a Agroecologia, insurgindo como uma resistência dinâmica, com um século de luta, sugere antes de tudo uma nova leitura contextualizada na análise crítica descolonizadora e interpretação fidedigna, sem ocultações desta realidade da Agricultura, do campo, da vida, da sociedade em suas relações sociais, ambientais e econômicas e do mundo, para uma conscientização política em sua totalidade, uma nova mentalidade para o Campesinato e a sociedade em geral.
E como ponto de partida, na perspectiva da Agroecologia, para o enfrentamento e superação desta realidade crítica, que se revela como uma crise sistêmica do projeto civilizatório capitalista moderno, propõe-se a ressignificação e refundação da Agricultura, enquanto atividade humana cultural centrada na vida, na natureza e nas pessoas que procuram uma interação de observação pedagógica no Agroecossistema e no ambiente natural, na busca da compreensão funcional ecossistêmica local-tropical, em seus processos, ciclos, ritmos, fenômenos no entendimento complexo e fenomenológico de unidade em Gaia e do metabolismo social-ambiental-cultural coevolutivo. Com a possibilidade de que no “afago da terra-mãe” em seu cultivo amoroso e responsável, nós nos tornamos seres humanos melhores, o que nos inspira e anima, como seres inacabados que somos, no nosso autoaperfeiçoamento através da Agricultura em comunhão com a natureza para qualificar nossa humanidade – civilidade – espiritualidade, correspondente a um processo natural de educação e de co-evolução.
Uma Agricultura refundada com uma ousada revolução cultural através de estratégicos ‘intercâmbios – pedagógicos – críticos – construtivistas’, para uma correspondente ‘epistemologia – empírica – biocêntrica – natural’, de uma ‘ciência – crioula’ com o caráter holístico – sistêmico de um saber generalista complementado com conhecimentos específicos locais – tropicais, consolidados na vivência laboral criativa – cotidiana do Campesinato, impregnada de vida e sentido. E com o propósito político-popular de participação e empoderamento do Campesinato nesta ciência para seu protagonismo numa nova Agricultura, com autonomia e criatividade.
Segundo o sociólogo Octavio Ianni, “A luta do Campesinato constitui-se como um obstáculo ao desenvolvimento da ordem burguesa”. Então, uma importante tarefa na militância da Agroecologia seria identificar – encontrar – sensibilizar este Campesinato no universo atual da ‘Agricultura-familiar’, para sua participação ativa na resistência Agroecológica e seu protagonismo na Agricultura.
E a Agroecologia é como um paradigma rebelde com o compromisso político-social para este protagonismo do Campesinato na Agricultura, pois ‘sem empoderamento do Campesinato, sem respeito étnico-cultural aos povos indígenas e comunidades tradicionais em seus territórios de identidade, sem distribuição fundiária responsável, sem justiça social e econômica (…) e sem feminismo, não há Agroecologia’. Assim como é fundamental um vigoroso apoio dialógico na consciência e transição agroecológica nas aldeias indígenas, comunidade quilombolas e assentamentos da reforma agraria.
Portanto, a luta agroecológica se funde e se solidariza a outras tantas lutas de auto-afirmação e empoderamento, mais especificamente do e no campo. E finalmente uma justa e saudável relação campo-cidade, produção-consumo de compartilhamento e economia solidária, em busca de uma justa viabilização econômica sustentável na Agricultura, desde estratégias de segurança alimentar com biodiversificação em policultivos na Agricultura e circuitos curtos de comercialização em feiras locais e relações diretas de confiança mútua com consumidores/as.
Também com amabilidade, responsabilidade e radicalidade ambiental, enfatizando os direitos da natureza ao lado dos direitos humanos. A natureza, como terra-mãe, terra-madre, terra-mater, como Gaia, “sujeito de direitos”, mão-mercadoria, então uma compreensão e consciência correspondente seria nós humanos, também ‘sujeitos de diretos’, nos considerarmos e agirmos como seus “guardiões-cultivadores” e não como seus “donos-proprietários”, mas num amoroso e responsável “mútuo-pertencimento” em co-evolução. Portanto, “afagar a terra, conhecer os desejos da terra, cio da terra, propícia estação, e fecundar o chão”, como diz com sensibilidade o poeta Chico, e no aguçado entendimento do camarada [José Maria] Tardin (MST), de que “nós cultivamos a terra, e a terra cultiva a gente”.
E o respeito e valorização cultural de identidade, ruralidade e pertencimento, dos saberes, tradições, modos de vida e visões de mundo dos povos do campo, como bandeiras de luta centrais, entre outras, para este novo projeto civilizatório, com o ativismo militante da Agroecologia como caminho. Onde, uma luta muito específica e simbólica seria o desenvolvimento do entendimento e sentimento da “Camposenia” como o conceito correspondente à cidadania, mas especificamente do campo em sua ruralidade e seu pertencimento identitário; como Chico Mendes e os povos da floresta com o entendimento cultural militante da “Florestania”.
É de fundamental importância estarmos atentos contra uma “tendência reducionista ecotecnocrática”, de simplificação desqualificadora da Agroecologia, apenas como uma nova ciência acadêmica-multidisciplinar e uma nova matriz tecnológica de base ecológica, necessárias em parte, mas absolutamente insuficientes, nas perspectivas filosóficas – ideológicas – antropológicas – sociológicas e culturais – ambientais – econômicas do ideal emancipatório Agroecologico.
De fundamental importância também, que o velho paradigma colonizador de ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural) de transferência tecnológica’ seja substituído por um ‘acompanhamento – técnico – educativo – dialógico – crítico e horizontal’, sem supremacia do técnico e muito menos subalternidade do Campesinato, cujo protagonismo na Agricultura, é um direito natural e histórico.
Uma outra insurgência de resistência contracultural em oposição à invasão territorial, destruição cultural e colonização das nossas populações do campo, desde as populações originárias sul-americanas por mais de cinco séculos, que se apresenta numa sintonia fina com a perspectiva libertadora ecossocialista da Agroecologia, em nossa história e realidade latino-americana, de onde surge a “Cosmovisão do Bem Viver”, que é em síntese um projeto ético de civilização, desde nossa ancestralidade e sacralidade, de novas relações humanas e com a natureza, no respeito cultural, nos direitos e deveres democráticos, no aprimoramento e fortalecimento da nossa humanidade, civilidade, espiritualidade.
Então podemos afirmar que a ‘Agroecologia e o Bem Viver’ se fundem e se complementam numa perspectiva em comum do que poderíamos designar como ‘os horizontes utópicos do ecossocialismo’, para inspirar e iluminar nosso caminhar coevolutivo. E poderíamos entender ‘o ideal ecossocialista’, como o pensamento ocidental contemporâneo que melhor se aproxima e se identifica do cosmovisão ancestral latino-americana do Bem Viver “ecoespiritualista”. E a Agroecologia, portanto, se apresenta como o caminho rebelde-libertário necessário ao Bem Viver.
E, finalmente, na perspectiva utópica (e necessária) do futuro ecossocialista e ecoespiritualista da Agroecologia e Bem Viver, com inquietação, mas sobretudo com esperança, manifestamos e afirmamos que um novo mundo no Bem Viver é possível sim e, para tanto, também são necessários uma nova mentalidade, uma nova Agricultura com novos Agricultores/as em coevolução ‘no afago guardião com a terra-mãe’, no cultivo Agrícola amoroso e responsável, com inspiração no “sagrado de Pachamama”, o que é de fundamental e vital necessidade para este novo e possível projeto civilizatório ecossocialista e ecoespiritualista. Entendendo que “Agricultura não é apenas a arte de cultivar as plantas, mas a arte de cultivar e aperfeiçoar seres humanos”, como nos ensina o mestre Fukuoka. E que “os problemas significativos que enfrentamos, não podem ser resolvidos com a mentalidade que tínhamos quando os criamos”, como nos adverte o genial Einstein.
Um projeto portanto, nos ideais que os camponeses – indígenas zapatistas de Chiapas entendem, propõem e manifestam, como
um mundo onde caibam todos os mundos, todos os povos, todas as pessoas, onde para todos e todas haja sempre: pão para iluminar a mesa, saúde para espantar a morte, teto para abrigar a esperança, conhecimento para enfrentar a ignorância, terra para plantar o futuro e trabalho para tornar dignas nossas mãos.
Enfim, a militância contrahegemônica da Agroecologia seria o caminhar com a inquietação crítica e a indignação com o agronegócio produtivista-capitalista, mas com a coragem e a ousadia em semear a esperança e cultivar a utopia, com a consciência de não participar da colheita futura, mas sendo no presente a “semente crioula” prenhe de sonhos de resistência e de vida na fertilidade sagrada da “terra – mãe” com a perspectiva civilizatória do ecossocialismo e da cosmovisão ecoespiritualista do Bem Viver.
Então, existindo e resistindo, sem soltar a mão de ninguém, diremos junto aos povos do campo que avancemos e avançaremos com a Agroecologia ao Bem Viver.
Saudações em Pachamama
Adeodato Menezes é agrônomo e segue com seu projeto na Comunidade Terra Mater, um projeto de agroecologia e hospedaria camponesa.