Posted on: 22 de maio de 2024 Posted by: Teia dos Povos Comments: 0

Localizado em Eunápolis, no extremo-sul da Bahia, o Assentamento Baixa Verde realizou sua I Pré-Jornada de Agroecologia, que foi até o dia 19 de maio. Organizada em torno do lema “Na Luta por Terra e Território, Contra a Monocultura”, o evento contou com uma série de atividades como apresentações culturais, oficinas e mutirões agroecológicos e formações políticas.

A história do assentamento começa a partir de uma ocupação do Movimento de Luta Pela Terra (MLT) em 2008. Desde então, a comunidade tem travado uma longa luta para permanecer no território e assentar as famílias enquanto desenvolvem uma produção agroecológica comunitária. Isso porque a região é uma das muitas que sofrem tentativas constantes de dominação por parte de empresas que, com o seu poder financeiro e jurídico, buscam se apossar de territórios para mercantilizar a terra e gerar lucro para os grupos dominantes, atualizando a colonização capitalista em Pindorama. Assim, a continuidade da comunidade no território depende de uma série de estratégias coletivas de resistência e enfrentamento dos poderes estabelecidos.

A formação do assentamento exemplifica esse processo. O local no qual o assentamento está localizado é a Fazenda São Caetano, uma das áreas que estava sob o domínio da empresa Veracel Celulose SA, join venture, que por sua vez pertence às empresas Suzano e Stora Enzo. A Veracel possui grandes áreas de terra dedicadas ao monocultivo de eucalipto para a produção de celulose na região, e além da destruição ambiental e violações de direitos trabalhistas, a empresa está envolvida em diversos conflitos por terra contra populações ribeirinhas, indígenas e movimentos de luta pela terra. O resultado de tais conflitos ao longo dos anos, foi um aumento significativo da violência na região, assim como a migração forçada de famílias que foram expulsas de seus territórios.

Em 2007, surgiu entre militantes do MLT a suspeita de que a fazenda estava localizada em terras públicas. Assim, no ano seguinte após a suspeita, o movimento realizou uma ocupação e encaminhou um ofício para a Coordenação de Desenvolvimento Agrário (CDA) depois de conseguir a certidão do imóvel no cartório, que mostrava indícios de irreguralidades e possíveis alterações. Porém não demorou muito para vir o primeiro despejo, que expulsou as famílias acampadas em fevereiro de 2009 depois de uma ordem judicial favorável a empresa. 

Longe de desistir, as famílias expulsas acamparam na margem de uma rodovia e seguiram pressionando o Estado, formando articulações na região para fortalecer a sua luta. Em abril de 2009, em Eunápolis, ocorreu uma reunião aberta da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, onde o MLT apresentou suas reivindicações, junto a outros movimentos sociais do campo, ao governo do Estado da Bahia. Nessa reunião se definiu que o Estado realizaria ações de discriminatórias administrativas em oito imóveis diferentes. Assim, em junho, uma portaria publicada pela CDA levaria a criação da Comissão Especial Fazenda São Caetano de Discriminatórias de Terras Devolutas do Estado da Bahia, em outubro do mesmo ano. O trabalho dessa comissão foi de identificar, na região e nas áreas apresentadas pelos movimentos sociais que participaram da reunião, quais terras eram privadas e quais terras eram públicas. Como resultado, foi identificado uma aréa de mais de 1.333 hectares de terras públicas ocupadas ilegalmente pela Veracel. Neste processo, inclusive, o MLT foi citado como um movimento social que já produzia e fazia parte da área.

Isso levaria a uma nova ocupação, e em breve as famílias já estavam produzindo coletivamente mais de 500 toneladas de alimento. Porém em pouco tempo a empresa Veracel Celulose voltou a agir, conseguindo mais um mandato de reintegração de posse e forçando as famílias assentadas a uma audiência pública no início de 2010.

Entretanto, através de uma combinação de estratégias, o MLT conseguiu driblar os novos ataques da empresa. As estratégias envolveram desde um pedido de adiamento da audiência pública, até uma boa relação do movimento frente ao poder público, e principalmente uma articulação com a PGE (Procuradoria Geral do Estado) para que o caso fosse transferido da Vara Cível para a Vara da Fazenda pública, de modo que a ação judicial de reintegração em favor da empresa perdesse seu valor. Esse último ponto se deve ao fato de que a reitegração de posse estava considerando o MLT como invasor de um imóvel privado, porém foi juridicamente comprovado que as terras ocupadas pelo movimento eram terras públicas; nesse sentido, a transferência do caso para a Vara da Fazenda Pública foi um movimento justo e necessário, já que é ela que lida com questões públicas, diferente da Vara Cível.

Ao longo de todo o período desse processo jurídico, que durou em torno de 5 meses, o MLT continuou focando na produção da área e se articulando com agentes importantes de fora do assentamento para se precaver juridicamente, e para que o caso ganhasse a visibilidade necessária nos veículos midiáticos. Assim, em agosto de 2010, a posse das terras foi oficialmente conferida para o movimento, e as ações de reintegração da empresa foram neutralizadas.

Mesmo após a decisão oficial, a empresa Veracel continuou tentando argumentar contra a permanência do MLT no território, chegando ao ponto de alegar que o mesmo estaria destruindo o meio ambiente. Alegações como essas foram todas contestadas, e a partir da assessoria jurídica popular prestada pela AATR/BA – Associação de Advogados dos Trabalhadores Rurais da Bahia, bem como às fotografias cedidas pelo CEPEDES (Centro de Pesquisa e Estudos para o Desenvolvimento do Extremo Sul), o movimento conseguiu demonstrar, através de evidências, as inúmeras ações de degradação ambiental provocadas pela empresa, assim como os danos sofridos pelo MLT.

Mesmo após o imenso avanço e a visível luta de resistência do movimento, a imprensa local não noticiava as mudanças no território, revelando a força e o poder político da empresa na região. Mas isso não foi suficiente para impedir a propagação da história de luta e resistência do assentamento. Com o tempo, as articulações da comunidade com grupos externos, ligados à grandes mídias nacionais e internacionais, bem como à instituições de ensino renomadas, foram rompendo com o silêncio das mídias locais, e mostrando para o mundo a capacidade de resistência do MLT no Assentamento Baixa Verde.

Ainda assim é importante mencionar que, até o presente momento, o Estado ainda não concluiu a oficialização de 100% das terras destinadas para o MLT. Por conta de todo o conflito mencionado, muitas famílias articuladas com o movimento ainda seguem aguardando a efetivação desse e de outros compromissos assumidos pelo Estado, como a perfuração de poços artesianos e a instalação de eletricidade no assentamento.

Anteriormente, inclusive, de acordo com um laudo técnico realizado na região, foi reconhecido que o assentamento teria uma capacidade máxima de 91 famílias moradoras. Porém o Estado se comprometeu a levar infraestruturar para o território, através de políticas públicas que melhorariam as condições de vida por meio do acesso à água e à energia, de modo que a capacidade máxima de habitação aumentasse para 130 famílias. Entretanto, até o momento nem o acesso à água e energia, e nem o acesso de todas as famílias às suas terras, foi completamente garantido. Por isso o MLT continua lutando para fazer cumprir as promessas do Estado, e para garantir uma condição de vida digna às famílias do assentamento.

A história do assentamento é um exemplo inspirador para a luta por terra e território, pois indica uma possibilidade muito real de resistência frente ao grande capital. Para que não tenhamos mais que nos dobrar ao poder das empresas que exploram a terra e a população, o Assentamento Baixa Verde mostra que o caminho é pela autonomia e articulação entre as comunidades territorializadas e autoorganizadas.

Videos Produzidos durante a I Pré Jornada do Assentamento Baixa Verde – MLT:

Mestre Zuza fez todo um resgate histórico e sistematizado sobre a luta do Assentamento Baixa Verde e nos explicou alguns passos em como retomar a Terra e o Território enfrentando a aliança historica do Estado com o Capital que mesmo sob um governo do partidos trabalhadores continua a beneficiar a burguesia latifundiária.

Roze nos fala um pouco sobre a escolha do tema da Pré Jornada: Na Luta por Terra e Território, Contra a Monocultura, assunto completamente relacionado com a história da luta do território que foi vitorioso depois de anos de luta contra grandes empresas do monopólio da celulose que destroem os biomas plantando eucalipto transgênico de forma predatória.

Jheyds, jovem militante do MLT e da rede de juventude da Teia dos Povos, que articula os processos no assentamento nos conta a importância material e espiritual dessa atividade, ele afirma que não estão apenas plantando árvores, mas sim guerreiros com centenas de metros de altura e que fincam suas raízes na terra o transformando em território e fazendo assim a luta perdurar.

Leave a Comment