Afastamento de juízes de Porto Seguro envolvidos em esquema de grilagem e corrupção revela a dinâmica de um Estado paralelo que beneficia indivíduos ligados ao mercado de turismo e do agronegócio na Bahia.
Afastamento dos Juízes
A Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça da Bahia afastou temporariamente, desde o último dia 19 de junho, três juízes em Porto Seguro devido a denúncias de grilagem de terras, corrupção e outras irregularidades. As investigações revelaram ocupações indevidas de áreas devolutas em favor de empresários, práticas de grilagem de terras, registro de títulos públicos antigos em cartórios e condutas duvidosas, como agiotagem. O esquema de corrupção envolve juízes, advogados, promotores, empresários e membros do Executivo municipal, com crimes como corrupção, lavagem de dinheiro, fraude processual e agiotagem.
Fernando Machado Paropat Souza, Rogério Barbosa de Sousa e Silva, e André Marcelo Strogenski foram os magistrados afastados de suas funções. Evidências foram obtidas a partir da análise de seus celulares. Há suspeitas de atuação irregular em processos judiciais junto ao promotor de Justiça do município, Wallace Carvalho.
Crescimento patrimonial dos Magistrados
Durante as correições, foi apontada uma estreita relação entre um juiz e um promotor, que trabalhavam juntos em processos judiciais e em um empreendimento imobiliário. Também surgiram indícios de atuação judicial favorável ao promotor em questões imobiliárias, com evidências de corrupção encontradas no celular do juiz.
O corregedor nacional de Justiça autorizou a quebra do sigilo fiscal dos magistrados de Porto Seguro para investigar enriquecimento ilícito, identificando uma elevação suspeita no patrimônio, incluindo aquisição de grandes áreas de terra. Até o momento, foram identificadas 101 matrículas de bens imóveis em nome dos juízes, indicando posse significativa de propriedades em áreas de alto valor.
Juiz da grilagem e especulação imobiliária
Fernando Machado Paropat Souza, conhecido como juiz da especulação imobiliária e grilagem de terras’, ficou famoso por tentar despejar milhares de pessoas de áreas onde supostos proprietários não possuem documentos de comprovação. Durante a pandemia, famílias quase perderam as suas habitações por conta de tentativas de despejo lideradas pelo magistrado.
Acompanhe a linha do tempo:
- Em 2019, o juiz Paropat determinou a remoção de cerca de 200 famílias do Projeto Mangabeira, um pré-assentamento de quase vinte anos, mesmo após a CDA confirmar que a área é de propriedade pública.
- Em julho de 2020, Fernando Paropat determinou por meio de uma liminar o despejo das 250 famílias da ocupação “Moradia para Todos” , localizada no bairro Parque Ecológico, em Porto Seguro. As famílias residiam no local desde 2012, em uma área com documentação controversa.
- No início de 2021, o juiz determinou a remoção de 400 famílias que viviam na região conhecida como “Sítio Pitinga”, situada no Córrego Pitinga, no distrito de Arraial D’Ajuda, em Porto Seguro (BA). A ação contou com o apoio da polícia militar, que ameaçou e expulsou todos os moradores, em um processo de reintegração de posse.
- No início de 2021, o juiz determinou a remoção de 400 famílias que viviam no “Sítio Pitinga” no distrito de Arraial D’Ajuda, em Porto Seguro (BA). A ação de reintegração de posse contou com o apoio da polícia militar, que ameaçou e expulsou os moradores do local.
- Em julho de 2021, as famílias do acampamento da Teia dos Povos foram despejadas da Fazenda Tropa Costeira, localizada em Porto Seguro (BA), que ocupa cerca de 80 hectares. A fazenda não possui documentação de posse, revelando mais um caso de grilagem de terras públicas na região.
- Em agosto de 2022, Fernando Paropat emitiu um mandado de reintegração de posse para cerca de 300 famílias do Movimento Único da Agricultura Familiar (MUAF) que ocupavam a Fazenda Tabatinga em Porto Seguro. A fazenda pertence a Moacyr Andrade, um latifundiário e grileiro da região.
O juiz Fernando Paropat está envolvido em diversos casos de despejos e tentativas de despejo, nos quais há evidências claras de grilagem de terras. Em alguns casos, como no Projeto Mangabeira, a área está em fase de estabelecimento de um assentamento rural da reforma agrária.
Colaboração com empresários, sendo um deles um pré-candidato a prefeito.
Entre os investigados, encontra-se o nome de Luigi Rotunno, cônsul de Luxemburgo e pré-candidato à prefeitura de Porto Seguro, ele é dono do Resort La Torre, localizado na Costa do Descobrimento. Segundo as informações das investigações, Rotunno e Moacyr Andrade, cônsul honorário de Portugal, teriam se beneficiado das decisões dos juízes afastados.
Conforme a CGJ, foi identificada durante as correições na comarca suposta atuação imprópria do juiz Fernando Machado Paropat Souza, titular da 1ª Vara dos Feitos Relativos às Relações de Consumo, Cíveis, Comerciais e Registros Públicos, em processos relacionados a Luigi Rotunno. Além disso, o relatório aponta que a ex-esposa do magistrado foi contratada pelo La Torre, grupo que administra resorts dos quais Rotunno é CEO.
Moacyr Costa Pereira de Andrade está sendo acusado de grilagem de terras e violência contra comunidades indígenas na região. Decisões judiciais resultaram em despejos violentos, gerando controvérsias e confrontos, e levantando debates sobre a prática ilegal de apropriação de terras públicas.
Em março de 2020, 300 famílias do Movimento Único da Agricultura Familiar ocuparam a Fazenda Tabatinga, alegando que Moacyr Andrade não tinha documentação legal das terras. Apesar de o juiz ter concedido a reintegração de posse, a justiça estadual cassou o mandado, reconhecendo que a área pertencia ao Estado. No entanto, várias liminares de despejo continuam sendo expedidas contra os camponeses acampados pelo juiz Fernando Paropat.
Grileiros e ICMBio atuam contra indígenas
Moacyr Andrade e os Pataxó disputam território da Aldeia de Lagoa Doce, com 200 hectares em Porto Seguro. Os indígenas ocupam a região desde o século 19, mas o grileiro alega que a área é parte de sua fazenda. A disputa envolve a importância do território para os Pataxó na região da “Costa do Descobrimento”.
A família Braz, uma das últimas a permanecer na comunidade Lagoa Doce, foi expulsa em 2007 para a criação do Parque de Refúgio da Vida Silvestre, em um acordo entre o ICMBio e o empresário Moacyr Andrade. Suas casas foram derrubadas e vestígios queimados por funcionários do ICMBio. O grileiro português recebeu apoio do ICMBio para estabelecer o Refúgio de Vida Silvestre do Rio dos Frades, expulsando os indígenas da família Braz da região. A justificativa foi a presença de uma espécie rara de um animal na região e a alegação de que as famílias representavam um perigo para essa espécie.
A Justiça Federal determinou o leilão da fazenda como parte de um processo de execução de multas ambientais contra Andrade, que totalizam cerca de R$ 36 milhões devidos ao ICMBio. A propriedade rural, avaliada em R$ 82,8 milhões em 2020, é improdutiva e faz parte da Aldeia Lagoa Doce, onde vivem mais de uma centena de indígenas da Família Braz.
Grandes empreendimentos turísticos
Enquanto os indígenas Pataxós da Aldeia Lagoa Doce foram removidos, empreendimentos como a Pousada Tutabel, de propriedade de José Roberto Marinho, herdeiro do Grupo Globo, continuam violando as diretrizes de preservação ambiental. Os Pataxós são removidos de seu lar em nome da preservação da fauna, enquanto a atividade turística intensa na região continua sem questionamentos sobre seus impactos na vida selvagem.
Um caso emblemático envolvendo o Grupo Fasano ocorreu quando adquiriram terras anteriormente de Moacyr Andrade em uma região isolada procurada por milionários. Foi confirmada a grilagem de terras realizada pelo empresário em detrimento da posse legítima de uma indígena de 74 anos, Joaquina Antonia Soares.
Na região, ainda existem casos de grilagem de terras, com tentativas de influenciar lideranças indígenas para tomar posse de suas terras. Exemplos incluem ocupações de posseiros vítimas da ação de Moacyr Andrade, enfrentando ameaças de pistoleiros contratados pelo Cônsul em locais como Aldeia Gravatá, Sítio da Paz, Fazenda Bela Vista e Fazenda Manga Tuba. Casos de grilagem se estendem desde o Rio dos Frades até os limites de Trancoso, abrangendo milhares de hectares.
Cumplicidade da Polícia Militar
Há uma intensa perseguição aos militantes da luta pela Terra e Território na região, com autoridades policiais e judiciárias realizando uma caça às bruxas, utilizando violência, detenções e evidências fabricadas. Isso evidencia o apoio desses órgãos à grilagem de terras. O assassinato da líder indígena Nega Pataxó pelo grupo de extermínio ‘Invasão Zero’ liderado por fazendeiros e empresários baianos ressalta a violência contra os povos originários, Sem-Terra e pequenos agricultores na região, com a participação e ajuda da polícia militar.
MATOPIBA é grilagem sem controle
Resumidamente, a prática ilegal de grilagem de terras, que envolve o parcelamento ou registro de terras públicas sem autorização para colocá-las em posse própria, constitui um crime de apropriação indevida de terras públicas no Brasil. Na área do Cerrado, mais precisamente na região conhecida como MATOPIBA, essa atividade é realizada de forma desenfreada, com autorizações para desmatamento sendo concedidas em grande quantidade e com rapidez, o que torna a fiscalização ambiental mais difícil.
A aliança entre órgãos ambientais e o empresariado pode ser observada no caso de Márcia Telles, que esteve na direção do Inema e facilitou a liberação de autorizações ambientais na Bahia por mais de 10 anos.
Movimentos sociais e sociedade civil
É preciso denunciar o complexo esquema de corrupção existente entre o poder judiciário, os órgãos de segurança pública, as instituições ambientais e o latifúndio, porém se a denúncia fosse eficaz o capital já teria sido destituído. É necessário que os movimentos sociais imponham sua força perante as concessões do Estado para o ecocídio da Capital.