Posted on: 8 de agosto de 2024 Posted by: Teia dos Povos Comments: 0

“Bom dia companheira. Hoje eu fui lá no Viveiro, na área coletiva, quando chegamos lá, logo aparentemente não tinha acontecido nada… quando chegamos próximo tinha três caras… um de camisa branca, um de camisa vermelha e um de camisa preta, e aparentemente estava com um colete. Na hora que… Não tinha nada na hora que nós estavamos chegando, eles estavam abaixados escondidos numa moita, ai na hora que nós estava chegando perto eles levantaram, ai na hora que levantaram eles estavam com uma arma e não era arma pequena, era arma grande, bem grande mesmo, só que não tinha como a gente voltar mais não, aí a gente, com medo, continuou o nosso caminho onde tava. Nós entramos lá, continuou o trabalho que a gente tava fazendo, aí eles fizeram como se fosse… eles ficaram olhando pra gente, ai depois… e a gente nunca mostrando nosso rosto, sempre virando pra eles nunca vê nosso rosto. Aí eles foi como se fosse pro… tocar os cavalos, ai nesse tocar os cavalos, eles deram dois tiros. Aí depois eles passaram numa porteira que tem lá no viveiro, tem uma porteira, ai eles tavam passando numa porteira, ai passou um carro branco, esse carro branco a gente pensou que era alguém da comunidade, mas aí, ele parou o carro, eles passaram com as armas o carro não fez nada, ai não tinha como ser alguém da comunidade. Nisso que eles passaram, quando eles viram o carro, eles pensaram que era alguém, eles se esconderam num canavial, ai logo após deles se esconderem no canavial, eles tavam vindo, só que um tinha ficado no canavial, que era o que tava com, aparentemente que tava com colete a prova de bala, ai eles tavam vindo, nós ficamos com medo e guardamos os materiais que estavamos usando para o trabalho e uma colega nossa foi lavar a mão, na hora que ela foi lavar a mão, eu tava de cabeça baixa, ela também, ela não tinha visto nada. Ai na hora que ela foi lavar as mãos, eu olhei pra trás de uma caixa aonde ela tava lavando a mão, aonde fica aproximadamente perto de umas gliricidias, tinha um cara ajoelhado com uma arma apontando pra gente (choro). Eu falei, a única coisa que eu falei com ela: “Não olha! Não olha!” E ai… Tá bom, ela não olhou. Mas antes disso, quando a gente tava na sementeira a única coisa que passava na nossa cabeça era que a gente ia morrer (choro). A única coisa. A colega falava “eu vou morrer, eu vou morrer” (choro). Eu tava assustada também, (choro) só que eu falava pra ela (choro), pra ela não se desesperar (choro), ai, tá bom (choro), continuou assim, Ai nós fomos, na hora que nós estavamos lavando a mão, eles deram mais dois tiros, ai na hora que eu vi o cara mirando a arma pra gente, eles tinham dado dois tiros já. Nós continuamos andando, nós fomos pela estrada como se não tivesse acontecido nada, nós foi andando, ai do nada eles começaram a gritar: “Ei! Ei” Minha perna começou a falhar, eu não tava conseguindo andar direito com uma perna já(choro), aí eu pedi a colega pra esperar (choro). E o tempo todo eles gritando “Ei! Ei”, (choro) e a única coisa que eu tava com medo, foi de eu morrer naquele momento ali com um tiro nas costas (choro) a única coisa (choro), ai conseguimos sair de lá, aí estamos aqui. (choro)”

O forte depoimento acima é de uma jovem de apenas 14 anos. Enviado ao grupo de whatsapp da comunidade onde o fato aconteceu no dia 07/08/2024 e descreve o terror vivenciado pelos membros do MLT no Assentamento Baixa Verde desde a invasão de seu acampamento em 2010. Diversas situações similares foram sistematicamente denunciadas a diversos órgãos competentes, sem que houvesse nenhuma prisão. Casas queimadas, cercas e roças destruídas e diversas outras ações criminosas. Agora os algozes da invasão passaram a atentar contra a vida dos pequeninos.

Há menos de um mês atrás, adolescentes membros do Assentamento Baixa Verde MLT retornavam da escola quando foram importunados por um dos invasores (ex-presidiário e conhecido na área por posturas violentas), que questionou quem eram eles, para onde iam e outras perguntas, alegando que não era para as crianças estarem andando ali “na quebrada dele”, fazendo menção a facções criminosas que atuam na região. Desesperados, os jovens adentraram a área de outro assentado do MLT para cortar caminho e desviar a rota. Chegaram em casa assustados, relatando o acontecido a seus parentes.

Sobre o histórico da área, é de conhecimento de toda sociedade civil organizada, bem como é tema de teses de graduação, mestrado e doutorado em diversas universidades e centros de pesquisa nacionais e internacionais, que a Fazenda São Caetano foi ocupada em 2008 pelo MLT, o qual enviou um ofício à Coordenação de Desenvolvimento Agrário (CDA), órgão em regime especial de administração direta, integrante da estrutura da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR) solicitando Ação Discriminatória.

Em 2021 o Governo do Estado notificou administrativamente os invasores para que se retirassem das áreas, sem sucesso. O MLT e outros setores da sociedade civil se organizaram para que o Governo do Estado reintegrasse a posse das áreas e as destinasse aos reais beneficiários, famílias do MLT que demandam e lutam pela área há mais de 15 anos. 

Em abril de 2022 e novembro de 2023 os membros do MLT realizaram uma manifestação na sede da SDR em Salvador. Na oportunidade, o Governo do Estado através de diversas secretarias (Secretaria de Relações Institucionais – SERIN, Secretaria de Desenvolvimento Rural – SDR, Secretaria de Casa Civil, entre outras) para avaliarem os andamentos do processo, sem alteração há mais de um ano. 

No último dia 17 de Julho, dois indivíduos em uma moto invadiram o antigo acampamento Baixa Verde à noite, fazendo diversos disparos de arma de fogo. Pela manhã, membros do MLT coletaram cápsulas dos disparos no local. Importante ressaltar que o acampamento se encontra ocupado pelas resistentes famílias que aguardam a tão esperada desobstrução de suas áreas.

 

Cabe ressaltar que existem centenas de boletins de ocorrência na delegacia de Polícia Civil do município de Eunápolis relatando os crimes supracitados. Existem também laudos técnicos de perícia sobre as casas e cercas destruídas e queimadas, ainda assim, os algozes de tais crimes seguem impunes e circulando na área. Nenhuma prisão foi efetuada e suspeita-se não haver andamento nessas investigações, dado o tempo de impunidade e falta de averiguação das denúncias. Foram protocoladas denúncias no Polícia Federal, Polícia Civil e Polícia Militar, Secretaria Nacional de Justiça, diversos protocolos com requerimentos e apresentações de denúncia ao Ministério Público Estadual (inclusive dossiês contendo os B.Os, gravações de áudio entre outros documentos), no entanto, nenhuma ação efetiva foi tomada por nenhum setor para garantir a vida, saúde e segurança alimentar dos membros do MLT na área. A área faz parte do Mapa Nacional de Conflitos Agrários e diversos membros do MLT fazem parte de programas de proteção por conta da periculosidade explícita dos invasores.

Os invasores estão se articulando com apoio de setores do Estado, políticos e por meio de “fake news”. Apesar de alegarem que não têm para onde ir, as áreas ocupadas foram comercializadas, com anúncios até no Facebook.

Participamos das reuniões onde o Estado garantiu que a divisão da nossa área com os invasores ia nos dar paz pra viver e trabalhar. Já nos atacaram, queimaram nossas roças, destruíram nossos barracos, quebraram a cerca, quiseram invadir nosso coletivo e agora começaram a mexer com nossas crianças?! Por que ninguém responde por isso?

Questiona um companheiro do território que prefere não se identificar por medo de represálias dos invasores, referindo-se ao silêncio do Estado na condução do processo e na falta de prisões, apesar de tantos crimes e denúncias.

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