Por Rafique Nasser
03/11/2020
Após ato emergencial acontecido na última sexta-feira (30/10) em Santo Antônio de Jesus, a justiça aprovou o pedido da Defensoria Pública do Estado pela suspensão da liminar de reintegração de posse contra a comunidade Nova Canaã até o dia 31 de dezembro. Acompanhada da prorrogação do prazo – que estaria finalizado até o dia 31 de outubro – o juiz também intimou o Estado da Bahia sobre possibilidade de resolução consensual do conflito.
NOVA CANAÃ
Três anos habitando um lugar, depositando nele sonhos, bens, afetos. Três anos de uma vida distante da ausência de moradia, longe do medo de não conseguir custear aluguéis caros e ter que ir com os seus para o desalento das ruas. Há três anos cerca de cem famílias começaram a ocupação de um terreno abandonado há duas décadas, que nesse tempo serviu apenas como um lixão. Tudo foi limpo, organizado, casas de alvenaria foram construídas com muito suor. Floresceram pequenos comércios e agricultura familiar. O que era baldio, um risco à saúde pública, tornou-se uma comunidade: Nova Canaã.
Agricultura de subsistência em Nova Canaã
Entretanto, depois 20 anos de desinteresse, a Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (COELBA) resolveu reclamar a posse da área e ingressar com uma ação de reintegração do terreno já habitado. Sem qualquer visita à comunidade, o juiz da comarca concedeu uma ordem liminar de despejo. Mas, a partir de um pedido da Defensoria Pública do Estado, o Tribunal de Justiça suspendeu a liminar, devido à pandemia, até o dia 31 de outubro.
Embora o prazo do Tribunal de Justiça tenha vencido no final do mês passado, a pandemia não acompanhou a determinação. Em razão disso os moradores resolveram se manifestar. Às 09 horas de sexta (30/10), a comunidade realizou um ato público, de caráter emergencial, para alertar à sociedade sobre os riscos impostos às famílias que moram no local.
O ATO
Convocado pela comunidade, o ato contrário à expulsão dos moradores do terreno onde fica localizada Nova Canaã reivindicou do poder público a regularização fundiária da área e a suspensão da liminar de despejo.
Os manifestantes fecharam a BA 046, no KM 23, das 11H às 13H.Depois da manifestação, o prefeito de Santo Antônio de Jesus, Rogério Andrade (PSD), se reuniu com representantes comunitários e se comprometeu a contribuir com a solução do conflito – embora não tenha agido de forma mais concreta sobre a situação.
“Quem passa aqui na BA 046 vê a comunidade toda construída. Aqui tem moradores com deficiência, moradores idosos, crianças, e a gente tá aqui para ter uma solução. A gente quer que o poder público veja nosso direito”, disse Branco, liderança comunitária de Nova Canaã.
“Todos os esforços que a gente fez para construir nossas casinhas, a gente construiu com muita luta, muita dedicação. Hoje nós estamos aqui. Graças a Deus tem um teto para colocar a cabeça dos nossos filhos debaixo”, declarou Luciana Santos Oliveira, moradora da comunidade.
Para a estudante de história e militante do coletivo de mulheres negras Joana Bairros, Juliana Silva, que esteve presente no ato “não faz sentido algum a desapropriação. É um crime perante aquela comunidade, às crianças, jovens e adultos presentes ali naquele local”.
DIREITO À MORADIA
“Para entender o conflito é preciso primeiro ter uma ideia de como tem se dado a expansão do espaço urbano em Santo Antônio de Jesus. É uma cidade que cresce a partir de loteamentos fechados, voltados apenas para a população de alta renda, onde a especulação imobiliária não encontra qualquer limite do poder público, e isso faz com que o preço da terra, da moradia, seja inviável para população de baixa renda, até mesmo para aluguel”, afirmou o professor da direito da UNEB, Leonardo Fiusa, que também presta apoio jurídico à Nova Canaã.
Em uma matéria publicada no site da DPE/BA – que, segundo Fiusa, tem dando suporte à questão, juntamente com a Ouvidoria Pública do Estado – a defensora pública Natalie Navarro defendeu a garantia do direito à moradia no caso Nova Canaã. “A comunidade destinou efetiva função social e econômica à terra [como requer a Constituição] que se encontrava completamente abandonada. Os moradores têm direito à moradia digna, garantido pela Constituição, o qual deve ser garantido e efetivado pelos poderes públicos. Assim, a nossa defesa é no sentido de que seja garantido o direito de moradia da comunidade Nova Canaã no local onde se encontram”, disse.
O acesso à moradia é um direito fundamental da humanidade, presente na Declaração de Direitos Humanos de 1948. No Brasil, desde os anos 2000, a partir da Emenda Constitucional n°26, a garantia de moradia é lei. É facilmente constatado, entretanto, que o cumprimento desse dever constitucional é praticamente inexistente. De setembro de 2012 à março de 2020, por exemplo, houve o crescimento de 140% da população em situação rua, segundo estimativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
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