Elas e eles, mais de mil e duzentos, chegaram de todas as partes chocalhando seus maracás, tocando seus tambores e atabaques, percutindo seus berimbaus e caxixis, dedilhando seus violões e acordeons e soprando suas flautas e gaitas. Chegaram com ginga, com cores, com alegria, trouxeram suas sementes sagradas e seus saberes ancestrais. Nos seus alforjes, sonhos, rebeldias e esperanças de um novo mundo possível para TOD@S. Na primeira semana de dezembro de 2014, entre 4 e 7, aconteceu nosso Grande Encontro no Assentamento Terra Vista, em Arataca, sul da Bahia, com o tema: “Sementes, ciência e tecnologia agroecológica, para mudar a realidade das comunidades no campo e na cidade”.Foram quatro dias intensos de partilhas, reflexões, práticas, celebrações e uma mística que envolvia a tod@s. Com oficinas temáticas, mini-cursos, mesas redondas, momentos lúdicos, conversas ao pé da fogueira, ocupamos os diversos “cantos” do assentamento. Junto a isso, a feira troca-troca de sementes crioulas, os banhos no Rio Aliança e as diversas reuniões políticas dos movimentos aqui presentes, levaram-nos as seguintes constatações:
* A certeza de que a caminhada realizada desde a I Jornada no final de 2012, com a consolidação da Teia de Agroecologia dos Povos da Cabruca e da Mata Atlântica, deve continuar. A Teia atuará de forma permanente enquanto uma rede que reconstrói a solidariedade entre as comunidades tradicionais, movimentos do campo e da cidade, ampliando assim o sentido da agroecologia, tão distorcida pelo excesso acadêmico e teórico e de tão pouca prática. Devemos desconstruir o tecnicismo perigoso, para defender uma agroecologia que une os povos e saberes, para garantir saúde dos nossos alimentos, solos e águas, das nossas relações sociais, da nossa identidade cultural, espiritual e ancestral. Como vimos fortemente nesta III Jornada, nos comprometemos na luta pela preservação e garantia de nossas sementes – “Patrimônio genético dos povos e da humanidade”.
* Assim como na II Jornada, percebemos e reafirmamos o compromisso de consolidar uma saúde de boa qualidade, diferenciada e autônoma, que reafirme nossos modos de vida ancestrais e nossa forma de construir política e militância. Isso só é possível a partir da luta pela garantia dos territórios, de alimentos saudáveis e da vida de nosso povo e lideranças. A agroecologia, então, é também uma forma de enfrentamento do sistema opressor e a Teia se propõe a conduzir ações solidárias diretas em defesa desses objetivos. Assim, nossa luta segue o caminho irrestrito da defesa da terra e da construção de uma soberania popular que só pode ser conquistada a partir de nosso suor.
* Exigimos a democratização da terra, a garantia dos territórios dos povos, a desintrusão e regularização imediatas dos territórios indígenas e quilombolas, além da reforma do solo urbano. Repudiamos veementemente os ataques dos ruralistas, com a conivência do Estado Brasileiro, contra os direitos duramente conquistados pelos povos do campo. Por isso, dizemos NÃO às propostas de Emendas Constitucionais (PECs), Projetos de Leis (PLs) e Portarias Ministeriais que atacam e tentam tirar direitos já conquistados. Todos esses instrumentos buscam inviabilizar e impedir o reconhecimento e a demarcação das terras dos povos tradicionais; reabrir e rever procedimentos de demarcação de terras indígenas já finalizados; facilitar a invasão, exploração e mercantilização dos territórios sagrados dos povos das florestas. Continuaremos numa luta constante contra todos estes instrumentos jurídicos e legislativos que tentam deslegitimar as lutas e retirar os direitos constitucionais destas populações.
* Rechaçamos as propostas dos serviços ambientais no contexto da economia verde, incluindo seu maior expoente, o REDD+. Isso continuará sendo uma parte central da nossa luta contra o capitalismo e as indústrias extrativas, mineradoras, assim como outras que se alinham ao capitalismo espoliador e destruidor da natureza e de seus povos. Reafirmamos o compromisso de nos organizarmos pela defesa e autonomia dos nossos territórios, das populações que vivem, dependem e são parte das florestas, pela defesa da Mãe Terra. Basta de projetos espoliadores! Não aos serviços ambientais! Lutar contra REDD+ também é combater o capitalismo!
* Reafirmamos que lutar não é crime. Não à criminalização e extermínio dos povos que defendem seus territórios! Queremos um basta imediato no processo de criminalização das lutas e das lideranças.
* Exigimos que os governos municipais, estaduais e o governo federal cumpram com suas obrigações constitucionais e garantam os nossos direitos. Que possamos ter políticas públicas que, verdadeiramente, atendam e respeitem as nossas necessidades e especificidades. Isto não é um favor, é um direito!
* Invocamos a proteção dos nossos encantados, os seres de luz, para continuarmos lutando contra os projetos de morte, que em nome do dito “progresso”, conhecido como agronegócio e hidronegócio, ataca e agride nossas comunidades, desrespeita identidades culturais, ferem a Mãe Natureza e seus filhos e filhas. Lutaremos sempre por uma educação descolonial, não patriarcal, antirracista e libertadora, que nos leve a concretizar o nosso Bem Viver.
* Percebemos a necessidade e nos comprometemos em aperfeiçoar a prática da agroecologia nos nossos territórios, articulando saberes ancestrais com novos conhecimentos, usando tecnologias e formação política para o empoderamento popular. Nos comprometemos com a ampliação dos nossos bancos de sementes e viveiros de mudas, com o manejo e uso da agroecologia e biodiversidade em SAF’s (Sistemas Agro Florestais). Fortaleceremos modelos comunitários de produção, sem o uso de venenos e construindo uma grande Teia de tecnologias sociais, onde a camponesa e o camponês, com seus saberes tradicionais, são fundamentais para garantir a soberania dos povos em suas terras.
* Firmamos nossa atuação com as diferentes gerações e nos comprometemos com a educação para a rebeldia e desobediência; com a formação política e vivências comunitárias para nossas crianças e jovens; e com o enfrentamento das opressões contra as mulheres, a população negra, indígena e LGBT, no campo e nas periferias das cidades.
* As mulheres da Teia reafirmam a necessidade da consolidação de um modo de atuação que garanta a organização autônoma de seus espaços, fortalecendo o enfrentamento da opressão de gênero no campo e na cidade.
* A Teia dos Povos da Cabruca e da Mata Atlântica sente a necessidade e a importância de articular com outros povos, por isso se faz necessário a vinculação com a Via Campesina, agregando nossas ações aos povos do mundo e colaborando com o avanço da luta no estado da Bahia, tão fragmentada por disputas mesquinhas, quase sempre conduzidas pelas disputas partidárias.
* Nos comprometemos em continuar a nossa jornada unid@s, partilhando os nossos saberes, construindo coletivamente nossos sonhos, protegendo as nossas sementes, organizando em mutirão as nossas lutas, exigindo com responsabilidade e de forma propositiva os nossos direitos, transformando os nossos espaços em territórios sagrados, semeando sementes de esperança para colhermos frutos de vida e plenitude, retirando e impedindo o uso de venenos e agrotóxicos não só da terra, mas de nossa convivência, para podermos saborear num futuro bem próximo um chocolate amargo-doce, resultado de uma corrente de diferentes elos unidos e entrelaçados por um único ideal: O DE AVANÇAR! DIGA AO POVO QUE AVANCE… AVANÇAREMOS!
É preciso resistir para EXISTIR!
Assentamento Terra Vista – Arataca (BA), 07 de dezembro de 2014