Num momento em que se abate sobre nós um duplo genocídio, o ultraliberalismo e a pandemia, em meio à desorientação, à impotência e ao desespero, um iluminado rumo ganha o chão na forma de um livro.
Mas não um livro formado apenas por palavras, por mais belas e sábias que possam ser. Um livro que condensa e desenvolve uma longa, árdua e frutífera trajetória de inúmeras lutas concretas.
Muito além de um livro, ainda mais potente do que um poderoso programa, vindo numa situação em que todos estamos sob iminente risco de vida, trata-se de um indispensável manual de sobrevivência.
Voltar à Terra, para semear e florescer Territórios e Comunidades, é nossa única alternativa frente à tamanha destruição.
Não há como sobreviver, a não ser dando vida desde já, através das coisas simples e da ação direta, a outros mundos e outros modos de vida.
Não morreremos! Não deixaremos morrer!
Avancem! Avançaremos!
Transcrição de trechos da transmissão de lançamento, em 27/02/2021.
Joelson Ferreira
A nossa luta é uma luta radical e profunda.
Então nós não vamos combater os nossos inimigos com as armas dos nossos inimigos. Não podemos criar ilusões que a força das armas vai nos dar vitória. Porque eles tem armas muito mais potentes do que a gente.
A grande arma nossa é a luta de massa.
É principalmente a consciência organizada nossa para combater em todas as frentes o Capitalismo.
Não podemos ter ilusão que uma frente só vai resolver. Temos que criar várias frentes, várias organizações, com capacidade de combate.
Quebrar uma cerca e conquistar um território, e não plantar comida logo, logo seremos derrotados.
Se não plantarmos floresta, logo, logo seremos derrotados. Se não construirmos um arco de alianças com todos os Povos, provavelmente não teremos vitória.
Precisamos começar fazer a Revolução a partir das coisas simples. A principal tarefa nossa é entender que o princípio é a Terra e o Território que são Poder.
Não estou dizendo que é o fim, que é o meio. Não! É o princípio.
Porque foi esse princípio que foi tomado da gente. Foi tomado do povo preto, foi tomado dos povos originários. Foi tomado de todos os povos que tinham Terra e Território.
Nós precisamos sonhar todos os dias com a Revolução Brasileira. Partindo do lugar onde a gente pisa.
Vamos partir dos processos de luta do povo brasileiro, que sempre lutou. Nós tivemos Palmares, nós tivemos Canudos, nós tivemos Balaiada, nós tivemos Contestado.
Nós tivemos 2 de Julho, que foi a unificação do povo baiano para a independência da Bahia. Mas era um processo para a libertação do Brasil todo.
Não acredito num processo onde primeiro a gente toma o poder para depois fazer as revoluções que precisam ser feitas. Nós temos que fazer essas revoluções todos os dias. Na nossa casa, na nossa família, na nossa comunidade.
Enfim, nós temos que começa essa revolução de baixo para cima. Não dá para um grupo de ‘iluminados’ venha nos dirigir para fazer a Revolução.
Os povos originários, povo preto dos quilombos e das periferias, os LGBTQ, precisamos que todos esses povos se vejam dentro do processo. E isto só é possível se a gente fazer esta caminhada do início.
Então não vamos nos apegar a construções eurocêntricas. Vamos pegar as lutas nossas, que tanto exemplo nos deram. Quantas vitórias nos deram, mesmo parciais foram grandes vitórias.
Sem aliança indígena, negra e popular não é possível fazer nenhuma grande transformação no Brasil.
Os movimentos sociais foram muitos importantes na luta pela terra. Mas não conseguiram evoluir para além da cerca.
Temos uma dificuldade muito grande depois de conquistar a terra, para construir a comunidade.
Porque a comunidade é diversa. Mas queremos uniformizar e fazer um pensamento único. Isso não é possível.
E tem também o pessoal que vem para dentro do movimento, mas com a cabeça do latifúndio. Ou seja, que se tornar um latifundiário. Porque ele viveu o tempo todo no latifúndio, foi escravo do latifúndio. A escravidão está na cabeça dele.
Um coletivo forçado não vai. Não adianta que vai. As pessoas fingem que vão, mas não vão.
É preciso que a gente compreenda essa diferença.
A primeira diferença é a diferença dos Povos.
E tem que entender que a individualidade é fundamental para construir um coletivo. Sem uma individualidade forte não há uma comunidade forte.
Pegaram os grandes clássicos e transformaram em manuais. Em regra para explicar tudo. Os grandes teóricos viveram em determinada época, e em determinados locais. Os clássicos não explicam tudo. A teoria eurocêntrica não explica tudo.
Não devemos transplantar os clássicos como manuais para catequizar os povos. Cada povos tem o seu conhecimento. E tem a sua ancestralidade e a sua espiritualidade.
É fundamental que a gente leia os clássicos. Mas é fundamental também conhecer a história do nosso povo. Entrar nas entranhas do seu povo. Porque é o nosso povo que vai fazer as transformações. Não é um clássico que veio de fora.
O atraso muito grande da Revolução Brasileira é porque a gente não entendeu o nosso povo. Não entendeu a força do povo originário. A força do povo preto.
Quando se fala de voltar para a terra muitas pessoas acham que é papel de Jeca Tatu.
A construção que queremos é a de um campo onde temos autonomia, onde a gente produza nossa própria comida. Onde a gente produza a nossa própria água. Onde a gente passe a conviver com os outros seres da natureza. Com os passarinhos, com as formigas, com as árvores, com a floresta.
É o campo que tinha antes da invasão portuguesa.
Faço um apelo aos meus irmãos e irmãs indígenas que estão na cidade: venham embora se aldear!
Eu faço um apelo para o nosso povo preto que lutou o tempo todo por liberdade. E ficou sem terra. Não existe liberdade sem terra.
E chamo todos os pobres que estão nas periferias das cidades que não tem saída. Vamos se rebelar e voltar de forma organizada para a Terra e o Território.
O povo nordestino que está nas grandes cidades, que foram construir as grandes cidades, que hoje está massacrado nessas grandes cidades, voltem embora para o nosso sertão!
Venham cuidar do nosso sertão. O nosso sertão está clamando por vocês.
Erahsto Felício
Muita gente não vai para uma política rebelde, radical, porque o horizonte da sociedade futura está muito distante. A pessoa está vivendo hoje. Não dá para ela só pensar neste horizonte futuro.
Mas Joelson falava que cada tomada de meio de produção, cada terra já seria a semente do novo amanhã, da nova sociedade.
Então não teríamos que ficar preocupados que só nossos netos veriam o processo revolucionário completo. No processo de tomada já teria a nova sociedade.
Nós estávamos num ritmo muito bom na Teia dos Povos, depois da Jornada de 2019. E aí a pandemia veio e não tínhamos mais como fazer reuniões.
E eu conversava sempre com o Joelson por telefone sobre o projeto Terra e Território. Estava na hora de colocar no papel. E aí a gente começa a se fazer várias ligações demoradas. E surge a oportunidade de escrever. Assim que nasceu a idéia, que não ía ser um livro. Ia ser outra coisa, mas virou um livro.
Uma coisa que aprendi com o Joelson é que a gente não faz vingança individual. Vingança é coletiva.
E temos pelo menos 250 mil pessoas para vingar, nesse próximo tempo. Vamos ter que vingar coletivamente todos nós.
E a gente vinga tirando o que é mais importante para eles. Que é o meio de produção. Tirar o meio de produção é tirar alma desse povo.
Porque esse povo não tem alma. Só tem lucro.
vídeo:
[…] Teia dos Povos, “Por Terra e Território: Caminhos da Revolução dos Povos do Brasil”: https://teiadospovos.org/muito-alem-de-um-livro-por-terra-e-territorio-os-caminhos-da-revolucao-dos-… […]