Posted on: 16 de maio de 2022 Posted by: Rafique Nasser Comments: 0

POVOS TRADICIONAIS E ALIADOS SE ENCONTRARAM PARA TECER HORIZONTES NA LUTA POR TERRA E TERRITÓRIO NO BRASIL

Por Rafique Nasser.

Foto em Destaque: Cruupooh’re Akróa Gamella.

O Assentamento Terra Vista, localizado em Arataca, município do sul da Bahia, celebra os seus 30 anos em 2022. No ano de 1992, em uma madrugada do mês de março, 360 famílias do MST ocuparam a Fazenda Bela Vista, e, sob o lema “Ocupar, Resistir e Produzir”, iniciaram um projeto de divisão social da terra, recuperação das matas, recuperação de nascentes, garantia da soberania alimentar e educação popular. Ou seja, um programa baseado nas práticas do Bem Viver. O local tem mais de 900 hectares no total, sendo 313 de mata atlântica preservada e 313 de Cacau Cabruca, que é uma sistema agroflorestal de cultivo. Foi nesse chão de lutas históricas que aconteceu o I Encontro Nacional das Teias: “Tecendo Alianças para Fortalecer Nossas Lutas pelo Bem Viver dos Povos”.

Na tarde de quinta-feira (05/04), as primeiras delegações chegaram para participar do encontro. Desde o Maranhão, Ceará, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Rondônia e diversas regiões da Bahia, caravanas compostas por quebradeiras de coco, povos originários, quilombolas, pescadores artesanais, assentados e assentadas, angoleiros e angoleiras, sertanejos e sertanejas, camponeses e camponesas, povo de terreiro e aliadas e aliados, se reuniram no assentamento para o compartilhamento de intensas reflexões coletivas sobre os caminhos da luta por Terra e Território no Brasil e o tecimento da grande Aliança Preta, Indígena e Popular. 

Cultura e Espiritualidade 

“Ô me dê licença dono da casa que eu cheguei / Eu sou mourão, sou mourão que não bambeia / Eu vim aqui, foi meu pai que me mandou / E abalou, abalou, abalou” foi o canto ressoado pela caravana da Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão no momento de sua entrada na escola Milton Santos. Entre batuques e danças, o encontro, que aconteceu de 05 a 09 de maio, recebeu as mais diversas manifestações culturais, como a capoeira angola, tambor de crioula, cantos revolucionários e cantos sagrados. A programação oficial foi aberta por rituais dos povos originários e quilombolas.

A tradições populares e a espiritualidade são fundamentos que guiam o tecimento do Bem Viver. Foto: Alass Derivas | @derivajornalismo.

Programação

No primeiro dia de diálogos, cada Teia apresentou as suas trajetórias e experiências às demais. Relatos de conflitos no campo, estratégias de enfrentamento e construção da autonomia, desafios e vitórias, foram compartilhados entre os povos presentes, assim como os princípios fundantes das articulações em cada estado.

Já no segundo dia, pela manhã o mestre Cobra Mansa, do kilombo Tenondé (Baixo-sul da Bahia), propôs uma vivência baseada no cosmograma Dikenga, do povo Bakongo. A experiência impulsionou uma reflexão coletiva sobre a ancestralidade e a relação de cada pessoa com a sua comunidade. Pela tarde, duas rodas de conversas protagonizaram debates sobre “Comunicação e Educação” e “Relações de Gênero e Diversidade nos Territórios”.  

O Cosmograma Dikenga trabalha sob a perspectiva de quatro eixos (Musoni, Kala, Tukula e Luvemba) que representam ciclos cósmicos. A caminhada por entre as linhas reflete os diferentes estágios da vida, que vai desde o nascimento à entrada na ancestralidade. Foto: Alass Derivas | @derivajornalismo.

O terceiro dia foi destinado para as discussões em torno de temas vitais para a luta dos povos no Brasil. “Terra, Território e Defesa”, “Comunicação, Saúde e Educação”, “Guerra contra a Fome e Autonomias”, “Lutas Tradicionais e Autodefesa” foram os eixos discutidos por grupos e depois levados à plenária no fim da tarde. À noite foi lida a carta oficial do encontro e celebrou-se o aniversário de 10 anos da Teia dos Povos da Bahia, que, para simbolizar o compromisso com a articulação nacional, entregou uma faixa para cada representação das Teias dos outros estados.

Consensos e Acordos

A partir dos diálogos realizados nas rodas de conversa e nos relatos de experiência, alguns acordos foram estabelecidos entre as Teias, dentre os quais a importância central da luta por Terra e Território, a composição do Bem Viver, a guerra contra a fome e pela soberania alimentar, o resgate das lutas tradicionais como estratégia de autodefesa, a destruição do patriarcado e a defesa da saúde e educação contracoloniais. Princípios essenciais como circularidade, cuidado com a mãe natureza, respeito à diversidade entre os povos, e, sobretudo, ancestralidade, se estabeleceram como imprescindíveis para os horizontes buscados.

O Encontro foi um momento de fortalecimento da articulação entre as Teias, bem como de reafirmar princípios coletivos que orientam as lutas. Foto: Cruupooh’re Akróa Gamella | @cruupoohre21

Ato Simbólico

Entre a madrugada e a manhã de segunda-feira, algumas caravanas retornaram aos seus territórios. Os participantes que permaneceram no local realizaram, na terça-feira (10/05), um ato simbólico de plantio com mudas partilhadas pelos diversos povos presentes no encontro. Foram plantadas frutíferas como cupuaçu e goiaba.

Horizontes

“Vamos refazer passos com sabedoria. Aqui tem muitos homens e mulheres sábias, a gente sabe fazer. Não estamos aqui inventado giras. O que é o bem viver a não ser uma mulher ir pra casa da outra e esperar três dias uma criança nascer? a gente já pratica isso! Vamos ver o que a gente já tem. É hora de organicidade e praticidade” 

Mara Ponte – Quilombo Engenho da Ponte (BA).

“Eu sei que cada um de nós que está aqui tem algo importante que traz lá de trás, do passado, do papai, da mamãe, da vovó, do vovô e do seu bisa. E nós esquece essa lição e vamos procurar aprender uma lição que não vai adiantar nada. Eu tenho dito pro pessoal da universidade: ‘Não tenho título da universidade, mas eu não tenho inveja dos professores da universidade’. Eu digo isso porque sou capaz. Eu aprendi com minha mãe, meu pai, meu vô, minha vó. Eu aprendi com os mais velhos da minha comunidade”.

Mestra Maria Mayá Muniz Pataxó Hã-Hã-hãe – aldeia Caramuru Catarina Paraguassú (BA).

“Que o tecimento seja assim: que o princípio seja o da circularidade, e não o da pirâmide. A pirâmide está introjetada na nossa cabeça porque a gente foi formado assim. A gente, no processo de descolonização, precisa desconstruir isso”.

Meire Diniz –  Conselho Indigenista Missionário (CIMI), regional Maranhão.

“Eu aprendi que para um barco sem rumo todo vento é bom. Quando a gente tem um rumo, nem todo vento é bom. A gente precisa manobrar o barco para chegar ao destino, e isso a gente faz com o remo, ou com a vela. A gente muda a posição do remo, escolhe um remo melhor, muda a posição da vela, porque a gente tem um destino, um porto a alcançar”.

Cacique Ku’ Tum Akróa-Gamella (MA).

 Olhares

Nas galerias abaixo, veja registros dos fotógrafos, comunicadores populares, que cobriram o encontro.

LEIA A CARTA OFICIAL DO I ENCONTRO NACIONAL DAS TEIAS DOS POVOS

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