Posted on: 6 de julho de 2021 Posted by: Rafique Nasser Comments: 0

O quilombo Barrinha, localizado à margem esquerda do Rio São Francisco, a cerca de 3 km de distância da sede do município de Bom Jesus da Lapa, oeste baiano, é uma comunidade tradicional existente desde o período colonial.

“O histórico do território remonta aos tempos da escravidão legalizada, pois ocupamos este espaço há mais de três séculos”, é o que consta na representação enviada pela Associação Quilombola, e apoiada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), ao procurador da república da comarca de Bom Jesus da Lapa, documento que descreve um conflito que se desenrola desde 2012 e ameaça a sobrevivência do quilombo e de sua população.

Tradicionalmente subsistentes do extrativismo vegetal, da extração de mel, da caça, da pesca artesanal, do artesanato e da construção de pequenas roças de agricultura familiar, a comunidade – reconhecida pela Fundação Palmares em 2006 e com processo de demarcação aberto pelo INCRA desde 2011 – está sofrendo ataques constantes de fazendeiros – gerações recentes de antigos coronéis da região – que reclamam a posse das terras.

De acordo com uma moradora da comunidade, “eles apresentam um documento, mas este não se trata do quilombo Barrinha. No mais, a escritura foi feita no tempo dos coronéis, onde um avô dos fazendeiros era um dos tais, e acontece que a comunidade é muito mais antiga que a referida escritura. Nós nascemos e nos criamos aqui dentro”.

A  ação desses grileiros, unida à omissão do poder público, impede diretamente o desenvolvimento interno da comunidade, e, consequentemente, a sua autonomia. “Nós, moradores, nos encontramos encurralados, não tem como a gente crescer. Somos excluídos de todos os benefícios que a prefeitura deveria trazer para a nossa comunidade, estamos sendo perseguidos pelos fazendeiros que ocupam as nossas terras e nos impedem de praticar a nossa cultura de subsistência. Com essa circunstância, muitos quilombolas são obrigados a trabalhar para os fazendeiros”, contou.

Ainda, a representação informa que cerca de 80 famílias residem no local, “com espaço ocupacional de apenas a residência”, o que atrapalha tanto o tráfego de moradores quanto suas atividades econômicas.

Barrinha é um dos mais marcantes locais turísticos de Bom Jesus da Lapa, por conta do comércio de culinária típica e da proximidade ao rio São Francisco, o que gera tensão e agravamento do conflito, já que os que se dizem donos da terra estariam interessados no lucro derivado da exploração turística da comunidade. “Por causa desse turismo no nosso território, ele hoje é vítima de cobiça e grilagem. É importante salientar que essa fonte de lazer não se traduz em renda e melhoria da qualidade de vida da comunidade. Poucas pessoas são beneficiadas, essas que só utilizam da nossa comunidade para trabalho”, contou uma moradora do quilombo.

Sobre as origens do conflito, um morador relata que os ataques começaram em 2012, “quando a comunidade fez ocupação de um espaço que seria para moradia de muitos aqui. Na época veio um fazendeiro, que já se dizia dono, e passou um trator em cima de tudo, foi pra cima para agredir as pessoas, encheu um caminhão com trabalhadores de uma cerâmica, trouxe para a comunidade, quebrou tudo o que tinha, roubaram as madeiras e o que não deu para levar, tocaram fogo. A quantidade de pessoas que ele trouxe era maior que a quantidade de gente que tinha para enfrentar. Já em 2017, a prefeitura lançou o projeto Minha Casa Legal dentro da comunidade, assim como o prefeito regularizou essas casas, os fazendeiros quiseram regularizar a grilagem. Junto com esse programa veio o aumento assustador da especulação imobiliária e a prática de vários crimes ambientais. Eles desmataram, e, com isso, querem fazer a medição do território e receber as escrituras em seus nomes”.

Entre outros crimes cometidos pelos grileiros, há o cercamento e aterramento de lagoas –  que impede a prática da pesca artesanal -, desmatamento da mata ciliar, despejo de lixo e entulho nas águas, oriundos da construção civil, aterramento do leito, plantação de eucalipto e escavação nas margens do Rio São Francisco e desmatamento da vegetação nativa para plantação de grama. Além disso, os fazendeiros loteiam terrenos para vender a pessoas de alto poder aquisitivo da região.

Após denúncias feitas pela comunidade, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA) realizou uma fiscalização nas áreas, aplicou multas e impôs interdições aos fazendeiros – sanções que não foram respeitadas e que foram utilizadas como justificativa para agravar as agressões contra a população tradicional. No dia 30 de março de 2021, fazendeiros ameaçaram de morte lideranças comunitárias. A Associação Quilombola de Barrinha já enviou representações à Defensoria Pública, ao Procurador da República da cidade, ao Ministério Público Federal, ao INCRA e à Fundação Palmares.

“Eles falaram que vão medir a comunidade, mas nós não autorizamos. Nós percebemos o que eles estavam fazendo e partimos para cima. Eles dizem que vão medir sim e vão lotear as terras. Esse processo de coação e ameaça está se tornando constante. Estamos apreensivos de sermos expulsos do nosso território, que nascemos e crescemos”, relatou uma das lideranças. “Eles foram, pediram licença ambiental ao secretário de meio ambiente, que é primo deles. Quando a comunidade iniciou as denúncias, ele viu que não ia ser coisa boa e suspendeu a licença. Porém, eles continuaram com os desmatamentos e conseguiram a documentação após o prefeito fazer um decreto colocando Barrinha como zona urbana. Após isso, eles iniciaram o loteamento, cujos donos são empresários e figuras influentes da cidade”, concluiu.

A comunidade do Quilombo Barrinha, a partir da sua Associação, reitera que continuará a luta pela sua permanência no território, e que está realizando ações em busca da defesa de seu direito ancestral.

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