Na abertura, o encantamento do canto e do tambor Pataxó Hã-hã-hãe. No encerramento, o Caruru para Oyá.
Com a evocação destas forças ancestrais que nos guiam, entre os dias 2 e 4 de dezembro de 2024, reunimos diversos povos, comunidades, caravanas de escolas e de universidades no Assentamento Terra Vista, em Arataca-Bahia, para a II Pré-Jornada de Agroecologia da Teia dos Povos neste território.
Com o tema “Por terra e território: em defesa da educação do campo no campo”, vivemos dias de plenárias, rodas de conversa, oficinas, rituais. Espaços que oportunizaram debates sobre a conjuntura atual de ataques à Educação do Campo na Bahia e a nível nacional.
A educação pública no Brasil está ameaçada por uma investida das empresas e organizações privadas.
Agindo de forma direta ou através de lobby pelo sucateamento da educação pública, esse modelo de educação apenas visa o lucro e a formação de pessoas voltadas ao trabalho precarizado, desconsiderando e tentando apagar saberes tradicionais milenares.
Essa realidade não é diferente na Educação do Campo, sobretudo na Bahia, que enfrenta não apenas a precariedade estrutural e pedagógica, mas também uma afronta política que deslegitima a luta dos povos do campo por um modelo educacional que atenda às suas realidades. Segundo estudo publicado pela UERJ, de 2018 a 2021, aproximadamente 4.000 escolas rurais foram fechadas, o que corresponde a 63% do total de escolas fechadas no país e o estado da Bahia foi o que mais fechou escolas do campo no Brasil.
Um fenômeno que, além de comprometer o acesso à educação de milhares de crianças e jovens, ameaça a permanência das comunidades rurais em seus territórios.
No próprio Assentamento Terra Vista, manter em funcionamento a Escola Florestan Fernandes e o Centro Estadual de Ensino Profissionalizante da Floresta, do Cacau e do Chocolate Milton Santos é uma constante história de resistência. Muitos episódios de luta estão documentados no site da Teia dos Povos. Alguns destes ataques ainda estão em curso: lideranças do Assentamento estão sendo processadas judicialmente pela Prefeitura do Município de Arataca.
Desde a ocupação, sem a luta, sem a mobilização coletiva, sem as marchas e o enfrentamento ao poder público nas esferas municipal, estadual e federal, essas escolas já teriam fechado, assim como tantas outras.
As Escolas do Campo são um dos principais alicerces dos trabalhadores rurais e desempenham um papel essencial para a sobrevivência e autonomia de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, agricultores familiares e outras comunidades tradicionais no Brasil. Elas são muito mais do que locais de ensino: são espaços de resistência cultural, preservação de saberes ancestrais e, para muitas dessas comunidades, a principal forma de garantir que suas crianças possam continuar vivendo em seus territórios, longe da pressão urbana e da marginalização social.
Além de fortalecermos estas denúncias de sucateamento, a Pré-Jornada também apontou caminhos na construção constante para uma educação viva, contextualizada, territorializada, enraizada na ancestralidade e na cultura popular, em busca da autonomia. É na diversidade dos povos que vislumbramos uma educação que abarque diferentes concepções, fundamentada nas realidades e nas tradições locais.
Para isso, na Teia dos Povos, acreditamos e fortalecemos quatro pedagogias: a pedagogia do tambor, a pedagogia do maracá, a pedagogia da floresta e a pedagogia das águas.
O que vivemos nesses dias não foi apenas um encontro, mas um ato pedagógico em si, pautado nestas quatro pedagogias. Além das plenárias, foram diversas oficinas, como Turismo de Base Comunitária, feitura do Chocolate Rebelde, Sementes Crioulas, Plantas medicinais e óleos essenciais, Árvores Nativas, Educação Ambiental no campo, dança afro contemporânea, entre outras. Também teve o cinema dos povos, rituais, a interação com o Rio Aliança, o Terreiro Lúdico, o Caruru, os Torés, a Capoeira Angola. Espaços de vivenciarmos na Escola da Prática as diversas pedagogias que acreditamos na Teia dos Povos.
Ancestralidade, emancipação, autonomia e utopia foram mote para discussões que emergiram em nossas conversas. Nelas, reafirmamos que a educação do campo deve ser feita no campo, pelo campo, para o campo, valorizando os saberes da terra e promovendo uma pedagogia que se constrói nas relações de dentro do território. A luta pela educação do campo é também a luta pelo território, pelo direito à educação pública de qualidade e socialmente referenciada pela memória, pelos conhecimentos e pela soberania dos povos e de suas pedagogias.
As Pré-Jornadas de Agroecologia da Teia dos Povos são tradicionalmente um encontro para o fortalecimento dos territórios onde acontece. Nesta edição, no Assentamento Terra Vista, a retomada da Casa da Cultura e Memória Augustinha Lopes foi um marco. Após uma intensa reforma, em mutirão, diversas atividades aconteceram neste local, agora, reocupado, vivo, retomado para a Universidade dos Povos da Teia dos Povos.
Também foi momento de, em confluência, cortejo e conexão, plantarmos baobás em homenagem a Nega Pataxó e Nego Bispo, ancestrais, fundamentos da nossa luta, que fizeram a passagem recentemente e merecem toda a alimentação simbólica em nossa alma, seres inspiradores das pedagogias que acreditamos na Teia dos Povos. As árvores foram plantadas no Bem Virá, local dentro do Assentamento Terra Vista, que é a Escola da Prática da Universidade dos Povos. Viveiro vivo de reflorestamento da mata e das almas.
A II Pré-Jornada de Agroecologia encerrou com a quarta edição do Caruru para Oyá, oferenda à entidade do movimento, já tradição no território. Esta celebração afro-indígena é uma das práticas pedagógicas que acreditamos, indo além da lógica hegemônica de educação colonial/patronal. Também é um importante momento também de questionarmos e de combatermos a intolerância religiosa dentro da comunidade.
Assim, seguimos nos aliançando, mobilizados na construção da VIII Jornada de Agroecologia da Teia dos Povos, que acontecerá em janeiro de 2025, em Salvador, e também para a segunda etapa da Formação de Construtores e Defensores de Território no Assentamento Terra Vista, em janeiro e fevereiro.
Nós, crianças, jovens, mulheres, indígenas, quilombolas seguimos em rede, transformando a indignação em força coletiva, construindo um mundo onde o terreiro e o tambor deem o ritmo da vida, o arco e a flecha apontem com fé para a prosperidade dos nossos povos, os rios e o mar nos conduzam a correntezas e marés mais justas e as florestas nos ensinem cada vez mais o valor da diversidade e da aliança na luta pelo nosso bem viver.
Com afeto e luta,
avançaremos!
Viva a Educação do Campo no Campo.
Viva a aliança Preta, Indígena e Popular.
Viva a Teia dos Povos!