Nós, povos tradicionais da comunidade quilombola de Povoação de São Lourenço, localizada no litoral norte de Pernambuco, no município de Goiana, viemos por meio desta apresentar denúncia referente à construção do Terminal Portuário Tabulog pela Destilaria Tabu na região sul do litoral paraibano, mais especificamente na praia de Pitimbu. Esta praia compõe o complexo de praias localizadas na região litorânea do sul paraibano e vai de encontro com as praias e rios que compõe o litoral norte de Pernambuco, onde é possível encontrarmos o estuário formado pelo Rio Goiana e as águas marítimas. Este estuário localiza-se em grande parte no território da comunidade quilombola de Povoação de São Lourenço e tem sido a principal fonte de subsistência da comunidade. Além de compor o ecossistema local, existe neste estuário grande área composta por uma grande extensão de manguezais onde inúmeras espécies sobrevivem e ajudam com o equilíbrio e bem estar ambiental.
As comunidades quilombolas, indígenas e demais povos tradicionais têm uma relação muito particular com o meio ambiente, somos os guardiõe(ãs) e protetores(as) da natureza, nossa relação com os rios, os mares, os mangues, as florestas e a terra vão além do campo da lucratividade, nossa relação é ancestral e proteger os nossos territórios de possíveis degradações significa preservar a nossa memória e reservar um lugar para que as gerações futuras possam, assim como nós, conhecerem sua ancestralidade e terem uma relação harmônica com a natureza. Segundo a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), povos e comunidades tradicionais têm direito à consulta prévia caso haja ameaça de impactos em seus territórios e em seus modos de vida, fazendo com que se prevaleça a vontade da maior parte da comunidade atingida pelo empreendimento.
Entretanto, a Associação Quilombola de Povoação de São Lourenço não foi comunicada formalmente da existência da consulta prévia e tampouco da audiência, ficamos sabendo desta últimas pelos movimentos sociais, como o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP). Fomos informados(as) na surdina sobre a instalação desse empreendimento de caráter privado vinculado à cadeia produtiva do etanol e da gasolina. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) realizado pela Hidrotopo Consultoria e Projetos em 2020 e publicado em 2021, afirma que a região do litoral norte de Pernambuco sofrerá impactos e esses impactos chegam ao nosso estuário e atinge os nossos povos. Levando em consideração que o principal objetivo do empreendimento é a movimentação de combustíveis via modal portuário, isso consiste na instalação de dutos submarinos, o que significa dizer que caso haja algum tipo de vazamento os danos causados podem afetar a vida marinha e comprometer o meio ambiente com danos que podem ser irreversíveis ou durar anos para que o ecossistema e a biodiversidade possam ser reestabelecidos. Ainda, dentre os impactos negativos presentes no EIA, há o afugentamento de espécies da região, danos que podem ser causados nos manguezais e nos crustáceos, com a possibilidade da chegada de novas espécies que podem agir como predadores para com as espécies locais. Assim, conforme o EIA do empreendimento, as áreas afetadas correspondem desde a praia de Pitimbu-PB até a ilha de Itamaracá no estado de Pernambuco, além do mais existem ainda outras três comunidades quilombolas no território paraibano, no município do Conde, que serão atingidas, mas não foram consultadas previamente.
Todavia, a possibilidade de conflitos com as comunidades atingidas desde o momento da instalação até a operação é considerado, neste EIA, de importância “muito alta”, sinalizando que são as próprias comunidades que pagarão o ônus desse “progresso”, como aconteceu no litoral sul de Pernambuco, com as comunidades tradicionais que foram impactadas com a instalação do Complexo Industrial Portuário de Suape. Mesmo que não ocorram vazamentos de combustíveis, a construção do empreendimento destrói corais e modifica ecossistemas que afetam além de Pitimbu/PB. Ademais, as atividades do empreendimento, como chegada de navios de grande porte para retirar combustíveis de 25 tubos por dutos instalados em baixo do mar, causam graves mudanças ambientais.
Queremos manter nossos pescados, nossos modos de vida, e não ser refém do racismo ambiental. Portanto, nos colocamos contra a construção deste empreendimento, considerando que a preservação ambiental e a manutenção dos nossos espaços de trabalhos e costumes tradicionais são asseguradas em lei pela Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, de 2007, que define como territórios tradicionais “os espaços necessários a reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária”, e pelo Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas – PNAP, onde um de seus princípios é a valorização dos aspectos éticos, étnicos, culturais, estéticos e simbólicos da conservação da natureza.
Por isso, elaboramos esse documento para denunciarmos o descompromisso do Estado e da Destilaria Tabu, principal responsável por este empreendimento, no que diz respeito à comunicação com as comunidades atingidas pelo empreendimento, principalmente com a área da comunidade tradicional existente no perímetro que será de alguma forma, afetada, pois temos o direito de sermos consultados(as) de maneira clara e elucidativa. Com isto, convocamos todos e todas, sobretudo as comunidades diretamente impactadas, para estarem presente na audiência Pública, no dia 18 de novembro, que ocorrerá no formato virtual e presencial, no salão paroquial da Igreja Nosso Senhor do Bonfim, na Rua da Praia, nº 55, Centro – CEP: 58.324-000, Pitimbu/PB, e virtualmente no link que estará disponível no site da SUDEMA (www.Sudema.pb.gov.br), cinco dias antes da sua realização, na qual será discutido o Estudo de Impacto Ambiental e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental – EIA-RIMA do Terminal Portuário Tabulog. Hoje temos consciência do estado preocupante que a busca desenfreada pelo “progresso” nos trouxe, por isso, reivindicamos que este empreendimento considere a vida dos povos e comunidades tradicionais da região, assim como de outros seres vivos. O lucro não vale a vida!