Texto por Cíntia André, caipira e estudante de medicina pela UFRB | Fotos por Cíntia André e Rodrigo Wanderley
A Saúde para as mulheres e homens da Bocaina não está na prateleira, nem nas teorias das grandes instituições, está no pé da serra, na beira da estrada, nos quintais das Marias e Cidos, está na Bocaina de cima, no caminho da nascente e no vale do Mocó.
Provocados por uma pergunta simples, “como a Bocaina se cuida?”, a resposta veio diversa, complexa e cheia de saberes – com ervas, raízes, cascas, sementes e folhas. O conhecimento vem de raizeiros, benzedeiras, dos mais velhos, do cuidado em quilombo. A cura parte da observação, do uso em repetição, da necessidade diária, da paciente oralidade e principalmente da conexão com o território.
Na última semana, a Bocaina recebeu a Pré-Jornada Agroecológica da Teia dos Povos, acolheu com chuva os que chegaram, reforçou cuidados pela vigente pandemia. “Povo, fiquem afastados, mas juntos! Se querem amaciar os calos da enxada, passem álcool e não esqueçam da máscara no rosto para o sorriso ficar mais à vontade”. Lembraram que proteção é importante, ainda mais que um grupo de bocaneiros, da faixa dos 90 anos, foram os primeiros a chegar. Nessa higiene toda, ainda nos faltava falar de saúde. Logo veio a ideia de visitar alguns quintais para tentar entender como se faz o processo de saúde, cuidado e qualidade de vida na comunidade Quilombola da Bocaina. A surpresa boa é que surgiram muitos quintais dispostos a colaborar com plantas e receitas (no meio de um tudo, uma das melhores aulas de medicina). Resolvemos compartilhar, expor na feira agroecológica a forma da comunidade se cuidar. Coletamos, em dois dias, mais de 40 formas de curar ou afastar enfermidades. As indicações de receitas eram diversas, desde chás para resfriados, banhos para alergias, cinzas para machucados, como também incensos e benzimentos para proteção espiritual.
Dona Maria (Foto: Cíntia André)
A mesa ficou estreita para tantas ervas e o salão pequeno para tantas trocas e descobertas. Os mais velhos chegavam de frente a mesa, olhavam o todo e logo diziam “falta planta importante aí menina!”. Ao perguntar “quais?”, sempre recebia, mais tarde, uma sacola com outras ervas, cascas e folhas para correr fazer plaquinhas, entender o uso e nomear.
Por fim, mas é mesmo para começar, a Bocaina está viva e a memória persiste. O quilombo existe, resiste e ainda ensina!
Agradeço a Dona Maria, Adriana, Senhor Almir, Catarina, Maurício, Dona Eguinalha, Mailson e Cido pela troca direta, pelas plantas e pelo saber a mim confiados.
Que belo trabalho! :(Re)existirmos a que será que se destina!” Parabéns Cinthia! Foram tantos aprendizados nesta Pré Jornada! Nosso povo sabe e quer manter sua saúde física e mental! Avançaremos!