Posted on: 15 de janeiro de 2024 Posted by: Teia dos Povos Comments: 0

O projeto, que faz parte do programa da Universidade dos Povos e recebe pessoas de várias regiões do Brasil e países do exterior, segue até dezembro com múltiplas atividades

Deu-se início a Formação de Construtores e Defensores de Territórios da Teia dos Povos, no Assentamento Terra Vista, território localizado no município de Arataca, no Sul da Bahia, conquistado há 32 anos através da luta de diversos movimentos sociais por reforma agrária. Hoje, completamos uma semana intensa de atividades, com cerca de 250 participantes nesta etapa.

Esta é uma das formações promovidas pela Universidade dos Povos, programa pedagógico da Teia dos Povos, que propõe a construção de uma educação libertária baseada na cosmovisão dos povos, nos princípios da agroecologia, dos saberes tradicionais e da luta por terra e território. O curso acontecerá em janeiro e fevereiro de 2024 e de 2025, de forma presencial no Assentamento Terra Vista. Entre março e dezembro destes anos, os participantes terão o compromisso de colocar em prática, em seus devidos territórios, os aprendizados e práticas aqui adquiridos.

O Assentamento Terra Vista está recebendo pessoas de toda parte do Brasil e também de outros países. Povos originários de diversas etnias, povos tradicionais, pessoas de territórios urbanos, territórios rurais e pessoas de movimentos sociais,  bem como pessoas desterritorializadas e todas as Teias dos Povos de diversos estados do país. Mestre Joelson, 63 anos, um dos fundadores da Teia dos Povos e construtor do território Terra Vista, conta:

“Esse é um sonho antigo que vem desde 2000, inclusive eu tenho até um texto chamado começar de novo que propõe que a gente comece a fazer uma formação para a juventude, para os trabalhadores, para todo mundo que queira construir um mundo novo, um mundo fora das contradições que estão aí perversas pelo capital. Então nesse sentido é uma alegria grandiosa a gente receber muita gente de vários lugares e fazer um debate de ideias mas ao mesmo tempo umas práticas que ensinam a gente que a gente tem que retomar o nosso território, nós precisamos cuidar dos nossos territórios, nós precisamos defender nossos  territórios. Então nesse sentido é uma honra receber gente de todos os lados, de todas as cores, de todo jeito. Nas inscrições temos 750 [pessoas] (…) Vai chegar gente até fevereiro pra cá, uns que vão aprofundar mais e uns que vão pegar superficialmente, mas como a gente tem 2 anos pra aprofundar então isso é tranquilo.”

Ao todo, serão oferecidas sete formações distintas, sendo elas frutos da experiência histórica e prática do assentamento ao longo desses anos de luta: Meio Ambiente com ênfase em Agrofloresta; Agroindústria: do Solo ao Chocolate; Gastronomia: Alimentação do Bioma da Mata Atlântica e da Cabruca; Computação Gráfica: Comunicadores Populares com Atuação nos Territórios Digitais; Edificações: Bioconstrução, Arquitetura com Terra Crua; Agente de Saúde Comunitária Integrativa com Fitoterápicos e Música e Instrumentos Musicais com Ênfase em Luthier.

A formação de Meio Ambiente com ênfase em Agrofloresta é fruto do reflorestamento bem-sucedido da mata ciliar e de outras áreas do assentamento. O curso de fitoterápicos é uma construção do grupo de mulheres que produzem óleos essenciais e cosméticos naturais aqui no assentamento. Já o de Agroindústria: do Solo ao Chocolate é fruto do trabalho desenvolvido através do sistema cabruca que aumentou a produção de forma orgânica junto à fábrica escola de chocolate onde a juventude assume a tarefa da produção de chocolate orgânico.

Pytuna Tupinambá, do território Itapuã, conta: “Para mim, diante dessa semana, eu estou vendo essa interação toda dessa galera, as falas dos mestres antes do curso começar, e já estou vendo bastante informação, então imagina quando esse curso começar que são dois meses, e nós estamos em uma semana de trabalho, quanto que essa juventude vai absorver, o quanto essa galera veio buscar de conhecimento e vai levar desse conhecimento também”.

A Universidade dos Povos é construída diariamente pela presença e colaboração de todes. A convivência das mais de 300 pessoas que interagem na sede do assentamento é e será possível a partir da construção organizada dos espaços e processos. Essa tarefa é feita dentro de diversas comissões. A autonomia é prática central, cada ser que se faz presente tem a responsabilidade e a necessidade de agir na gestão coletiva. 

O movimento de chegança e acolhimento já inicia a formação trazendo ensinamentos preciosos que a coletividade e o encontro entre diversos povos e culturas instiga. Nanã Matos,  “cria do cerrado desse país”, musicista, atualmente residente no interior de São Paulo construindo o território Matoca,  fala como se sente:

“Isso é um sonho que sempre foi realidade e que foi retirado das nossas comunidades, dos nossos povos, dos nossos antepassados. E hoje a gente poder tá aqui nesse movimento de retomada… Saber que foram muitos passos mas que no movimento da natureza rapidamente a gente já consegue de volta retomar essa convivência. Isso é uma alegria, então eu to totalmente imersa nesse sentimento de tecer, de tecer as nossas trajetórias, os nossos pontos de partida, as nossas idas, as nossas vindas e como a gente vai retornar pra casa, já imaginando essa bagagem muito fortalecida.”

Foram formados grupos para agir pelo bem-viver e a construção desta universidade onde convivemos e residimos, com a intenção de deixar o lugar melhor do que o encontramos. Essas comissões são: infraestrutura, logística, receptivo, comunicação, cultural, segurança, limpeza, resíduos e saúde.

O cuidado das crianças é responsabilidade de todes. Assim, foi pensado e instituído o Terreiro Lúdico; espaço brincante e afetivo para o cuidado das nossas crianças. Grupos de voluntários revezam sua energia para estar presentes para os pequenos nos períodos da manhã, tarde e noite.

Além disso, as pessoas têm a possibilidade de fazer uma imersão na história do local convivendo com os moradores e moradoras do assentamento, que estão mobilizados em construir e participar de todo o processo, aprendendo, ensinando e trocando conhecimento sobre suas vivências.

Edson, 38 anos, morador do Terra Vista, conta: “quando esse pessoal chega aqui às vezes eu fico alegre; quando sai, eu fico triste. Porque é minha alegria o pessoal também. Vários pessoal que eu conheço aqui que veio de fora que tá aí junto mais nós, quando sair fora aí todo mundo fica triste, porque a alegria de vocês é nós e a alegria de nós é vocês, é desse jeito.”

Já Lucimari, ou Mari, cozinheira, trabalhadora da equipe de limpeza da Escola Milton Santos e moradora do assentamento Terra Vista, nos convidou para conhecer seu “quintal que todo mundo elogia” e nos conta: “Tem gente que fala assim: ‘Vocês não cansam? Não é cansativo?’, É sim! Quando eu chego em casa eu tomo um banho, mas só o carinho que a gente recebe de cada um de vocês, todos os dias, quando chega com um “bom dia”, “aah como a comida tá boa”, “pode fazer um chá pra gente?”. Uns chegam e dão um abraço, diz até que vão dar massagem. Então isso é a recompensa que a gente tem.”

Essa primeira semana foi trabalhada em acolher e alojar todas, todos e todes que estão chegando, nos alojamentos e nas áreas de acampamento. A área destinada ao acampamento de grande parte do pessoal está localizado às margens do Rio Aliança, sendo um amplo espaço, imerso dentro de uma das áreas florestais e de recuperação da Mata Atântica. 

Esse espaço tem sido manejado coletivamente pelas pessoas, sendo limpas diversas áreas de camping e trilhas para facilitar a circulação, construindo banheiros secos para garantir o maior conforto para as pessoas acampadas durante esses dois meses dentro do território. A comunidade também disponibilizou alojamentos com prioridade para mães e pais com crianças, pessoas idosas e pessoas com deficiência. 

“Desde o dia que eu cheguei eu já vi uma diferença estrutural mesmo do nosso acampamento. Muito legal estar acampado embaixo de tantas palmeiras, açaí, e na beira do rio também. Então estamos aqui também nesse processo de confluência com a água, de poder utilizar a água pra gente poder se banhar, lavar as coisas, relaxar, e manter a água fluindo aí limpa. Tô sentindo que as pessoas estão imbuídas desse sentimento também de usufruir e de preservar, é uma coisa que está sendo bastante conversada aqui esses dias, todo esse movimento de sensibilização.”, conta Nanã.

Marcos, 31 anos, morador de Belo Horizonte, faz parte do Coletivo Roots Ativa, e está colaborando com a Comissão de Resíduos. Durante essa primeira semana, somou forças no preparo da compostagem e limpeza das áreas ao entorno do refeitório e providenciaram uma trilha até o rio para lavar as vasilhas. “Estou sentindo uma boa atmosfera de interação entre os grupos e que um tema se liga ao outro, creio que isso é o sentido da Teia“, conta ele. 

Ánima veio da Bélgica para o Brasil para participar dessa formação, motivado pelo projeto em que participa em seu país, onde atua com imigrantes sob uma perspectiva da acessibilidade à ecologia. “Então me sinto em casa e estou aprendendo muita coisa com pessoas, boa gente”, conta elu.

Nessa primeira semana, foram realizadas ritualísticas em confluência com os povos originários e povos de terreiro.  A participante Omobirin Ode (Veronica Correias), 34 anos, natural do Rio de Janeiro, é do terreiro Ilê Asé Oba Orun Ilê Aiê e conduziu algumas das práticas. Para muito além de religião, ela tem sua tradicionalidade como algo que alimenta e dá forças para caminhar diariamente e ter mais empatia com o outro. 

“Junto com o território e com a nossa ancestralidade, que a gente possa sair de aqui melhor, mais forte, com a nossa bagagem forte, com o nosso espirito forte, para que a gente tenha como ser multiplicador nos nossos territórios as sementes que estamos enxendo aqui de cuidado, de amor, de esperança e de força, para sejam resistência nos nossos espaços de luta”, afirma a participante.

Para Mestre Joelson, a primeira semana é para entender os vários mundos que estão juntos aqui. “Abrir o debate para entender esses mundos é fundamental, agora é lógico a gente também entender que não vamos ter tempo pra falar de todos os mundos, conhecer todos os mundos, mas acho que aqui nós estamos dando o pontapé inicial da nossa missão, da nossa construção. Então, nesse sentido, é esse processo que eu estou falando: construir e desconstruir e começar a trabalhar essa grande confluência que tanto Nego Bispo fala, que são os entendimentos, nós entender as coisas, e fazer uma separação que é muito importante: das pequenas coisas que nos separam e mirar nas coisas grandiosas que nos unificam.”

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