Transcrição de trechos da live transmitida em 17/04/2021.
Apresentação
Eu me chamo Maurício Correia e participo da AATR (Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais da Bahia). Venho do sertão do Rio de Contas, sou filho de trabalhadores rurais. Cresci dentro deste contexto do país da Caatinga, que é a grande nação dos Gerais.
Até pela própria militância política desde muito cedo, percebendo o caráter estratégico do Direito, fui chamado a fazer o curso. E me formei em 2009, pela UFES (Universidade Estadual de Feira de Santana).
Desde o final de minha graduação me integrei a um processo de resistência das Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto aqui da Bahia. São comunidades que no sertão fazem a criação de animais na solta, em terras de uso comum. E por isto muito alvo de processos de grilagem.
E a grilagem não se faz sem fraude, sem corrupção e sem violência. Desde o início da minha trajetória, tive que lidar com situações de trabalhadores rurais, lideranças assassinadas em razão da luta pela Terra.
A AATR vai fazer 40 anos em 2022, foi fundada em 1982. Muito com objetivo de auto-proteção dos advogados e advogadas que estavam atuando no interior da Bahia, na década de 1970. Dois deles foram assassinados. Um em 1977, o Eugênio Lira. Em 1979, o Hélio Hilarião.
Depois a AATR acabou ganhando essa outra dimensão de assessoria política popular, para além de seus associados.
Questão fundiária no Brasil: origem
O país nasce de um processo de espoliação e colonização violentíssimo. Tendo como único objetivo pilhar, e fazendo isto à custa do genocídio indígena e da escravidão dos povos sequestrados em África.
Quando falamos de terra estamos falando de um meio de produção, além de um elemento da Natureza. Principalmente num contexto como o da História do Brasil, com uma economia basicamente agrária. Fundada na produção primária voltada à exportação.
Esse país foi conquistado palmo a palmo, e na bala.
O Brasil não nasceu simplesmente do traçado no mapa das Capitanias Hereditárias, e atribuir essas grandes faixas de terra às famílias nobres lá de Portugal. E com isto estaria realizada a obra da colonização, muito pelo contrário.
Os mapas vieram antes, mas demarcavam um campo a ser disputado. Uma coisa é traçar no mapa uma grilagem, outra coisa é operar essa grilagem.
Após o fracasso das Capitanias Hereditárias, o principal instrumento adotado foi a concessão de Sesmarias.
Cabe lembrar o Tratado de Tordesilhas que divide a América do Sul, com o direito sobre essa terra reivindicado pelo Rei de Portugal. Numa negociação de gabinete na Europa, com a benção inclusive da autoridade do Papa, definiram a posse de um território onde viviam mais 5 milhões de pessoas.
Qual o fundamento hoje da propriedade da terra no Brasil? Esse fundamento último seria o Tratado de Tordesilhas. É aceitar que o Rei de Portugal tinha de fato um domínio legítimo sobre todas essas terras.
Essa é a História desse país. Toda a propriedade da terra está fundada no Direito de Conquista.Quando Portugal avança para além do Tratado de Tordesilhas reivindica o direito de posse.
Os Bandeirantes exterminaram nações indígenas inteiras. Após isso o procedimento padrão era se dirigir ao Rei de Portugal e pedir uma Carta de Sesmaria.
Toda propriedade particular da terra se fundou numa violência, que em grande parte desse país continua sendo uma violência permanente.
Se iniciou naquele momento, e nunca se acaba…
Da mesma forma que os Bandeirantes invadiam as aldeias indígenas e tocavam fogo nas habitações, é a mesma forma que hoje grileiros chegam nos interiores do país e tacam fogo nas casas dos posseiros.
Para eliminar os vestígios de que aquelas pessoas eram posseiras, por que isto gera direitos. Porque se você faz uso da terra, planta na terra, mora em cima da terra, você tem direitos sobre essa terra.
As Sesmarias eram dadas para aqueles que conseguiam mais sucesso no extermínio indígena. Essa é a ação fundante da propriedade da terra no Brasil.
A colonização se inicia pelo litoral em direção aos interiores. Temos hoje áreas como a Amazônia que é possível dizer que a colonização ainda está em processo. Não só na Amazônia, também no Centro-Oeste e no Nordeste.
O arremedo de classe dominante que temos no Brasil vem de uma origem de espoliação e violência.
Em 1850 temos a primeira Lei de Terra no Brasil. Passaram desde 1822 sem conseguir fazer uma legislação fundiária, por conta de divergências internas.
Toas as sesmarias estavam caducas. Porque na sesmaria era obrigatório cultivar a terra. Mesmo os grandes barões latifundiários, protagonistas da independência política do Brasil, atuavam na ilegalidade.
As fazendas não tinham registro.
A classe proprietária de terra no Brasil sempre operou na ilegalidade.
Não são os posseiros que estão ilegais. A posse é uma relação legítima. E é reconhecida pelo Direito. Tanto é que existe o Uso Capião.
Em 1850 todos os proprietários de terra foram chamados para demonstrar se tinha títulos válidos. A maioria não tinha. Isso vale tanto para a cidade quanto para o campo.
Quem são os donos dos cartórios? Muitas vezes são as famílias de latifundiários locais. Porque é onde se faz o registro de terras.
Demarcar as terras para a elite latifundiária implica em limitá-los, a que continuem sempre expandindo seus domínios.
A lei de 1850 exclui os negros e os povos indígenas, sendo que estes não tiveram respeitadas as guerras concedidas para aldeamentos.
Os povos negros que foram escravizados foram excluídos porque se tivessem acesso à terra, isso implicaria em ausência de mão de obra barata para os latifundiários.
A negação do acesso a terra ela está também diretamente relacionada ao fim da escravidão. Era fundamental que houvesse uma mão de obra que continuasse trabalhando por moradia e comida.
Antes mesmo de falarmos em Reforma Agrária, de desapropriação de latifúndios improdutivos, devemos nos perguntar: Essa terra é realmente particular? Ela cumpriu os requisitos legais da Lei de 1850 e das leis posteriores?
Hoje para uma propriedade de terra ser considerada particular, ela precisa ter sido concedida por um título válido. E a maior parte das sesmarias se tornaram inválidas.
Em nossa prática como advogados constatamos que mais de 90% dos documentos de propriedade de terra são fruto de um registro ilegal.
Temos no Brasil um tipo de propriedade rural que é único. De um lados temos latifúndios imensos. E nas bordas desses latifúndios, vamos ter pequenas propriedades que muitas vezes não são suficientes, por sua dimensão ou pela qualidade da terra, para sustentar as famílias.
Assim acabam vendendo sua força de trabalho para o latifúndio por um valor muito baixo. Quando não, morando de favor e trocando um pedacinho de terra para plantar para a família por um trabalho sem remuneração para o latifúndio.
É por isto que somos o país mais desigual do mundo em termos de distribuição de terra.
Cerca de 1% dos proprietários de terras no Brasil concentram metade da dimensão das terras do país. Se o Brasil fosse uma ilha com 100ha e uma população de 100 pessoas, uma pessoa seria dona de metade da ilha.
Situação recente e atual
Nunca tivemos no Brasil sequer uma política que seja de Reforma Agrária. Temos um grande campesinato ainda muito significativo. O Brasil ainda passa por uma transição urbana inclusive pela ausência de democratização da terra.
Um processo de 30 anos se encerra em 2013, ainda no governo Dilma quando não houve nenhuma desapropriação de terra para Reforma Agrária, mas que nunca passou de uma política de assentamento de pessoas.
O que é muito diferente de Reforma Agrária, mesmo de formato liberal feitas em outros países. E está mais longe ainda de uma idéia de democratização de acesso à terra.
Sem isto, o que ocorre é o inchaço das cidades.
Com as revoluções tecnológicas, as máquinas agrícolas, os venenos, e a cerca e o crédito, o sistema bancário tem um papel fundamental nisso, temos a partir dos anos 1960/1970 uma transformação desse latifúndio improdutivo, em todos os termos.
E começa a ter latifúndios operando numa lógica de altíssima produção, usando bio-tecnologia, transgenia, agrotóxicos e adubos químicos, para produção de grãos.
Hoje o cerrado brasileiro está em sua maior parte convertido para a produção de grãos para exportação, principalmente soja e milho.
Um modelo de degradação profunda do meio ambiente e de desvalorização do trabalho, a ponto de se ter ainda muito significativamente no interior do país a presença de trabalho análogo à escravidão, nessas grandes fazendas principalmente.
Para muitos a discussão do latifúndio ficou ultrapassada. Gente da Embrapa e de formulações de governo trabalham com a Reforma Agrária como uma pauta ultrapassada.
Hoje temos no campo um grande protagonismo daqueles grupos que ainda estão permanecendo em suas terras. Com o forjar do MST nos anos 1980 temos uma ofensiva muito forte até os anos 2000. Ocupando latifúndios com o lema Ocupar, Resistir e Produzir.
Uma organização de massas como o MST tornou possível uma política de desapropriações. Mais de 500 mil famílias foram assentadas, pelo movimento social. Com o Estado sendo praticamente obrigado a promover essa política.
Ações coletivas com uma força tão significativa que o movimento sequer se preocupava em fazer defesa em ações de reintegração de posse. Porque se houvesse despejo no dia seguinte o pessoal estava lá ocupando novamente.
Hoje o movimento está na defensiva diante da expansão das fronteiras agrícolas de forma muito intensa.
Depois da Crise de 2008 houve uma corrida para compra de terra, como um ativo financeiro. Muitas vezes são terras griladas, que entram no sistema financeiro como mais um título podre.
A luta do povo sem terra, do povo indígena e quilombola vai ser sempre vista como ameaça pelos que estão em cima.
Basta verificar nos processos de demarcação de terra indígena e quilombola, muitas vezes o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) sem maiores pudores escreve contra a regularização de territórios contínuos, para não favorecer algum tipo de aliança.
Quando se regulamentou a GLO (Garantia da Lei e da Ordem) um dos primeiros lugares foi a Serra do Padeiro, dos tupinambás no Sul da Bahia com o Cacique Babau.
Existe uma visão até militarizada da questão da terra no Brasil.
Nós temos uma Constituição que garante as terras indígenas, prevê a Reforma Agrária, quando uma pessoa é presa precisa ter uma ordem judicial.
A primeira coisa dentro das nossas lutas que fazemos é questionar a legalidade da posse da terra. Porque quando vamos ler as escrituras na maioria das vezes não presta nem para guardar pão.
São documentos extremamente frágeis, que entram com muita facilidade no mercado financeiro de empréstimos de bancos.
Jamais vamos acreditar que basta somente recorrer ao Poder Judiciário em disputas que relacionam posses de terras. Agimos de forma articulada com ações dos próprios movimentos, com as estratégias de resistência e de ação direta das próprias comunidades.
Muitas vezes também estamos ali para esclarecer que a resistência não está fora da lei, está em pleno direito. A defesa da posse, a ocupação do latifúndio improdutivo, é cumprir a Constituição, e não descumprir a lei.
Evidente que não vamos esperar do Poder Judiciário, que é o poder que menos mudou desde a Colônia até aqui. Quem são os juízes? São os filhos das classes detentoras de terras.
Conexão da ação jurídica com a ação direta
Muitas vezes vamos ter um viés criminalizante da advocacia popular.
Por exemplo, no caso de Graciosa, no Baixo Sul da Bahia, o juiz falou que as famílias quilombolas estavam promovendo a retomada de suas terras por orientação dos advogados. Que o problema ali eram os advogados.
Geralmente temos outras formas de fazer pressão sobre o Judiciário, junto com os movimentos, porque o Judiciário tem que prestar contas para a sociedade.
O povo do interior tem a sua fé também, sua forma de apelar para o divino. E falamos que isto é parte da luta. Tem essas dinâmicas também.
E quando o juiz é muito “escroto”, prá falar na linguagem popular, eu já vi comunidades até fazerem “queima do Judas”: “- Com esse cara aqui a gente não consegue nada. Vamos queimar ele!”.
A estrutura do Judiciário protege o latifúndio.Hoje em dia a Lei nem protege mais tanto. A gente tem o próprio Estatuto da Terra, que considera tanto o latifúndio como o minifúndio como dois modelos da propriedade da terra que devem ser progressivamente extintos.
E o Estatuto da Terra foi feito no governo Castelo Branco, na Ditadura, reagindo ao movimento anterior, evidentemente.
Caso consigamos uma acesso à Justiça, e essa é uma questão chave, a defesa técnica não é determinante, mas faz a diferença.
Quanto mais fragilizado está o movimento, está a comunidade, mais haverá uma necessidade do judicial.
A Reforma Agrária foi uma grande derrota na Constituição de 1988.
Porque foi colocada uma armadilha: não se desapropria terra produtiva. Sendo que a função social não envolve só produção, envolve respeito ao trabalho e respeito ao meio-ambiente.
Mesmo se a fazenda é produtiva, mas envenena o ambiente, desmata ilegalmente e explora o trabalho de forma ilegal, ela não cumpre sua função social. Por este critério dava prá desapropriar quase todas as propriedades rurais do país.
Os povos indígenas conseguiram pela primeira vez imprimir o Direito à Terra muito bem amarrado na Constituição.
Teve 3 pontos na Constituição atual que foram derrotas centrais: a Reforma Agrária, os meios de comunicação e a responsabilização dos militares.
Mesmo os pontos favoráveis, a gente precisa a luta social permanente para fazer que seja cumprida a Constituição.
Limites da política de assentamentos
A demanda social do povo sem terra no Brasil é sempre latente. Um país continental que vive com este flagelo. Nas periferias as pessoas acabam vivendo amontoadas, num país com as dimensões do Brasil é um absurdo.
A partir de 2010 começa haver um diagnóstico que a política de assentamentos não estava dando certo. Inclusive o Ministro à época falou que estavam se formando favelas rurais.
Muitas vezes os assentamentos foram feitos em terras de baixa qualidade. A desapropriação é o início de um processo que para dar certo é preciso que haja condições mínimas. Tudo isso sempre foi muito precário.
É muito fácil falar que uma política deu errado, e dizer que o problema está na política e não na forma como ela foi executada.
Ignorando todos esses aspectos que são tão necessários quanto a desapropriação, que são as condições de sobrevivência e as condições de produção.
Em 2013 tivemos um ano sem uma sequer desapropriação para a Reforma Agrária, pela primeira vez desde 1985.
Há desde 2013 uma tentativa de vincular a Reforma Agrária as políticas compensatórias. Ao invés de ser o movimento quem define a partir da luta os que serão assentados, passa a ser por edital.
Se passa a pensar em titular o lote daquele assentado, que não teve infraestrutura para produzir, justamente para que essa terra possa voltar ao mercado.
Em estados como Mato Grosso, Tocantins, Mato Grosso do Sul e Goiás, você tem a soja avançando nas áreas de assentamentos de agricultura familiar. E começando a arrendar, ou mesmo comprar, esses lotes.
Formosa do Rio Preto (BA)
Policiais militares estavam fazendo serviço particular prá grileiros de terra, estavam indo tocar fogo num curral numa área comunitária há décadas.
O juiz de lá foi preso. Os grileiros estão formando milícias para brigar entre si, formando exércitos particulares para disputar áreas de chapadão na bala.
Eles passaram anos comprando sentenças. Então muda o juiz, compra um, compra outro, compra o que vem. Os juízes dão decisões contraditórias.
Estão disputando terras públicas, terras que não foram concedidas em Sesmarias. A maior parte são de terras devolutas.
Por que as comunidades tem reagido? Elas vão apelas a quem? O juiz está preso!
As comunidades se colocam ao risco. Desarmaram os pistoleiros, que eram policiais. Colocaram prá correr antes que incendiassem as benfeitorias deles. Mas depois foram presos.
Essa comunidade tem mais de 1.000 pessoas. Eles invadiram à noite mais de 10 casas. Espancaram. Torturaram. Durante três dias seguidos.
Mas no fim resistem! Porque não tem outra opção.
O pessoal foi chamado prá Delegacia como autor de crime. E vítima foi o grileiro que estava lá contratando policiais prá queimar o curral deles.
Foram prá Delegacia como autores de crimes, defendendo a sua própria terra de invasores.
Correntina (BA)
A própria população ribeirinha se revoltou no vale do Rio Arrojado. Uma fazenda com mais de 50 pivôs centrais, bebendo em uma dia o que Correntina bebe em um mês.
Foi um marco histórico da ação direta do campesinato na História recente. Não foram ocupar. Foram parar a destruição de um rio.
Estima-se o prejuízo para a empresa em cerca de R$ 60 milhões. Até hoje não tem ninguém preso por essa ação. Luta de massas protege todo mundo, mas atividades pequenas expõe todo mundo.
A maioria dos relatos penais no Brasil se faz com base em relato policial. O caso de Correntina tem um contexto bem especial que foi o número de pessoas. Mais de 1.200 pessoas numa ação, que a rigor não teve lideranças.
Na época o agronegócio saiu com narrativas bem esdrúxulas sobre o fato. Diziam que foram financiados pelos norte-americanos, porque a fazendo era de um grupo japonês. Outros diziam que havia sido uma forte organização.
Quando foi feita a investigação houve uma pressão muito grande pela criminalização.
Tem um episódio que quando um dos ônibus transportando pessoas que participaram da ação, retornava para Correntina a Polícia Militar tentou prender os 40 passageiros.
Felizmente temos as Redes Sociais. Essa coisa tão ambígua. Ao mesmo tempo uma hiper-vigilância mas se tem também a possibilidade de comunicação rápida.
Nos avisaram. E num instante juntaram 200/300 pessoas. Se for levar preso, vai levar todo mundo. E aí eles tiveram que recuar.
Numa ação penal citando 200 pessoas é preciso especificar o que cada uma delas fez, para evidenciar o processo de criminalização.
É lógico que criminalizam mesmo assim. A prática é escolhem 6,7 ou 8 nomes e diz que são os líderes.
Porque sabem que quando o processo é coletivo a esse ponto, eles precisam ter pessoas citadas que abalam o moral da comunidade, diminuindo a sua disposição para a luta.
Mas a importância que esses territórios tem para as comunidades acaba falando mais alto, e as pessoas correm este tipo de risco.
Eldorado de Carajás
Infelizmente o país é o mesmo.
Do ponto de vista fundiário, o que tem havido nestes últimos 25 anos é maior concentração. O Brasil está aumentando a concentração fundiária. Parece que nem havia espaço prá isto. Mas tem sido a realidade.
Os latifúndios estão crescendo, tanto em número quanto em dimensão.
O dia de hoje, 17 de Abril, o Dia Internacional da Luta Camponesa é um dia de memória e luta. O massacre foi resultado de uma luta. Era uma marcha de trabalhadores sem-terra.
Foi um modo da elite brasileira dizer que há limites nas reivindicações na democratização do uso da terra.
Isso continua acontecendo todos os dias.
Na época houve uma repercussão muito forte. foi criado o Ministério relacionado à Reforma Agrária, que depois acabou se transformando no Ministério de Desenvolvimento Agrário. Se criou uma Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo. Intensificou a política de desapropriação de terras.
De fato, os companheiros e companheiras que caíram ali viraram sementes, e o movimento conseguiu avanços.
Infelizmente foram avanços muito passageiros. Já no segundo governo Lula, a reforma Agrária deixou de ser uma pauta da sociedade.
Porque tem isso também. A Reforma Agrária, ou a democratização do acesso à terra, enquanto for apenas uma demanda dos movimentos que lutam pela terra, ou a defesa das terras indígenas for interesse somente dos povos indígenas, muito dificilmente vamos conseguir avançar.
Naquele período havia uma certa consciência na sociedade brasileira, e da população em geral, de que a Reforma Agrária é necessária.
Isto apareceu lá antes do Golpe de 1964 de uma forma muito intensa. O Golpe de 1964 veio para interromper esse movimento, que havia um consenso na sociedade da necessidade da Reforma Agrária.
E do segundo governo Lula em diante a coisa se perdeu. E a Reforma Agrária saiu realmente de pauta, tanto do governo e da sociedade.
E agora estamos vendo a espoliação das terras tradicionais, das terras indígenas, o roubo das terras públicas. Uma ação violenta de roubo de terras.
Tem havido também vitórias muito significativas, como foi a de 2018 no STF. Estava prá cair o decreto que garantia a demarcação das terras quilombolas, o pessoal deu uma surra. Foi 10×1 no STF. Fruto de muita mobilização. O pessoal soube incidir no Judiciário.
As comunidades tem procurado avançar dentro da institucionalidade, mas não dá somente prá contar com ela. É preciso fazer a defesa da posse.
Precisamos de fato de uma política que ponha fim ao latifúndio. E também da polícia militarizada. Enquanto o Brasil não tiver uma resposta prá isso, não vai conseguir tratar de outras coisas importantes.
São duas emergências. O fim do latifúndio. E o fim da polícia militar que garante, em grande medida, a existência desse latifúndio.
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