Posted on: 15 de abril de 2021 Posted by: Teia dos Povos Comments: 0

* Por Valdivino Rodrigues, da Articulação Estadual das Comunidades Tradicionais de Fundos e Fechos de Pasto – Bahia.

Queremos tornar pública a posição das Comunidades Tradicionais de Fundos de Pasto da região Canudos, Uauá e Curaçá, mais algumas comunidades dos municípios de Juazeiro e Sento Sé, sobre o processo de regularização fundiária e ambiental de nossas áreas. Parte do processo que teve início em 2020 foi prejudicado pela pandemia da Covid-19. Já se passa mais de uma década, com pouca, ou quase nada, de regularização das terras, o que, ao nosso modo de enxergar, vem trazendo prejuízos irreparáveis para as já sofríveis comunidades. As grandes beneficiadas com esse atraso na regularização são empresas mineradoras que acossam e ameaçam diversas de nossas comunidades tradicionais para poderem pesquisar e explorar minérios.

O que são as comunidades de Fundos e Fechos de Pasto?

Posicionamento da Regional CUC – Sobre o CCDRU:

Os Fundos e Fechos de Pasto consistem num modo, ou jeito de ocupação tradicional dos seus territórios, fazendo o uso comunitário da terra e em espaços familiares, as famílias das Comunidades Tradicionais de Fundos ou Fechos de Pasto tem, entre as suas características peculiares, um grau de parentesco muito próximo. Nestas comunidades pode se observar que guardam em grande maioria as tradições trazidas dos seus antepassados.

As Comunidades de Fundos e Fechos de Pasto criam animais soltos na Caatinga e no Cerrado da Bahia. Há uma relação muito forte com a terra, tendo-a como sendo o seu território tradicional.  Desde a Constituição do Estado da Bahia de 1989, esse jeito de viver é reconhecido e seus territórios têm garantias asseguradas, mediante o Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU), (Artigo 178 e Parágrafo Único). Em 2013, com a Lei 12.910 de 11 de outubro de 2013, esse dispositivo Constitucional foi reordenado e definido a forma de contratação, além de estabelecer o prazo do CCDRU, que tem duração de 90 anos, podendo ser renovado por iguais e sucessivos períodos. 

Mesmo as lideranças da Articulação Estadual – movimento este que representa as Comunidades de Fundos e Fechos de Pasto – não concordando com o CCDRU, muito discutido entre o Estado e o movimento, não há na legislação outro instrumento disponível no tempo presente.

 Portanto, não há porque nos enganarmos, ou enganar as Comunidades, com desejos futuros. Também, não nos cabe ter um discurso inflexível e petrificado, pois a cada tempo que passa, as Comunidades se encontram mais vulneráveis e desprotegidas, por não terem um instrumento que lhes assegurem a defesa dos seus territórios. Tem situações que é preciso ceder em algumas posições, para avançar em outras que são urgentes. 

Considerando que o movimento não apresenta força política a ponto de mudar a legislação, em especial o referido dispositivo da Constituição do Estado e garantindo a tão desejada titulação definitiva de domínio das terras tradicionalmente ocupadas por essas Comunidades, essa consciência precisamos ter, até porque, por outro lado não percebemos interesse por parte do estado em alterar o Artigo 178 da CE de 1989 –  o que tem sido muito desgastante para as comunidades e dificultado a compreensão entre o Estado e o segmento das Comunidades Tradicionais de Fundos de Fechos. 

Entendemos, no entanto, que o instrumento (CCDRU), não impede de o Órgão de Terras da Bahia, (CDA) desenvolver as ações de regularização fundiária das áreas utilizadas de forma coletivas pelas Comunidades, até que se chegue a um entendimento sobre o conteúdo do instrumento de contrato de concessão de DIREITO REAL de uso. O que na compreensão das Comunidades de Fundos de Pasto da região, (Canudos, Uauá e Curaçá), não há mais o que se discutir. 

Por conta desse impasse, já se passa mais de uma década, com pouca, ou quase nada, de regularização das terras, o que ao nosso modo de enxergar vem trazendo prejuízos irreparáveis para as já sofríveis comunidades. Com o Edital da CDA de 2019 – que pelo qual se contratou quatro entidades para fazer atualizações de dados e informações de pouco mais de uma centena de áreas,  que não reconhecemos serem novas pelo fato de que se trata de áreas que já haviam sido medidas pelo próprio estado, inclusive com recursos de convênios e parcerias com órgãos públicos da união, a exemplo do então Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), assim como algumas poucas áreas que foram realizadas os mesmos procedimentos, através da CAR/FIDA/Pró Semiárido. 

É necessário destacar que as ações de regularização fundiária, até aqui realizadas pelo Estado a partir do esforço e pressão do movimento, que aconteceram até 2008, não representam desenvolvimento de uma política pública, uma vez que a questão fundiária jamais foi tida como política pública como já lembrei no parágrafo anterior. O que vimos foram arranjos para atender uma demanda apresentada pelo movimento, resultantes das mobilizações e ocupações, inclusive conjuntamente com outros movimentos sociais. (MST, CETA, MPA, Sindicatos, Federação de Trabalhadores Rurais……..).

Essa breve introdução é para tornar pública a posição das Comunidades Tradicionais de Fundos de Pasto da região Canudos, Uauá e Curaçá, mais algumas comunidades dos municípios de Juazeiro e Sento Sé. Que pela razão de que a CAR/SDR e pelo programa Pró Semiárido ter dado início ao trabalho de regularização fundiária e ambiental, no ano de 2020, e por consequência da pandemia da Covid-19, esse trabalho ficou prejudicado. Estamos vendo agora neste segundo trimestre de 2021 uma forma de retornar, com a possibilidade de regularizar de início 120 (cento e vinte) novas áreas das Comunidades já reconhecidas e Certificadas pelo estado, através da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial – SEPROMI. 

Outrossim, tornar de conhecimento público que a condição para que essas ações se realizem será ao final a celebração do instrumento de Concessão de Direito Real de Uso, o que ao nosso entendimento garante mais poder de defesa dos territórios, por parte das Comunidades, por três gerações, que pode ser prorrogado por iguais períodos e por não vislumbrar, nem a curto, nem mesmo a médio prazo, possibilidade de que as nossas comunidades tenham definitivamente a titulação do domínio das terras tradicionalmente “OCUPADAS”. “Não é pessimismo, é compreensão da realidade”!

Por fim, que todas as regiões onde está presente, a Articulação Estadual das Comunidades Tradicionais de Fundos e Fechos de Pasto na Bahia tomem conhecimento do posicionamento da região Canudos, Uauá e Curaçá (CUC), que na expressão popular está vendo “o cavalo com a cela passando” e não é admissível deixar a oportunidade se perder. Serão 120 (cento e vinte) áreas a serem regularizadas. A princípio, posterior a essas, poderemos construir um diálogo com os gestores do programa ou, por outros meios, a fim de que mais comunidades venham a ser beneficiadas Por enquanto, lutemos por uma política efetiva de regularização fundiária.

É importante frisar que as nossas comunidades estão desassistidas, desprotegidas e esperando em muitos casos por quem está à frente do debate, das discussões e das tomadas de decisões. Temos a responsabilidade de trazer respostas objetivas e práticas. O nosso povo não tem mais paciência e o desgaste das principais lideranças é cada vez mais óbvio. 

É esta a nossa posição, enquanto regional – Canudos, Uauá e Curaçá. Observem que com isso, jamais queremos induzir a qualquer outra região, ou comunidade a seguir ao mesmo posicionamento, até porque “quem sabe o tamanho da dor é quem a sente”. 

Porque mineração aqui?

Essa é a pergunta feita por todas as comunidades tradicionais pelos interiores do estado da Bahia, principalmente às comunidades de fundos de pasto, quando se deparam até de forma inesperada por empresas e/ou pressupostos de empresas de mineração, em casos que já surgem assediando e ameaçando as comunidades com tentativas de invasões aos territórios comunitários com instalação de sondas para pesquisas, pressionando as comunidades para que concedam autorização para essas pesquisas e ameaçando lideranças e quando há resistência das comunidades. Junto a tudo isso, as grilagens das terras por parte de terceiros com a intenção de se apropriarem indevidamente dos territórios das comunidades, para posteriormente passarem para as empresas mineradoras.

Em outros casos, o artifício da força policial, a força do Estado, é utilizada para intimidar as lideranças, como é o caso de uma visita de supostos representantes de uma determinada empresa de mineração, isto na Comunidade de Rio do Rancho, Município de Uauá (BA), de uma hora para a outra receberem a indesejável visita de tais representantes de uma empresa que ameaçavam entrar nas áreas para realizar pesquisa e quando lhes foram negada a permissão por parte dos posseiros e lideranças, ameaçavam retornar com a polícia federal, o que não aconteceu até o momento,  como relatam as lideranças da comunidade comunitárias.

“Um buraco só será. O Município de Curaçá”. 

Com 83% (oitenta e três por cento) do território mapeado para a mineração, o Município de Curaçá será um buraco só. É o que mostram diversos estudos que apontam o avanço da exploração mineral no Município, algo que preocupa muitas Comunidades Tradicionais de Fundos de Pasto que veem seu futuro e a permanência nos seus territórios ameaçados por empreendimentos minerários, que pela ganância do lucro acima da vida, não consideram a existência das Comunidades Tradicionais, seus modos de ser, viver e fazer e que historicamente vem cuidando do ambiente onde habitam, produzindo de forma sustentável, preservando seus biomas, Caatinga e Cerrado.

No Município de Curaçá, a exploração mineral tem trazido muita insatisfação às Comunidades, haja vista a luta pela defesa das terras, das quais estas comunidades dependem e necessitam muito para a manutenção da sua sobrevivência. A criação de caprinos, ovinos e os pequenos rebanhos bovinos, soltos nas caatingas, reflete o quanto esses espaços são importantes para as Comunidades. Daí surgem as mineradoras que, sem acordo nenhum com as comunidades, passam a explorar esses ambientes – tradicionalmente ocupados e coletivamente utilizados. O que fica são os impactos sociais e ambientais, como doenças respiratórias por conta da poeira, contaminação do ar, das águas, dos solos. 

Muitos transtornos são os resultados da mineração para as comunidades tradicionais. Situações muito visíveis nas comunidades onde a mineração atua e deixa os rastros de destruição.

Destaque para as Comunidades Tradicionais de Fundos de Pasto Esfomeado e Vargem Cumprida, que vêm resistindo às constantes investidas da Empresa Mineração Caraíba Metais S/A, que teima em instalar suas sondas de pesquisas nas áreas destas Comunidades. Áreas estas que a Coordenação de Desenvolvimento Agrário do estado da Bahia (CDA) realizou Ação Discriminatória Administrativa, e considerou que se trata de terras públicas estaduais rurais e devolutas, somando-se com uma fazenda denominada de Mari, que não fora apresentado documento nenhum dessa propriedade, que na discriminatória foi identificada como terras públicas. 

Essa Ação Discriminatória, em 2019, foi ajuizada pela Procuradoria Geral do Estado (PGE) e corre na justiça de Curaçá. em decisão preliminar, a juíza suspendeu as matrículas da Fazenda, por compreender que são falsas. Contudo, a empresa de mineração permanece pressionando e ameaçando as Comunidades, para que estas lhe autorizem a pesquisa e certamente a exploração da área. 

Em plena pandemia da Covid 19, essa empresa vive insistindo por reuniões presenciais, com o pretexto de coletar assinaturas dos moradores destas localidades, como se fosse a legitimação, ou autorização para, uma vez que esta não tem licença ambiental para desenvolver pesquisa e nem para explorar minério em territórios de Comunidades Tradicionais. 

Ou seja, nem mesmo se é observado o direito à Consulta Livre, Prévia e Informada – um importante instrumento de defesa dos Povos e Comunidades Tradicionais. “Um direito de os Povos e as Comunidades Tradicionais serem consultados, de forma livre e informados, antes de serem tomadas decisões que possam afetar seus bens ou direitos, ou a chamada obrigação estatal de consulta foi assegurado pela primeira vez, em âmbito internacional, em 1989, quando a Organização Internacional do Trabalho  (OIT) adotou sua Convenção de número 169”. O direito a ser consultados quando algumas decisões lhes afetem, previsto no Art. 6º do referido tratado internacional, não é respeitado por estes empreendimentos e muito menos pelo estado

Estes fatos envolvendo os empreendimentos minerários vêm se intensificando por todas as regiões, como se o território baiano estivesse entregue a grupos exploradores dos solos e subsolos, o que traz forte preocupação para as Comunidades Tradicionais. Temos outros exemplos que poderiam ser relatados, aqui: Na comunidade de Pedra Branca, no Município de Jeremoabo, a empresa MN Mineração se apropriou do único equipamento público que servia à Comunidade, um poço artesiano, perfurado e instalado pelo estado, através da CERB, que a abastecia. A empresa se apropriou indevidamente, deixando a comunidade sem acesso a água.

Outro exemplo: Em Uauá, a empresa Ferbasa, que já havia explorado áreas na região de Santana, próximo a nascente do Rio Vaza-Barris, deixando enormes buracos, que são utilizados para ocultar crimes de roubos e descartes de objetos duvidosos. Esta mesma empresa volta a ser uma ameaça para as Comunidades da região. 

Outra empresa que vem explorando de forma clandestina áreas na região do Caldeirão do Almeida, supostamente para a indústria de tintas, chega assediando e pondo em risco a permanência das Comunidades nos seus territórios, com promessas insignificantes que não resolvem a situação de necessidade das Comunidades, que herdarão os prejuízos socioambientais. O mais grave de tudo é que tem o apoio e o incentivo da gestão pública municipal.

Enquanto o estado é negligente diante de tamanhos absurdos praticados por essas empresas do setor de mineração, fechando os olhos para os crimes por estas cometidos, as Comunidades tentam resistir, denunciando tais desmandos e cobrando do estado que invista em políticas de regularização fundiária e ambiental, de modo a garantir a estas comunidades a permanência nos seus territórios e que não sejam incomodadas por estes empreendimentos. É necessário e urgente que se cumpram os mecanismos legais de proteção da vida humana nestes territórios das Comunidades Tradicionais, onde a vida de fato, esteja acima do lucro.

Valdivino Rodrigues à Teia dos Povos,

Março de 2021.

= Mineração, aqui não =

“Fundos e Fechos de Pasto, Tradição e Luta”

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