Por Neto Onirê
Irmão e irmãs, boa noite!
Esse foi um ano difícil.
Perdemos mais de 190 mil pessoas pela covid-19, associado ao plano genocida do atual presidente e seu governo de morte, nossas florestas foram queimadas com números recordes, cerrado sendo destruído e o Pantanal sendo destruído.
E de fato a boiada passou enquanto chorávamos nossos mortos pela pandemia, pela polícia e ou por seguranças do Carrefour.
Esse também foi um ano eleitoral, um ajuste entre os senhores de engenho para decidir quem chefiaria a maior parte do país.
Alguns dos nossos tentaram disputar mas sem sucesso. E os que galgaram êxito no pleito terão que adaptar-se para tentar existir.
Escrevo como quem caminha devagar, embora tenha pressa, e percebeu que caso corresse demais cansaria e não chegaria ao destino.
Ao caminhar devagar consigo olhar para o caminho trilhado com calma. E olhar para frente sem medo da distância a ser percorrida. Afinal, o que eu já andei prova que sou capaz!
O ano de 2020 é justamente essa caminhada. Não devemos temer o ano que virá. E devemos olhar para trás e compreender que somos capazes de ir adiante, de dar o outro passo e um passo de cada vez.
Cada um de nós que está nessa jornada traz marcas do que foi esse ano, do que é a vida sob a égide do capitalismo, com suas manifestações machistas, racistas, homofóbicas e todas as outras que são inerentes e necessária para sua dominação.
Dizendo isso quero afirmar: QUE EXISTE ESPERANÇA! QUE NÃO ESTAMOS SÓS!
E que todos temos tarefas para que essa esperança possa criar raízes e frutificar.
Esse não foi um ano apenas de coisas ruins. Como dizia meu bisavô “os bons são maiores mas os ruins faz mais zoada”.
Houve grande lutas. E por grandes não considere o tamanho da ação mas a importância dela para autonomia do povo e do território.
Não se assustem se um mutirão para plantar roça de feijão tiver a mesma importância que uma retomada. E, se me permitem um conselho, para fazer uma grande luta primeiro façam uma grande roça de comida, assim não precisaremos temer o resultado.
Nós não devemos cair na armadilha do tempo. O tempo do relógio, dos anos, meses, semanas, dias, horas e segundos, está a serviço do Capital.
Isso mesmo! E de maneira prática te envolve, limitando sua criatividade e disposição para construir o novo.
E aqui vai outro conselho do meu bisavô: “não existe nada de novo que eu já não tenha visto”.
O tempo capitalista diz que a criança é incapaz por ser muito nova, o experiente é muito velho e o jovem está sem tempo porque precisa ganhar dinheiro.
Olhem como nunca temos tempo para a luta, como o fim de um ano parece que põe fim aos problemas, como os períodos de mudança são apenas de dois em dois anos – no período eleitoral.
Pois bem, irmãs e irmãos, esse tempo não nos pertence. Nossa existência é da ancestralidade. Um longo fio de existência que se liga, seja numa visão do povo preto ou dos povos indígenas. Nesse tempo, espaço e território se encontram.
É por isso que eu como o que é da estação, eu planto na lua propícia, tiro madeira no escuro, durmo junto com as galinhas e acordo no cantar do galo.
Não! Não é uma visão romântica da vida na terra, no campo, mas a necessidade tática de religar, de construir o reencontro do homem com sua natureza coletiva.
Todas as mazelas que vivemos são culpa do capitalismo!
E ele só conseguiu se impor por ter rompido nossa relação com a terra, o território e o coletivo. Ele conseguiu arrancar nossas as raízes, rompeu a ligação com a natureza e transformou tudo em mercadoria, desde a água ao ar.
A geração desse tempo está flutuando, solta, perdida e aglomerada nas favelas, encaixotada em barracos, morrendo pelo vírus, que encontra imunidades debilitadas pela má alimentação ou falta dela.
Por isso nosso tempo, irmãs e irmãos, é o da religação.
O que a Teia dos Povos propõe é a religação com a terra e o território.
E a libertação da terra do jugo do agronegócio, para libertar nosso povo da favela e da miséria. Não haverá religação sem termos terra e território.
Retomar a terra é dar um passo a frente, é criar raízes. É tornar possível uma existência plena de sentido, pois na terra teremos trabalho, moradia, comida. E consolidando o território construiremos nossas escolas, hospitais e o que for necessário.
Concluo com mais um conselho do velho Permino, meu bisavô: “pedra que muita rola não cria limo”.
E por isso é chegada a hora retomar o que nos permitirá criar limo, criar raízes, tranquilizar a mente e aquecer o coração.
É tempo de marchar para a terra!
Neto Onirê Sankara
Conselheiro da Teia dos Povos, liderança na Brigada Ojefferson, que reúne 10 comunidades de trabalhadores rurais na região sul da Bahia