Posted on: 23 de junho de 2025 Posted by: Teia dos Povos Comments: 0

Na cabeceira do rio Umburanas, afluente do Rio Itanhaém, no território sagrado do povo Maxakali no município de Bertópolis – Minas Gerais, quase divisa com a Bahia, entre os mais diversos cantos de diferentes povos, entre os mais diversos conhecimentos, a responsabilidade com as sementes crioulas, com a biodiversidade e com a soberania alimentar mais uma vez, foi firmada.

Durante a I Pré-Jornada de Agroecologia do território Tikmu’un, houve a partilha de sementes crioulas entre os territórios representados no evento, momento de muita troca e alegria após dias de plantio. Ali foi estabelecido o compromisso com as sementes, entendendo-se a necessidade de construção do compartilhar e de se recuperar as sementes para que estas possam voltar aos seus territórios originais.

Para os Tikmũ’ũn (Maxakali), essa luta é uma questão de sobrevivência. No último século, viram seus alimentos tradicionais desaparecerem sob o fogo dos fazendeiros e a ganância do agronegócio. Seus mais velhos ainda lamentam a perda de variedades que alimentaram gerações, mas também carregam a esperança de resgatá-las. Como “filhos da terra”, sabem que a cura para o território devastado está no retorno das sementes ancestrais, no replantio das roças e na reconstrução da floresta. E é nessa reconquista que a Teia dos Povos atua, transformando cada grão guardado e compartilhado em um ato de resistência.

Durante a partilha das sementes, Mestre Joelson reafirmou a importância destas para a soberania dos territórios: “A semente é a vida, e o povo entende: por maior que a fome seja, se sabe que ali, na semente, está a vida, pois quando chover ela dará comida.” Foi reafirmada, então, a necessidade de preservação das sementes como meio de libertar os territórios da dependência de grandes empresas do setor agroquímico, detentoras do monopólio da indústria de sementes e do pacote químico que as acompanha.

Suas palavras ecoam a urgência de romper com o monopólio das grandes empresas, que transformam sementes em mercadoria e escravizam os povos aos pacotes de veneno. A Teia dos Povos resiste a isso com uma rede viva de trocas, onde as sementes circulam como herança coletiva, não como produto.

A semente é a continuidade da vida. E a vida vivida em partilha com todos os seres é o nosso horizonte, assim como é a nossa tradição. Por isso, a revolução brasileira será preparada com as coisas mais simples: o cuidado das sementes, o cuidado com o coletivo e com nós mesmos.

Nos primeiros seis meses de 2025, a Rede de Sementes da Teia dos Povos Núcleo do Assentamento Terra Vista já fez circular variedades de milho, feijão, mandioca e outras sementes crioulas por territórios de resistência em todo o país. As sementes produzidas no Assentamento Terra Vista (BA), sob os cuidados do Mestre Guardião Valmir, viajaram para:

Aldeia Serrana, no plantio do Cacique Fumaça

Plantio do São João (Escola Milton Santos, BA)

Água Preta (BA), agricultores familiares tecendo agroecologia;

Assentamento Claudomiro Dias Lima (BA)

Território Payaya (BA), povo originário reflorestando seu chão sagrado;

Comunidade Volta do Américo (BA), retomando cultivos ameaçados pelos transgênicos;

Assentamento Baixa Verde (Eunápolis, BA), juventude plantando futuro sem agrotóxicos.

Quilombo Lagoa Grande

V Feira Nacional da Reforma Agrária começou hoje no Parque Água Branca em São Paulo

Terra Indígena Tenondé Porã  aldeia Kalipety (SP)

Aldeia Mata Verde Bonita (Tekoa Ka’aguy Hovy Porã), em Maricá

I Pré Jornada no Território Maxakali

Cada grão que chega a essas terras é um passo na reconstrução da autonomia. Como disse Joelson no encerramento da Pré jornada no território Maxakali:

“Recomeçar é entender o valor da semente, da terra e do território. Só assim recuperamos o que foi destruído.”

Para a Teia dos Povos as sementes são o fundamento do processo revolucionário, tendo a terra e alimento como princípio filosófico e de vida, que se constrói através da solidariedade irrestrita aos movimentos pela defesa da territorialidade.

A Teia dos Povos cultiva uma revolução silenciosa, feita de gestos simples: plantar, guardar, doar. As sementes crioulas são memória viva, carregando o saber dos avós e a promessa de colheitas futuras. Elas garantem autonomia, pois quem tem semente própria não mendiga comida nem veneno. E trazem esperança, pois mesmo em tempos de seca ou cercos do capital, a vida persiste em cada broto que rompe a terra.

O caminho é compartilhar. Como as sementes do Bem Virá, que já cruzaram três estados, ou as mudas que renascem nas mãos dos Tikmũ’ũn, a rede cresce porque é feita de mãos que se estendem sem medo. Essa é a essência da Teia: uma trama de povos unidos pela certeza de que nenhuma semente deve ficar presa num cofre, e nenhum povo deve ficar sem seu direito de semear o próprio futuro.

As sementes representam o começo e também o recomeço. Com seu poder de multiplicação, as sementes crioulas – diferentemente das sementes da indústria agroquímica – significam autonomia para os territórios. É sagrada a tarefa da guardiã de sementes: plantar, colher, selecionar, secar, guardar e compartilhar as pequenas notáveis capazes de garantir a alimentação de comunidades inteiras. Não só isso – e aqui jaz a maior beleza: garantem também a possibilidade de seguir alimentando por gerações e mais gerações. Tarefa que torna a semente cada vez mais adaptada e resistente às condições do território, dispensando, assim, o uso de veneno. Que possibilita a próxima safra, dispensando a compra de sementes do agronegócio que nos aprisiona e nos mata. As sementes são talvez o maior símbolo de resistência (e rebeldia!) que temos. Sigamos compartilhando, difundindo, dispersando e semeando, de grão em grão, a revolução. 

Enquanto houver sementes circulando, haverá resistência. E enquanto houver resistência, haverá vida.

É como diz Contra Mestre Montanha, só se senta debaixo dessa sombra, quem um dia cuidou da semente.

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