Posted on: 8 de fevereiro de 2023 Posted by: Rafique Nasser Comments: 1

Por Divisão de Comunicação da Teia dos Povos

Entre os dias 30 de janeiro e 3 de fevereiro uma grande congregação de povos e comunidades tradicionais, movimentos sociais e organizações políticas, trabalhadores rurais e urbanos, estudantes, educadores, artistas, comunicadores populares e líderes espirituais foi situada na comunidade pesqueira e quilombola Conceição de Salinas, no recôncavo baiano. Na VII Jornada de Agroecologia da Bahia, que aconteceu à beira do mar da Baía de Todos os Santos, confluente com o Rio Paraguaçu, foram dialogados tópicos que se inscrevem no tema “Lutar por Terra, Território e Água; Fortalecer (R)Existência e Defender o Modo de Vida Tradicional e Ancestral”.

Cacique Juvenal Payayá, anfitrião da VI Jornada de Agroecologia da Bahia, que aconteceu em 2019 nas terras do povo Payayá de Utinga, entrega uma muda de barriguda para uma liderança da comunidade pesqueira e quilombola Conceição de Salinas, anfitriã da VII Jornada, como símbolo da importância do evento no firmamento da unidade entre os povos

O encontro recebeu milhares de pessoas que participaram de uma programação que se estendeu desde os Círculos de Diálogos, guiados por debates que consolidam a Terra e o Território como centrais no contexto das emergências sociais dos tempos atuais, até às oficinas práticas sobre diversos fazeres e saberes tradicionais e apresentação de trabalhos científicos.

Durante todos os dias funcionou a Feira dos Povos, que é um espaço de comercialização de artesanatos, produtos fitoterápicos e alimentos agroecológicos produzidos nas comunidades.

Os Círculos de Diálogos, sempre iniciados pelas místicas dos povos, são espaços de conversa e troca de saberes. Em todos os dias da programação plenárias circulares foram montadas e os convidados se incluíram nas rodas para tratar sobre os temas propostos e contar as experiências das suas comunidades ou organizações, bem como para refletir propositivamente sobre os dilemas sociais, políticos e ambientas da conjuntura nacional e global. As conversas passaram por eixos temáticos que envolvem a proteção das águas, ancestralidade e diversidade religiosa, autonomia financeira, comunicação, soberanias e sementes nativas-crioulas – temas fundamentados no mote da Terra e do Território.

“A decisão de trazer a VII jornada de agroecologia para esse território foi impulsionada pela força da juventude e pela força das mulheres, e mais: pelo acolhimento dos outros territórios”, disse Elionice Sacramento, liderança de Conceição de Salinas e uma das anfitriãs da Jornada, fazendo referência à união dos núcleos e elos da Teia para a construção do encontro.

 Com cantos, danças e rezas, as místicas iniciam as discussões na VII Jornada de Agroecologia da Bahia. 

A VII Jornada também recebeu delegações das Teias de outros estados da federação. Pela primeira vez, as Teias da Bahia, Ceará, Maranhão, São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Minas gerais se encontraram para alinhar uma agenda comum de ações.

PROTESTO

Logo no primeiro dia da Jornada, os participantes foram surpreendidos por um protesto dos moradores de Encarnação, distrito vizinho à Conceição de Salinas, que pedia justiça pelo assassinato do pescador Josias de Jesus. Em solidariedade, uma delegação da Teia dos Povos se juntou aos familiares, amigos e conterrâneos de Josias no protesto, que bloqueou um trecho da estrada da localidade e somente terminou quando o corpo do jovem foi liberado para o velório e enterro.

Na dia seguinte, após a prisão do assassino, parentes do jovem falaram à plenária sobre o caso. Os familiares manifestaram agradecimento ao apoio e solidariedade que receberam dos povos presentes.

DIA DE YEMANJÁ

No dia 02 de fevereiro, os núcleos, elos e demais participantes da VII Jornada se juntaram ao tradicional cortejo de Conceição de Salinas em celebração à Yemanjá. Saindo da Casa do Pescador, a Teia dos Povos circulou pela localidade entoando cânticos e depois entregou os seus presentes e oferendas em louvor à Mãe das Águas.

A defesa das águas, dos manguezais, da pesca artesanal e da mariscagem foram pautas levantadas na festa. Os povos indígenas, com seus maracás, se juntaram aos tambores do povo preto nessa celebração de espiritualidade, ancestralidade e luta pela proteção dos territórios pesqueiros e quilombolas.


ESPAÇOS AUTO-ORGANIZADOS

Uma novidade nesta Jornada foram os chamados Espaços Auto-Organizados das mulheres, dos homens e da juventude.

No Espaço Auto-Organizado das mulheres e dos homens se discutiu os efeitos nocivos do machismo e do patriarcado nas comunidades. A conversa foi conduzida pela Mestra Nádia Akawã Tupinambá, mulher-medicina e educadora popular, e pelo Cacique Ramon Tupinambá, liderança do povo Tupinambá de Olivença e também educador.

Já no Espaço Auto-Organizado da juventude, conduzido por uma comissão de jovens dos núcleos e elos da Teia, foram discutidos temas pertinentes às vivências dos mais novos na construção da luta por Terra e Território juntos aos seus mais velhos, bem como a necessidade da mocidade assumir tarefas na organização das suas bases. Na ocasião, artistas e poetas se apresentaram.

EDITORA DA TEIA DOS POVOS

Na VII Jornada de Agroecologia da Bahia foi possível inaugurar presencialmente a editora da Teia dos Povos, que já atua há dois anos reverberando as palavras dos nossos mestres e mestras de forma autônoma.

Funcionando junto à Feira, a editora expôs e comercializou o seu catálogo no encontro. Os livros “Por Terra e Território: Caminhos da Revolução dos Povos no Brasil”, do mestre Joelson Ferreira e Erahsto Felício, “Escola da Reconquista”, da mestra Maria Muniz, e “Saberes dos Matos Pataxó”, da Mestra Japira Pataxó, foram lançados em um bate-papo entre os autores.

TERREIRO LÚDICO

Em paralelo aos Círculos de Diálogo e demais espaços da programação da VII Jornada, funcionou o Terreiro Lúdico. Nesse espaço, organizado para as crianças, aconteceram atividades pedagógicas que trabalharam identidade, educação agroecológica e o lúdico como mecanismo de valorização dos saberes populares, utilizando diversas modalidades artísticas e brincadeiras.

TROCA DE SEMENTES NATIVAS-CRIOULAS

Com o objetivo de partilhar as variedades cultivadas entre os povos, houve um momento de trocas de sementes nativas-crioulas. Nesse espaço, as comunidades dispunham no centro da plenária sementes trazidas dos seus territórios e dialogavam sobre as melhores práticas de cultivo e as necessárias condições climáticas e de solo para cada espécie.

CARTA

Ao final do encontro – que, na realidade, não se encerra, mas reverbera em ações nas comunidades – foi compartilhada uma carta escrita por muitas mãos. O documento analisa a conjuntura, encaminha uma série de tarefas a serem realizadas coletivamente, traz à memória as lutas pela independência da Bahia ocorridas há 200 anos, protagonizada por uma aliança entre o povo preto e os povos originários, e faz um chamamento contra o latifúndio, o agronegócio e a fome no Brasil.

“Neste momento em que assume um novo governo, em torno do qual se gera enorme expectativa, em nosso exercício coletivo de reflexão, também pudemos ouvir com atenção nossos mais velhos e nossas mais velhas, que nos alertaram para a necessidade de não construirmos um novo ciclo de ilusões em nossas mentes e corações. A constante aliança com o latifúndio e o capital que tem sustentado todos os governos neste país em cinco séculos nunca nos deu e nunca nos dará de forma plena o que é mais fundamental: terra e território – liberdade e dignidade”, diz um trecho do documento.

Um ritual com cantos sagrados do povo Fulni-ô fechou a programação da VII Jornada de Agroecologia da Bahia – uma congregação de povos em luta guiados pela ancestralidade conectada com a Mãe Terra.

Em breve, no site da Teia dos Povos, divulgaremos uma galeria com registros fotográficos dos mais variados momentos, pessoas e espaços da VII Jornada de Agroecologia da Bahia , como as cozinhas coletivas, rodas de capoeira, acampamentos, caravanas, rituais, rodas de conversa, oficinas, movimentos sociais que marcaram presença e convidados e convidadas das mesas.

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