Posted on: 14 de fevereiro de 2022 Posted by: Teia dos Povos de São Paulo Comments: 0

Em Lagoinha, município da região do Vale do Paraíba, o MST trava uma luta desde 2010 contra a elite latifundiária paulista, materializada na ocupação dos mais de 1.600 hectares da Fazenda Bela Vista, arrendada pela família Saad, donos do canal de televisão Bandeirantes. Com uma longa história de resistência pela ocupação da área, as famílias do Pré-Assentamento Agroecológico Egídio Brunetto são herdeiras de uma trajetória de luta na região e diante da inércia do Estado e do Incra na regularização da posse da terra, sofrem com a incerteza da permanência na área, ainda que ela já tenha sido declarada de interesse para reforma agrária e com ataques dos antigos proprietários da área.  Mesmo nesse contexto, hoje podemos vislumbrar o que pode se tornar um latifúndio nas mãos daqueles que trabalham e vivem da terra, a partir da transformação dessa terra que antes era um pasto degradado em agroflorestas.

Desde a invasão portuguesa, o Vale do Paraíba é palco de luta dos povos indígenas, caiçaras e quilombolas. A Confederação dos Tamoios uniu os povos originários do sertão, Vale, Planalto e do Litoral em uma guerra que impôs diversas derrotas a colonização portuguesa e se inseriu em uma luta mais ampla dos Tupinambá que foi capaz de defender os territórios da região do projeto colonial em mais de 70 anos. A colonização do Vale se deu pela ação dos bandeirantes que perseguiram os povos da floresta que jamais deixaram de lutar por terra e território. Estas terras também foram rota do contrabando de ouro de Minas Gerais até o litoral norte de São Paulo, bem como rota do tráfico interno de pessoas escravizadas. A região já foi importante centro econômico que serviu a acumulação de capital dos barões do café e suas monoculturas que escravizaram pessoas e derrubaram florestas O escoamento do café da região passava pelo território caiçara, era enviado para Santos ou Rio de Janeiro pelos portos de São Sebastião, Ubatuba e Paraty. Mas os povos de África lutaram por liberdade e terra para se aquilombar formando comunidades no litoral, na serra e serra acima, e que hoje permanecem em seus territórios tradicionais e apontam para um outro mundo possível. 

Com o deslocamento do capital cafeeiro para o oeste paulista em 1860, houve forte queda da produção da região, deixando como legado diversos campos degradados, onde, sem manejo, não nasce nem capim braquiária. Por volta de 1940 o Vale é novamente integrado ao circuito de acumulação de capital das elites paulistas com o processo de industrialização da região. Mas quem pensa que a industrialização é inimiga do latifúndio está errado. De fato, o Vale tornou-se um pólo siderúrgico e até aeronáutico, mas isso concentra-se em um pequeno espaço nos arredores de São José dos Campos. Os “mares de morros” do Vale continuaram sendo latifúndios nas mãos dos herdeiros da colonização, e, assim, a luta de indígenas, quilombolas e caiçaras converge nos dias de hoje com a luta dos trabalhadores do campo e da cidade pelo fim do latifúndio e pela coletivização das terras, pela formação de territórios de resistência.

Tainara e John explicam como realizar canteiros de quedas em nível no lote Nhandereko (Nosso modo de ser e viver)

Produção, Escoamento e Educação

A produção agroecológica no Pré-Assentamento Egídio Brunetto vem se consolidando ao longo dos últimos anos. Nos SAF (Sistemas Agroflorestais) que estão despontando já temos hortaliças, legumes, verduras e frutas de ciclo mais rápido. Também já existem pomares em formação e alguns já produzindo. No último ano a comunidade de agricultores/as lidou com geadas e incêndios que causaram danos à produção e ao bioma como um todo, assim, foi formada uma brigada de incêndio para conter os focos principalmente nos períodos de seca, do fim de maio até setembro.

As sementes crioulas cumprem um importante papel nesse processo de restauração ecológica e produtiva. As agricultoras e agricultores do Egídio multiplicam e conservam estas sementes, como o milho crioulo Palha Roxa, além de trabalharem também com a coleta de sementes para reflorestamento de áreas degradadas. As famílias sem-terra também já produzem mel e derivados, como o própolis, além de leite, queijo e requeijão. Essa produção é comercializada pelos assentados principalmente por meio de feiras que ocorrem nas cidades de São Luíz do Paraitinga, Taubaté, Ubatuba, Caraguatatuba e Ilhabela. Mas cabe aos trabalhadores da cidade assumirem a tarefa de organizar grupos de consumo, grupos de compra coletiva e CSA (Comunidades que Sustentam a Agricultura) como forma de apoiar a estruturação produtiva do assentamento e garantir o acesso do povo a alimentos sem veneno e sem exploração.

Mutirão de implantação do SAF Neusa Vive no Lar de Pesquisas Agroecológicas Abacateiro

Além da produção de alimentos a comunidade local luta por educação, desde o acesso facilitado das crianças ao transporte escolar de forma mais imediata, até a construção de uma escola rural que atenda as especificidades do Assentamento. Por outro lado, a práxis da educação pulsa no território, cada SAF e roça, cada cozinha, cada reunião e mutirão são espaços onde as pessoas educam a si mesmas e libertam-se em comunhão.

A estrutura da antiga sede da Fazenda Bela Vista está dando lugar ao sonho da Escola Popular de Agroecologia Ana Primavesi, uma escola que não se acaba em quatro paredes, que estará enraizada no território e que deverá responder às necessidades da classe trabalhadora no campo e na cidade, e dos povos da floresta e do mar. Para isso, o Pré-Assentamento Egídio Brunetto conta com a ação popular, especialmente de profissionais da educação, que possam apoiar essa construção. Se puder contribuir entre em contato.

Mutirão de reforma e limpeza da biblioteca da Escola Popular de Agroecologia Ana Primavesi

A Escola Popular de Agroecologia Ana Primavesi realizou duas Semanas de Agroecologia do Vale do Paraíba com os temas “Agricultura Autossustentável” em 2018 e “Seminário Popular em Defesa das Águas” em 2019. Ação paralisada com a pandemia, e que deve ser retomada. 

Neste ano, 2022, o Coletivo Agroecologia e Resistência está organizando Vivências Agroecológicas Sem-Terra mensais com a finalidade de criar espaços de trocas, onde os visitantes irão conhecer o movimento e a agroecologia na prática, ao mesmo tempo em que podem se estabelecer redes entre o campo e a cidade. A primeira Vivência ocorrida nos dias 15 e 16 de janeiro teve como tema a importância da agroecologia para o assentamento e a implementação de um SAF, a segunda edição o “Carnabarro”, que ocorrerá nos dias 25 de fevereiro a 1 de março, terá como tema a Bioconstrução, as inscrições podem ser feitas aqui: https://qrco.de/bcjYAL 

Tecendo a Teia

A articulação da Teia dos Povos em São Paulo inclui a luta dos/as camaradas do Egídio Brunetto na composição dessa rede de resistência. O Pré-Assentamento enviou uma delegação para a 1ª Pré-Jornada de Agroecologia, realizada em novembro de 2021, e desde então estamos em articulação construindo ações dialogadas para tecer a teia e a estruturação do território. As pessoas que compõem o Elo de Soberania Alimentar da Teia em SP estiveram presentes na implantação do SAF Neusa Vive no Lar de Pesquisas Agroecológicas Abacateiro em janeiro, onde a família da Daniele e Igor produzem vida; No mutirão de abertura de estrada até a área Nhandereko, onde a família da Tainara e John cuidam da terra, vivem e cultivam. E, por fim, no mutirão de limpeza e reforma da biblioteca da Escola Popular de Agroecologia Ana Primavesi.

Quer apoiar a luta do Pré-Assentamento Egídio Brunetto? Fique de olho nos nossos chamados para participar das futuras ações e mutirões.

E diga ao povo que avance.
AVANÇAREMOS!

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