Posted on: 22 de julho de 2020 Posted by: Teia dos Povos Comments: 0

24/07/2020

É corriqueiro acompanharmos a situação de povos que têm as suas sobrevivências e autonomia ameaçadas, material e imaterialmente, pelo poder econômico representado por empreendimentos de turismo predatório. Desta vez estamos falando de comunidades pesqueiras localizadas no município de Cairu (BA).

Em um vídeo postado no YouTube em outubro do ano passado é denunciado um grave esquema que envolve políticos e empresários na tentativa de possibilitar a construção de um condomínio que privatizaria 1.651 hectares da Ilha de Boipeba. Ou seja, cerca de 20% do território. A estrutura, naturalmente destinada a pessoas de alta renda, contaria com residências luxuosas, píer, aeródromo e campo de golfe, conforme alerta o material.

O prefeito de Cairu, Fernando Brito (PSD), é um dos principais entusiastas do projeto Fazenda Ponta dos Castelhanos, assim como diversos vereadores da cidade – que, inclusive, em seus discursos diminuem as potenciais consequências negativas ao meio ambiente. O argumento utilizado pelo gestor é o de que o mega empreendimento traria oportunidade de emprego e desenvolvimento ao local. O vídeo-denúncia rebate os supostos benefícios mostrando que tanto a mata atlântica, manguezais e restingas, quanto as próprias fontes de renda tradicionais da população – pesca artesanal, pequena agricultura e outros –  seriam totalmente afetadas com essa intervenção.

A narração do vídeo cita a Lei Federal n° 9.636/98; Dec-Lei n° 271/1967, que prioriza as comunidades tradicionais no que se refere à concessão de terras públicas. O projeto Fazenda Ponta dos Castelhanos, se construído, poderá limitar o espaço que poderia ser ocupado pelos moradores, afetar o acesso à água devido aos grandes volumes hídricos que extrairia e até mesmo gerar uma espécie de privatização da área de praias em Cova da Onça, Monte Alegre e Moreré. 

Em 2019, a empresa Mangaba Cultivo de Coco LTDA, sediada no Rio de Janeiro, assinou, junto à SEMA (Secretaria de Meio Ambiente do Estado da Bahia) e ao INEMA (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos), um Termo de Compromisso e Compensação Ambiental (TCCA) em favor da execução do empreendimento. Mas, organizações em defesa da comunidade não comemoram o fato.

“O empreendimento, para fazer os estudos de instalação, tinha que pagar uma taxa. O governo, atrás dessa taxa, assinou logo o convênio e a gente repudiou realmente, porque foi uma coisa sem dialogar com a comunidade. Isso aí é quase a garantia de que a licença de implantação ia sair”, declara um membro do Conselho Pastoral de Pescadores (CPP).

Uma nota de repúdio, publicada no site do CPP, assinada em conjunto com o Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP – Baixo Sul), informa que a iniciativa – cujos sócios são, entre outros, integrantes da família Marinho (Rede Globo) e Armínio Fraga, ex-ministro no Governo de Fernando Henrique Cardoso – “vai ocupar uma área […] prevendo […] 69 lotes para implantação de residências fixas e de veraneio; área no Morro das Mangabas para implantação de 32 casas; área para implantação de duas pousadas com 3.500 m² e mais 25 casas assistidas e operadas por cada unidade hoteleira, totalizando 50 casas”. 

O processo vem se desenrolando há algum tempo. Mesmo tendo iniciado o procedimento em busca do licenciamento ambiental em 2011, o Fazenda Ponta dos Castelhanos teve o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) concluído, pela empresa Grael Ambiental, em 2014 – e só então a comunidade foi avisada. O documento foi apresentado em Audiência Pública no mesmo ano, e alguns dos resultados da análise apontados pela AMABO (Associação de Moradores e Amigos de Boipeba) demonstram que o projeto “deixará o povoado de São Sebastião isolado e sem área para sua futura expansão. A proposta divide a Ilha de Boipeba em duas áreas de influências humanas; uma zona de influência direta e uma de influência indireta. Quem mora na Ilha de Boipeba, entende que não há divisão. O que afeta um habitante de São Sebastião, também afeta os habitantes de Moreré, Monte Alegre e Velha Boipeba”.

Na ocasião, moradores mostraram indignação contra a possível realização do empreendimento. Foram entregues abaixo-assinados em objeção ao projeto e diversas falas denunciaram o amplo impacto negativo que este produziria nas localidades em questão, como também foram apontadas inconsistências no RIMA e a falta de integração da população – a parte que será mais afetada com a viabilização do empreendimento – nas decisões e nos estudos.

 

Cova da Onça, comunidade tradicional potencialmente ameaçada pelo mega projeto imobiliário Fazenda Ponta dos Castelhanos / Imagem: Google Street View

 

Ainda, é dito que a construção do aeroporto “causará um impacto ambiental muito grande ao aterrar uma área de 221.886 m2, com cerca de 100.000 m3 de solo e areia tirada na localidade, e desmatar 450m além das cabeceiras da pista”, e que a construção de um campo de golfe com “3.700.000 m2 irá modificar o habitat dos animais que vivem nesta área” e “também requer uma irrigação que gasta muita água”. 

Segundo o membro do CPP, o promotor que estava acompanhando o caso cobrou da SPU (Secretaria do Patrimônio da União) a conclusão do TAUS (Termo de Autorização de Uso Sustentável) da comunidade. “O Ministério Público pede que a SPU adiante com isso, então tá fazendo essa pressão para concluir os estudos. No ano de 2018 e 2019 a gente do CPP , em parceria com a UFRB, com a UNEB e IFBaiano, iniciou os estudos lá para fazer um parecer sobre aquela área, fazer o mapa cartográfico da região de Cova da Onça e de outras comunidades, que tá sendo concluído agora, mostrando a área necessária para a comunidade viver, dizendo qual a área que o TAUS deveria responder. Em via de regra o TAUS terá que cumprir essa área. O Ministério Público Federal suspendeu o licenciamento (prévio) até que os estudos em cova da onça fossem concluídos”, informa sobre a situação atual do conflito.

De acordo com outra fonte, atualmente “o imbróglio está principalmente no jurídico, em relação a essa questão da licença ambiental, das licenças que o poder público concede, e aí a gente tem visto que o poder público tem sido muito submisso ao interesse do capital imobiliário. Obviamente que aí tem um interesse muito forte de uma galera muito forte, seja o próprio que diz que é dono e que vendeu a terra, que foi prefeito de Valença, Ramiro (José Campelo Queiroz) […] Então a galera consegue garantir os interesses do poder público, que diz que está garantindo desenvolvimento e acabando com esses direitos ao território e outros direitos à comunidade”.

Um morador da Ilha, pescador artesanal e membro do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais da Bahia (MPP) descreve uma série de agressões partindo do poder público contra os habitantes que rejeitam a instalação do Fazenda Ponta dos Castelhanos. “A gente recebe muitos ataques, quase todos os dias, quase sempre, das pessoas que deveriam estar nos protegendo, do nosso lado, mas estão aí a serviço dos empresários, dos supostos donos de terras, dos colonizadores […] Hoje mesmo recebi ataques do superintendente de pesca do município. Essas instituições públicas municipais estão fazendo o papel de jogar pessoas da comunidade contra pessoas da comunidade, ou seja, pescador contra pescador, com a ideia de dizer que os empreendimentos na região vai mudar a vida das pessoas”.

Apesar desse cenário, a comunidade segue resistindo. “Somos pescadores, não somos menores que eles em nada, absolutamente nada. Pela lógica a gente deveria tá quieto, só aceitando? Não, a gente não aceita o que vem de cima. Na verdade, eu sempre provoco eles dizendo que eles não me representam. Mobilizo as outras comunidades dizendo que a gente precisa ser mais rebeldes, não aceitar tudo de cabeça baixa”, conclui o morador.

 

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