Antecipando o tradicional feriado de 03 de agosto na cidade de Vitória de Santo Antão, em Pernambuco, quando se comemora o aniversário da batalha do Monte das Tabocas, um grupo de pessoas atendeu o chamado da Teia dos Povos para dialogarmos sobre a tessitura do espírito de luta no contexto da vivência nas periferias rurais.
O que decidimos chamar de periferias rurais são os territórios de interior que se encontram fora da malha metropolitana do Recife, mesmo os distritos rurais que pertencem a cidades próximas (como Jussaral no Cabo de Stº Agostinho). A maioria desses municípios e distritos parece surgir da concentração da monocultura da cana-de-açúcar, mas, muitas dessas povoações trazem memórias de mocambos e aldeamentos.
Nesse momento, com uma onda de greves irrompendo e provocando a indignação dos povos que se deslocam habitualmente entre estes espaços em longas jornadas de trabalho, prestamos nossa solidariedade aos rodoviários, e sinalizamos nosso apoio aos professores estaduais.
Com a Pré-Jornada de Afroecologia dos povos da mata de pernambuco se aproximando, fica uma sensação da necessidade de fortalecer as aproximações das nossas vozes, vivências e medos, para que o reconhecimento dos nossos traumas coloniais aqueça nossos espíritos para lutar e continuar a resistência dos nossos ancestrais. Por isso, saudamos todos os heróis pretos-indígenas que resistiram no Monte das Tabocas em nome da terra onde já habitavam e à qual pertenciam. Na mesma sintonia segue o nosso desprezo pelas instâncias intelectuais autoritárias que, de geração em geração, atuam pela manutenção dos seus velhos poderes e oligarquias.
Na vivência de canavial aprenderam nossos parentes a resistir perante as dores físicas e a perversa alienação que a febre da sobrevivência nos impõe. Queremos seguir a luta dos nossos, que driblaram muitas vezes a geometria da monocultura e a perseguição das grandes famílias políticas. Segurando o céu no toque do coco, do cavalo marinho, do caboclinho, das cirandas e dos maracatus, e outras várias tradições, idiomas, estéticas e hábitos que formam uma ética de resistência cunhada na adaptação ao novo mundo e na manutenção dos antigos costumes.
Reunidos na Praça do Livramento, região central da cidade, onde as estátuas do Anjo e do Índio dividem espaço, ouvimos falar da formação da Teia dos Povos e o que ela significa para os militantes que estavam presentes. Falamos de fortalecer a luta nos territórios, nos percebendo enquanto um mesmo povo, driblando os arranjos geográficos coloniais e a monocultura. Para isso vários desafios se impõem, demonstrados nas estruturas como o desenvolvimento das empresas rodoviárias, que nos engessam em relação ao deslocamento, a imobilização e dependência produzidas pelo mandonismo, e a consequente dificuldade da atuação de movimentos nacionais nas áreas urbanas (que estão avançando nos processos de industrialização).
Saudamos a Regional Galileia, do MST, que tem atuado nessas áreas junto ao povo sem terra tanto em áreas urbanas quanto rurais. E também lembramos da Comissão Pastoral da Terra (CPT-NE), que realiza um trabalho estratégico, ponderado e fundamental na manutenção de dados, apoio territorial e tantas outras coisas.
Mas, também vale salientar, que é a juventude que se aproxima com a força da luta para se movimentar a partir das cenas culturais, pois alguns estão envolvidos com a produção cultural a partir do cinema, do audiovisual e da música. Há também o movimento Mata Sul Índigena que se organiza desde 2020, principalmente no município de Escada, região ancestral do aldeamento Nossa Senhora da Escada, mas também em cidades como Palmares, Belém de Maria e outros. Esse resgate da memória indígena e das identificações que ainda se faz viva e vibrando é compreendida por nós como um componente motriz da retomada da terra e do fortalecimento do território.
Por falar nisso, a Pinga Fogo zines (selo independente de zines gerida a partir de Vitória de Santo Antão) lançou o “Tapacurá Ipojuca”, uma coletânea de dois textos produzidos em parceria entre militantes da Teia dos Povos (do movimento Mata Sul Índigena e de Vitória de Santo Antão); o recurso da venda será usado para prover o deslocamento da militância nas movimentações do esteio.
Assim, conseguimos nesse encontro dialogar sobre nossas vivências de periferia rural. Imaginando como podemos convergir juntamente com os outros povos da mata que vivem nas regiões metropolitanas e litorais, nos sentindo e nos compreendendo atrelados ao meio ambiente em que vivemos.
Nesse ponto, lembramos o “Projeto Pedra da Pimenta” com as companheiras Clécia e Ana, de Jussaral (distrito rural do Cabo de Santo Agostinho), que nos convidam a um diálogo em outro momento para firmar uma parceria nos projetos socioambientais que estão desenvolvendo nesse território onde povoamento, canavial, bichos, plantas nativas e a pedra da pimenta (região de ponto mais alto da metropolitana) coabitam.
Firmamos, então, continuar os encontros e diálogos com a aproximação dos territórios rurais, como Jussaral, Sítio Agatha em Tracunhaém, e, também, movimentar a partir dos centros urbanos onde a maioria de nós está familiarizada com a dinâmica. Por isso, ficou encaminhada a organização de atividades culturais que aproxime a Teia dos Povos em Pernambuco desses espaços e faça circular nossa vivência por meio de vídeos, filmes, zines e encontros permanentes para diálogos.