Posted on: 5 de janeiro de 2021 Posted by: Erahsto Felício Comments: 0

Por: Raúl Zibechi

Tradução: Sebastián Henao

Foi um ano no qual as dificuldades se acumularam: do crescimento da militarização e os diversos controles estatais (materiais e digitais) à imposição de confinamentos que impediram a mobilidade e acentuaram o isolamento e o individualismo. Um coquetel opressivo e repressivo como não se via há muito tempo.

As limitações impostas à população em geral, e a mobilização social em particular, somadas ao abandono dos Estados, levaram aos movimentos a se retraírem, primeiro, para estar em condições de voltar a lançar o protesto e a mobilização mais adiante.

Esse momento de retração foi importante para salvaguardar a saúde coletiva e comunitária, evitar os contágios massivos nos territórios dos povos e fortalecer as próprias autoridades. As guardas de autodefesa comunitária jogaram um papel decisivo; ora nas áreas rurais, ora nas urbanas, destacando-se entre elas os controles em cidades como Cherán e em espaços como a Comunidade Acapatzingo em Iztapalapa, na Cidade do México.

Em vastas regiões rurais o EZLN, o Conselho Regional Indígena do Cauca, os governos autônomos dos povos amazônicos, as comunidades Mapuches, em Palenques e Quilombos, além de comunidades campesinas, decidiram impedir ou restringir o ingresso de pessoas que provinham das cidades, como maneira de regular a pandemia.

Se não tivessem feito assim, se sobrepondo à violência estatal e paraestatal, especialmente mortífera nas regiões de Chiapas, no México, e no Cauca colombiano, houvessem sofrido uma severa desestabilização interna. Essa foi a condição para limitar os danos e o passo anterior para retomar a iniciativa ao exterior.

Em meados do ano, os povos iniciaram um novo ativismo que, em vários casos, os levou a quebrar o cerco militar e da mídia.

No mês de julho, a greve de fome de 27 presos mapuche sacudiu às comunidades do sul do Chile que começaram uma onda de mobilizações em apoio aos detentos nas cadeias de Temuco, Lebu e Angol. Os grevistas demandavam o cumprimento do convenio 169 da OIT que permite que eles cumpram a condenação nas suas comunidades, que seja revisada a prisão preventiva contra eles e para denunciar as condições inumanas das cadeias.

Apesar das dificuldades geradas pela militarização e pela pandemia, manifestações e concentrações foram registradas no norte, centro e sul do Chile. As greves de fome também denunciaram a repressão que os Mapuche sofrem em todo o país, como a perseguição aos vendedores de verduras e Cochayuyo, uma alga altamente nutritiva.

Nos primeiros dias de agosto ocorreram enormes bloqueios de estradas na Bolívia, em pelo menos 70 pontos, por grupos camponeses e indígenas contra o adiamento das eleições pelo governo golpista de Jeannine Añez. Os bloqueios foram suspensos quando o governo concordou em realizar eleições em 18 de outubro, que o MAS ganhou amplamente com mais de 55% dos votos, superando em muito o resultado disputado de um ano atrás.

Em 30 de setembro, começaram as manifestações na Costa Rica contra um acordo com o FMI que implica em aumento de impostos e maior austeridade nos gastos públicos. Diante da onda de protestos, no dia 4 de outubro o governo anunciou a suspensão das negociações para abrir um fórum de diálogo e revisão da posição.

Em 5 de outubro, o EZLN emitiu a primeira declaração desde o fechamento dos Caracoles por conta da pandemia, em 16 de março de 2020. Informam que nesse período 12 pessoas morreram de coronavírus e assumiram a responsabilidade, ao contrário do que fazem os governos, e que eles decidiram “enfrentar a ameaça como comunidade, não como uma questão individual”. Apostam na mobilização global contra o capital e informam que em abril de 2020 darão início a uma primeira viagem pela Europa, que depois se estenderá a outros continentes, com uma grande delegação composta maioritariamente por mulheres, porque “é tempo de novo para os corações dançarem, e que nem a música nem os passos sejam de lamento e resignação”.

No fim de outubro de 2020, na Colômbia realizou-se a Minga Indígena, Negra e Campesina, saindo do sudoeste, no Cauca e seguiu à Cáli; percorreu várias cidades e povoados para chegar 8 dias depois em Bogotá. Em todo o seu percurso, a minga (que significa trabalho comunitário ou téquio) dialogou com as populações que compartilham as mesmas dores, em um país que se dessangra pela violência narco-paramilitar, com centenas de lideranças sociais assassinadas.

A Minga a Bogotá, na qual participaram oito mil pessoas, foi escoltada pela Guarda Indígena, a Guarda Cimarrona e a Guarda Campesina, com especial protagonismo das mulheres e juventudes. Foi recebida e acompanhada por milhares de pessoas que lutam contra a repressão dos corpos militarizados, contra os quais se levantaram nas memoráveis jornadas de 9 a 11 de setembro, nas quais arderam ou foram vandalizadas dezenas de dependências policiais.

Em 18 de outubro, um ano após do início da revolta social de 2019, milhares de chilenos voltaram às ruas do país em comemoração daqueles protestos. No dia houve 580 detentos e um falecido por conta da repressão dos Carabineros.

No dia 25 de outubro o povo chileno desbordou as urnas no referendo pela redação de uma nova constituição, que substitua àquela herdada da ditadura militar de Pinochet. 80% dos votantes aprovou o início de um processo constituinte, quando era somente esperado um resultado de 60% favorável à iniciativa. A mobilização popular pelo referendo de continuação da revolta, iniciada em outubro de 2019, mudou a cara do país, deslegitimando a política oficialista neoliberal e repressiva.

No Peru, houve uma notável mobilização popular a raiz da destituição ilegítima do presidente Martín Vizcarra, instalando no seu lugar um governo corrupto e considerado golpista pela população, já que a maioria absoluta dos parlamentares possuem acusações de corrupção contra eles. Em uma semana de gigantescas manifestações, o golpista Manuel Merino foi obrigado a abandonar a presidência, abrindo uma conjuntura inédita no país.

Em 21 de novembro, na Cidade de Guatemala, milhares se concentraram para protestar contra o projeto de lei orçamentária que fora aprovada pelo Congresso e que reduzia os fundos destinados à educação, ao combate da desnutrição, a defesa dos Direitos Humanos e a resposta à pandemia. Os manifestantes ingressaram na sede do legislativo e incendiaram parte das instalações.

Haveria muito mais para relatar. Por tudo o anterior, parece evidente que os povos em movimento, os movimentos sociais e anticapitalistas estão longe de serem derrotados pela maior ofensiva lançada pelo sistema em décadas.

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