O que é o Ybatimó?
Quando eu cheguei aqui, já tinha o Estação de Permacultura Ybatimó, localizado em Baependi, com um trabalho de reflorestamento já efetuado lá. Só que não tinha um projeto voltado para a agricultura familiar. Então eu e minha companheira, a Rose, resolvemos implantar esse projeto.
Conversamos muito com os produtores locais para trabalhar junto com eles. Trabalhar a agroecologia. Entramos em contato com os produtores, com as associações. Partimos para comercializar os produtos agroecológicos em forma de cesta, para gerar renda para os produtores.
E ficamos assim por três anos.
Notamos a dificuldade dessas pessoas, a necessidade delas terem renda pra sobreviver. E as cestas não estavam dando essa garantia para eles.
A partir daí começamos a pensar numa organização maior. E aí veio a ideia do Armazém do Campo Ybatimó.
Ele nasce nesse contexto. Escoar essa produção, gerar uma renda para os produtores. O Sítio Ybatimó trabalharia na produção, atuando também na questão de organizar a produção local, e o Armazém daria escoamento.
Aumentamos o contato com os produtores da região, levando essa proposta, levamos às associações locais, de Pedralva, de Maria da Fé.
Tivemos o apoio do MST, do Instituto Chão, de São Paulo, para abrir o armazém na cidade de São Lourenço, a maior cidade do Circuito das Estâncias Hidrominerais.
Nesse primeiro momento, era trazer os produtos com um preço mais acessível, colocando apenas o custo do armazém.
Como foi o processo? Quais os acertos e tropeços?
Eu vinha de São Paulo, vinha de uma outra área. Passei a vida inteira na cidade. Sou Engenheiro Mecânico, e sempre trabalhei na área de consultoria de instalação de projetos. Trabalhava para a Petrobrás. Também sou formado em Física.
Fomos conhecendo a área, chegamos até a produtores lá em Gonçalves. E cada vez ampliou mais. Então o principal acerto foi se aproximar muito do produtor, do produtor originário da região.
Conseguimos conquistar a confiança deles. Ouvir muito esse saber original, do popular, do povo mesmo, do verdadeiro cara da roça. Todo esse conhecimento eu prestava muita atenção, o que para mim me ajudou muito nesse tempo todo.
O tropeço foi lidar com o comércio, lidar com todas essas questões burocráticas. Não tínhamos nenhuma experiência. Então essa sempre foi a grande dificuldade nossa. Lidar com o comércio. Realmente foi onde tivemos muita dificuldade.
E a participação e o incentivo aos movimentos locais de organização dos produtores?
Há a necessidade de organizar. Partir para se certificar, associações, para poder ter um alcance maior.
Nos aproximamos da OPAC Orgânicos do Sul de Minas, que até hoje o sítio faz parte. Participar ativamente para colar um pouco esse trabalho, muito voltado lá pro lado de Itajubá, aqui para as região das águas minerais.
Conversamos com a APAMFÉ, eles tinham todo o mercado voltado pra São Paulo. Então achávamos que tinha que também ter uma preocupação de aproximar daqui. E o armazém está ajudando nisso.
Comente um pouco sobre o PL do Polo Agroecológico do Sul de Minas.
Esse Projeto de Lei foi elaborado por várias ações. Pelo pessoal da Zona da Mata, onde já tem o primeiro Polo Agroecológico de Minas Gerais, junto o Quilombo do Campo Grande, a Orgânicos do Sul de Minas e do Instituto Federal.
E a Beatriz Cerqueira, Deputada Estadual, ela foi o instrumento para colocar na Assembléia Legislativa essa articulação do coletivo que preparou todo o projeto de lei.
Entramos agora nas primeiras mobilizações para aprovar essa PL, trazendo a discussão para o Sul de Minas.
E o Coletivo ReLuS?
Nesse meio tempo apareceu essa oportunidade, de formar um coletivo. Para gente poder articular todas lutas dessa região, unindo desde a questão da educação, passando pra questão ambientalista, os defensores da comida saudável e esses produtores, porque para eles é muito importante essa PL do Polo Agroecológico ser aprovada.
Então criamos o ReLuS, Resistência, Luta e Solidariedade, que tem como objetivo organizar, articular junto com esses ativistas, juntamente com as outras organizações de agroecologia, com os defensores da educação, para trazer essa discussão agir conjuntamente aqui no Sul de Minas, junto com todas as outras associações de luta.
O ReLuS é um coletivo de ativistas, é uma maneira de agregar pessoas, organizar as pessoas da cidade, inserir elas no movimento através de ações práticas.
E o pontapé inicial foi contribuir na reconstrução da Escola Eduardo Galeano, no Quilombo do Campo Grande, no Campo do Meio. Arrecadando fundos através da mobilização do Coletivo.
Como tem sido sua experiência direta com a terra?
Sempre tive consciência da questão da terra, da importância do meio-ambiente, com minha posição contrária aos transgênicos, visitei assentamentos, mas nunca tinha tido esse contato com a terra.
Apesar de ter raízes ligadas à terra, porque a minha avó era indígena. Ela plantava na Bolívia, minha avó era boliviana. Elas nasceu em Uyuni, na terra onde está o grande centro do lítio.
Então, quando eu conheci a terra aqui, foi assim uma mudança. Todo dia em contato com a terra, botando a mão na terra, vendo nascer, estudando à noite o que causava problema na plantação.
Isso me deu uma vivência excelente e um gosto de planejar no sítio, o plantio, a adubação verde. Ultimamente, estávamos bem preocupado em ter as nossas próprias sementes.
Era um sonho meu usar aqui em Caxambu a área da antiga Fundação como um polo de produção de sementes na cidade. Já que Caxambu está entre Aiuruoca, São Lourenço, Carmo, e tem esse prédio todo aqui desocupado.
Tínhamos marcado de visitar Inconfidentes, onde tem um banco de sementes. Ver qual o know-how deles para implementar um banco de sementes aqui, onde toda a região pudesse fazer as suas trocas e aumentar a participação coletiva.
A Rose sempre teve isso muito claro na cabeça dela, a importância da semente crioula. Eu não tinha, mas com o tempo eu passei a ter. E hoje eu vejo a importância disso.
Ainda mais hoje, com essa discussão de aprovar a transgenia para trigo. Com o trigo transgênico vai mudar muito a nossa vida, porque pão a gente come todo dia. Se a gente não abrir o olho, vai tomar conta sim, vai ser avassalador. Bem diferente do que foi o milho, porque vai entrar em toda a alimentação.
Quais os planos para o futuro?
Surgiu um problema pessoal. Estou me separando de minha companheira.
Eu me joguei com tudo no projeto. Nunca tive um plano B. Estaria sendo desonesto se tivesse agido assim. E agora, eu fiquei no início meio assim perdido.
No momento, não sou mais produtor, eu não tenho terra. Eu não tenho mais o Ybatimó. A única maneira que eu enxergo desse trabalho continuar é através do ReLuS.
Nessa nossa região é inadmissível um educador não ter uma visão clara da agroecologia, não ter uma visão clara da questão da Reforma Agrária.
Os professores precisam entender do que acontece aqui em nosso meio ambiente, porque a escola não pode ser descolada de uma questão que nos atinge diretamente.
Mesmo nas cidade grandes já está se discutindo a importância do meio ambiente na vida urbana, da comida. Aqui isto tem que ser uma coisa enraizada.
Ter uma visão de educação que incorpora a nossa região, com muita facilidade de falar de agroecologia.
Acho que esse caminho não tem volta. Com a luta pelo polo agroecológico, com tudo isso as associações, os setores vão se organizar, vão lutar por ele. E isso vai dar um salto de qualidade no movimento.
Eu sou daqueles que enquanto o juiz não apita, tem chance de ganhar.
Além do atrativo da terra, que me deu um outro sentido para a vida, essa questão social da terra, da comida, do meio ambiente, é uma coisa que eu gostaria de estar ligado a ela.
Continuar. Isso eu não tenho dúvida.
Assim eu quero.
Luti
Engenheiro mecânico, também formado em Física. Articulador da Rede Ybatimó, distribuição e comercialização da produção agroecológica na região das Estâncias Hidrominerais, no Sul de Minas (MG).
sobre os Diários da Pandemia:
- Embora seja tb um trabalho jornalístico, se propõe a muito além disto.
- Tem como objetivo principal tecer uma rede de comunicação entre as diversas lutas localizadas.
- De modo a circular as experiências, para serem reciprocamente conhecidas numa retro-alimentação de auto-fortalecimento.
- Não se trata de tão somente produzir matérias, e sim tornar as matérias instrumento para divulgar conteúdo capaz de impulsionar os movimentos.
- Em suma: colocar a comunicação a serviço das lutas concretas.