Posted on: 17 de junho de 2021 Posted by: Tinkamo Comments: 2

Por Ane Xukuru do Ororubá

Texto publicado inicialmente no Repórter Popular

(Versão em português e espanhol)

O movimento indígena brasileiro vem passando pelo seu pior momento desde a sua projeção a nível nacional na década de 70. Estamos vivendo sob ataque incessante do Estado e suas instituições, que se constituíram no país que chamam Brasil, como uma verdadeira máquina de matar indígena. Nesse momento, eles tentam a todo custo, passar por cima de direitos duramente conquistados pelos mais velhos que derramaram sangue na luta pelos nossos territórios. A Constituição Federal de 88, tem, entre seus artigos, os artigos 231 e 232 que garantem o direito ORIGINÁRIO de nossas comunidades sobre as terras e nos concede, autonomia para nos organizar a partir da nossas línguas, cosmologias, tradição e cultura, em uma tentativa de reparação secular pela violência empreendida pelo Estado colonial, que nos via, até 1988, como sujeitos incapazes, que precisavam de tutela.

Fundamentados pela tese do marco temporal, o agronegócio com apoio da bancada da bíblia e da bala, base expressiva do governo Bolsonaro, tenta rever direitos já conquistados, como é o caso das demarcações de terra, sabotando a autonomia cultural-religiosa e de organização dos povos originários e tentando destituir, inclusive, o direito à autodeclaração, colocando sob a responsabilidade dos órgãos indigenistas a autoridade para decidir quem é indígena ou não. Mais do que inconstitucional, esses são ataques diretos aos nossos povos, territórios e modos de organização.

Enquanto avançam os projetos de lei atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados e no Supremo Tribunal Federal, o agronegócio articula seus golpes, tentando por meio de uma Ação Cível Originária (ACO) 1100, que trata sobre a disputa de terra entre os povos Xokleng, Kaingang e Guarani e o Governo do estado e Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina, rever a demarcação da Terra Indígena Ibirama Laklaño, matéria apresentada como recurso extraordinário que tem repercussão geral. Com base no marco temporal, a argumentação da ACO põe em cheque o nosso direito originários às terras ancestralmente ocupadas, de modo que afeta 60% das terras indígenas JÁ demarcadas no país, anulando também qualquer possibilidade de novas demarcações.

Além desse instrumento legal, o agronegócio também apresenta a PL 490, que entre outras coisas, libera as terras indígenas para os invasores, grileiros, mineradoras, garimpeiros e toda a sorte de gente que mata indígena e destrói a natureza, vide episódios como Brumadinho e Mariana, lhes dando direito de explorar terras indígenas sem a consulta prévia e o consentimento dos povos, entrando em colisão com as organizações sócio políticas dos mais de 305 povos indígenas no Brasil, que rejeitam esse projeto de lei. Na agenda anti indígena, o agronegócio também se articula para retirar o Brasil da condição de signatário da convenção 169 da OIT, documento de fundamental importância que protege além dos povos originários também os povos tradicionais e nossas terras, costumes e tradições.

Cacica Cullung Vei-txa Teie da retomada Xokleng Konglui (RS) – Levante pela Terra, Brasília, junho de 2021

A nossa luta não é nossa apenas. Essa luta é de todos aqueles e aquelas que vivem nesse lugar que chamam de planeta Terra, porque é a luta pela vida e sobrevivência da espécie humana, dos espíritos, da fauna, da flora. Não se trata aqui de disputas de cunho meramente político e ideológico, é muito além, é pela vida, pelo direito de viver com dignidade, autonomia. E essa luta deve ser encampada por todas e todos. E o chamado está sendo feito, indígenas e não indígenas, é preciso mover-se, é preciso rebelar-se, é preciso lutar. É preciso aliançar-se com os povos, aliançar-se com a terra e os territórios, culturas, línguas e cores. É preciso, com urgência, defender a vida.

Levante pela Terra – Mobilização indígena em Brasília

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