*Por Rosângela Tugny
O Assentamento Terra Vista recebeu as/os Indígenas Tikmũ’ũn da Terra Indígena Maxakali, do Pradinho (Bertópolis, Minas Gerais) entre os dias 14 e 19 de maio de 2022. Este foi o segundo momento de intercâmbio entre as famílias Tikmũ’ũn da Terra Indígena Maxakali para a formação em agroecologia, no âmbito do projeto intitulado “Trocas de saberes e sementes Terra Vista – Tikmũ’ũn_Maxakali” que conta com parceria do Colégio Milton Santos, das Escolas Estaduais Indígenas Maxakali de Água Boa e Pradinho, da UFSB, do FIEI (UFMG) e das prefeituras de Bertópolis e Santa Helena de Minas (MG) e o apoio do Fundo Casa Socioambiental.
O Centro Integrado Florestan Fernandes, que sedia uma escola de ensino fundamental, abrigou as famílias Tikmũ’ũn, as reuniões, rodas de conversa, as refeições e as danças.
Durante as atividades, as/os Tikmũ’ũn visitaram a mata onde se concentram as árvores matrizes de sementes, as áreas coletivamente compartilhadas do assentamento e os lotes de vários agricultores/as, coletando mudas, frutas, plantas medicinais e sementes. Nesse processo, tiveram importantes trocas de conhecimentos e saberes sobre a mata com o Mestre Valdir (que conduziu a visita), sobre os modos de cuidado e cultivo nos sistemas agroflorestais com as/os Mestres Capixaba e Joelson e sobre a produção de hortaliças com o Mestre Isac. Um momento também importante foi a oficina de Pedro sobre compostagem e reutilização de resíduos plásticos. Também estiveram na horta medicinal coletiva com Rosimery, Andreia e Solange, do grupo de mulheres “Arte da Terra” do assentamento – momento de trocas sobre as plantas e suas relações com as curas. Como parte desta última atividade, houve coleta de citronelas e a destilação do óleo essencial.
As atividades com as/os Tikmũ’ũn foram ordenadas por um tempo outro, trazendo um aprendizado para quem esteve junto: o tempo dos cantos que intensificam e processam a relação com os seres vivos, o tempo da observação, da escuta e da espera de quem coleta e caça, o tempo da pintura, dos desenhos e dos trabalhos manuais.
Em cada instante de trocas (que eram frequentemente traduzidas nas duas línguas utilizadas neste encontro), as histórias de vidas e lutas coletivas dos povos pela terra e pelos cuidados se cruzavam com sabedorias sobre os calendários celestes e os ciclos agrários, os conhecimentos sobre a caça e a pesca, os modos de adubar e cuidar da terra.
Os dois últimos dias foram dedicados à coleta de mudas e cachos de bananas, cacau, açaís, cupuaçus, árvores nativas e sementes da mata atlântica, de manivas, de plantas medicinais. Nos momentos da despedida, ao lado de um caminhão repleto de uma potencial e ansiada agrofloresta, houve a entrega de sementes nativas-crioulas pelo Mestre Joelson que reafirmou o compromisso da Teia dos Povos de iniciar um processo de recuperação dos 6.433 ha. que somam toda a área em que estão presentes hoje os povos Tikmũ’ũn (distribuídos em duas reservas, uma área ocupada e uma Terra Indígena), com uma população de mais de 3.000 pessoas.
As/Os Tikmũ’ũn nos dão a cada dia a prova de sua força e relação vital com seus seres ancestrais, os Yãmĩyxop, que são seres da floresta, de sua sabedoria, de sua inteligência histórica para manter sua diferença ao longo de 522 anos de massacre. Também o Mestre Capixaba, com quem as/os Tikmũ’ũn travaram uma forte aliança, reforçou o momento, dizendo aos Tikmũ’ũn que eles devem plantar e doar sementes aos empregados dos fazendeiros que circundam seu território para mostrarem que não possuem ressentimento deles – que também são explorados, expropriados e massacrados. Mestre Capixaba lembrou que os fazendeiros não plantam, mas seus empregados cultivam nas pequenas áreas onde vivem e são aliados dos povos que lutam pela manutenção das matas e pela soberania alimentar. Solange celebrou o vínculo que estão construíndo com os Tikmũ’ũn desde sua visita ao território, através do qual iniciam um processo de aprendizado do tempo, da resistência e da plena espiritualidade. Laurita Maxakali e Vanilda Maxakali relembraram na sua partida todas as plantas de cura e todas as frutas que encontraram no Assentamento. Vitorino Maxakali, Antônio Bento Maxakali, Miltinho Maxakali e Zé Nogueira Maxakali disseram emocionados o quanto foi importante o reencontro com seus ancestrais na mata e o quanto desejam reflorestar a terra onde vivem.
Foram muitos os/as agricultores do assentamento Terra Vista que fizeram doações generosas de mudas de muitas espécies, além daquelas que se encontravam no viveiro, distribuindo abundância aos irmãos Tikmũ’ũn e provando que a agroecologia e a aliança entre os povos da terra é o caminho, o futuro e uma via de saída para a humanidade.
[…] Continuidade da formação em Agroecologia para o povo Maxakali – Teia dos Povos […]