Rememorando a luta e a conquista da terra, passa um filme ao comemorar os 30 anos de existência do Assentamento Terra Vista. Um assentamento que foi resultado de uma luta heroica do movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, na região Sul da Bahia no início da década de 1990, período em que a região enfrentava uma crise conjuntural e estrutural. Nesse processo, o MST propôs uma nova forma de organização, a partir da mobilização social, o que se constituiu como uma alternativa às famílias. Diante da ausência de oportunidades de emprego, essas famílias se juntaram em torno de um problema comum e criaram as condições para a luta. Essa luta se centrou na terra e nas possibilidades para a realização dos sonhos: ter a terra, produzir nela e viver dignamente.
Na madrugada de 8 de março de 1992, 360 famílias ocuparam a Fazenda Bela Vista. Um marco importante que deu visibilidade à luta de mulheres e homens e que nasceu para homenagear as mulheres. Passando por 5 despejos, essas famílias enfrentaram o preconceito e a violência, mas resistiram e conquistaram a terra. E, ao conquistar a Terra, colocaram o nome “Terra Vista”. Uma terra que pertencia aos Povos originários, uma terra na qual houve derramamento de sangue de nossos antepassados. São Sem-terra e Sem-moradia vingando os antepassados, retomando as terras e cultivando ao longo dos 30 anos uma terra sem males, agora recuperada pelos povos que haviam sido privados dela.
Ao descrever o processo histórico e de conquistas do Assentamento Terra Vista, é necessário compreender a sua gênese, a partir dos desafios de conquistar a terra – e sabemos o quanto essa conquista é profundamente revolucionária. Igualmente revolucionário é manter as famílias através do processo econômico-político-organizativo, reconhecer a auto-superação de cada família assentada e as experiências vividas pelas marcas de suas trajetórias antes e depois da luta contra o capital e os latifundiários. Em todo esse processo, temos o desafio de manter a agroecologia como um modo de vida contra hegemônico e em defesa do Bem Viver. Assim, temos que entender que isso representa a ousadia dessas famílias de ousar lutar, ousar vencer e de ousar produzir de maneira diferente e, ao mesmo tempo, solidária.
Com base nas linhas políticas do MST, as famílias assentadas entenderam que era necessário fortalecer a terra e o território com o lema “Ocupar, resistir e produzir”. Nessa compreensão, deram início ao processo da divisão social da terra e ao processo produtivo. As famílias pensavam que era possível coexistir dentro do capitalismo, ou seja, que com um humilde processo produtivo iriam se inserir no modelo capitalista. Em 1999, se deram conta que não poderiam competir, nem participar, nem existir dentro do modelo do capital. A partir de 2000, romperam com o modelo produtivista e começaram a construir os processos para transição agroecológica. Nessa transição, se deram conta de que era necessário iniciar um processo de autonomia:
Garantimos a soberania alimentar; ressignificamos o trabalho para que todas as famílias, juventude e mulheres tenham condições dignas no assentamento; lutamos pela educação para erradicar o analfabetismo, priorizando a educação de crianças, jovens e adultos, incentivando todas e todos a estudar, inclusive nas escolas que constituímos no próprio assentamento.
Na transição agroecológica, foi desenvolvido, em conjunto com as famílias, parceiros(as) e instituições, a recuperação de 92% da mata ciliar do Rio Aliança e a recuperação de 80% das nascentes. Estão recuperando o cacau cabruca e produzindo um delicioso chocolate, o “Chocolate Artesanal Terra Vista”. Graças à transição agroecológica, o assentamento está avançando para a soberania e a autonomia, tornando-se uma referência agroecológica na Bahia e no Brasil. Aos 30 anos de existência, a partir das experiências e vivências na comunidade, despertou-se a necessidade de construir uma rede de reencantamento e de levar a agroecologia como proposta de fortalecimento e resistência contra hegemônica para outros assentamentos, comunidades quilombolas, Povos indígenas e movimentos populares do campo e da cidade e, juntos, construir a aliança negra, indígena e popular.
O mundo atualmente está passando por crises políticas e ambientais profundas. O Terra Vista tem buscado construir abordagens alternativas a essas crises, indicando que um outro mundo é possível e que isso não se faz sozinho, mas com os outros Povos. Por isso, o Assentamento Terra Vista é, hoje, um lugar que recebe jovens de todo o país, estudantes, professoras(es), companheiras(os) de luta e todas as pessoas que buscam aprofundar e praticar o processo revolucionário junto com a terra e os povos que dela cuidam.