Posted on: 5 de novembro de 2019 Posted by: Teia dos Povos Comments: 0
Carta dos Povos em Apoio às Comunidades Tradicionais Pesqueiras e Extrativistas ante a Crise Ambiental na Costa Nordestina

 

 

Ao povo nordestino,
Aos governadores do Nordeste,
Para o Sr. Rui Costa, presidente do Consórcio Nordeste e governador da Bahia,

O óleo derramado em nossa costa possivelmente por um navio grego (ou por extração de multinacionais usando técnicas de fraturamento hidráulico) já configura o maior crime ambiental em extensão litorânea da história do país, deixando um rastro de fome, destruição e desalento às famílias nordestinas dos mais de 144 mil pescadores, pescadoras artesanais e extrativistas costeiros que dependem dos ecossistemas marinhos para reprodução dos seus modos criar, fazer e viver. Até agora não há nenhuma ação efetiva dos governos para dimensionar, responsabilizar e reparar integralmente os danos causados ao meio ambiente e às populações tradicionais que vivem da pesca artesanal. Depois de 40 dias de omissão deliberada, o governo federal acionou o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo (PNC), mas sem planejamento, coordenação, treinamento e monitoramento, pouca coisa funcionou. Sobrou mesmo despreparo e descaso com a vida de milhões de brasileiras e brasileiros. Por esta carta conclamamos os povos à unidade para o enfrentamento desta grave crise socioambiental e solicitamos aos governadores do Nordeste, particularmente ao governador da Bahia e presidente do Consórcio Nordeste, o Sr. Rui Costa, que tenham ação rápida, eficaz e dialogada com os movimentos de pescadores e pescadoras, extrativistas e comunidades tradicionais de nosso litoral. A Teia dos Povos é uma articulação de territórios e organizações sociais de luta que engloba povos de terreiros, organizações negras, quilombolas, povos indígenas, pequenos agricultores, sem-terra, sem-teto, povo de fundo e fecho de pasto, pescadoras e extrativistas em torno de uma aliança negra, indígena e popular pelo bem viver.

Temos acompanhado de perto a chegada do óleo ao litoral baiano. As universidades nos têm advertido que o “os riscos toxicológicos envolvidos são graves, agudos e crônicos, com atenção especial para frações tóxicas do petróleo que podem levar à morte por intoxicação”. A contaminação das praias, coroas e manguezais – que são berçário do ecossistema marinho – tem atingido diretamente a economia de subsistência das comunidades costeiras. Elas já não conseguem vender seus mariscos e pescados, também contaminados. A insegurança quanto a real dimensão dos danos e riscos ambientais é estimulada pela lentidão e baixa capacidade operativa dos órgãos municipais, estaduais e federais. Diante da ineficiência estatal, trabalhadoras e trabalhadores da pesca, voluntários na limpeza das áreas contaminadas, consumidores finais e toda sociedade civil são expostos a agentes nocivos à saúde pública. Estamos na linha de frente do impacto que está acontecendo e no combate a chegada do petróleo derramado na nossa costa. Temos dedicados nossos dias e noites para defender a nossa vida já que não a dissociamos da natureza que está sendo ameaçada. Nós das comunidades costeiras lançamos em algo desconhecido e nos deparamos com uma situação desoladora. Pescamos petróleo em vez de peixe e o sentimento de que nos consome está se tornando atuação conjunta, organizada e coordenada por nós nas nossas comunidades.
As medidas anunciadas pelo governo federal para lidar com o problema, a exemplo do Decreto nº 10.080, de 24 de outubro de 2019 que autorizou a prorrogação do seguro-defeso em caso de grave contaminação por agentes químicos, físicos e biológicos, são inexpressivas, especialmente pelo volume de pescadores e pescadoras artesanais com problemas no Registro Geral de Pesca (RGP). Sem registro, as pescadoras artesanais são jogadas na informalidade e impedidas de receber os benefícios assistenciais e previdenciários, especialmente aquelas que atuam nas atividades de apoio à pesca, mulheres essenciais ao regime de economia familiar das comunidades. Embora a justificativa para a restrição ao pagamento seja a alegada irregularidade dos pescadores artesanais, denunciamos que essa mesma irregularidade se deve à ineficiência dos escritórios regionais de aquicultura e pesca, órgãos vinculados atualmente ao Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), responsáveis pela emissão das carteiras, que desde 2013 não as emitem. Os pescadores artesanais e as marisqueiras não podem ser penalizados pela ineficiência dos poderes públicos.

Comprovamos que a maioria das cidades costeiras impactadas pelo óleo não possuem capacidade orçamentária, de infraestrutura e de gestão de pessoal para lidar com a crise ambiental e mitigar os danos causados. A assinatura do Decreto Estadual de Emergência pelo Sr. João Leão, então vice-governador da Bahia e a criação do Comando Unificado de Incidentes no âmbito do governo estadual ainda não gerou nenhum efeito significativo no atendimento das demandas das populações impactadas.

Sabemos que esta é uma crise ambiental inédita devido à sua proporção, porém os casos de contaminação das águas de territórios pesqueiros possuem uma longa história associada a este modelo de desenvolvimento excludente para a qual as comunidades tradicionais são vistas como um entrave. O racismo em sua dimensão estrutural, institucional e ambiental alimenta as formas de genocídio contra as populações negras e indígenas e seus territórios. Sabemos dos grandes projetos de extração que estão de olho nos minérios de nossa região. Já enfrentamos, dia a dia, os impactos socioambientais da exploração de petróleo, dos megaempreendimentos turísticos, de carcinicultura e de mineração na costa nordestina e baiana.

Não descansaremos na defesa dos nossos territórios.

Diante deste cenário, reivindicamos que o governo da Bahia possa junto ao Consórcio Nordeste e ao governo federal:

1. Garantir a execução efetiva do Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo (PNC) nos territórios afetados;
2. Intermediar junto à Secretaria Nacional de Aquicultura e Pesca a liberação dos registros de pescadores artesanais pendentes, além daqueles indevidamente suspensos e cancelados;
3. Decretar o Estado de Emergência em Saúde Pública para os territórios atingidos pelo óleo como forma de controlar os danos à saúde da população;
4. Garantir que sejam realizados perícias e estudos técnicos para atestar a dimensão dos riscos e danos ambientais, bem como a situação da água e dos pescados ao longo dos territórios afetados;
5. Adotar ações imediatas de apoio junto às prefeituras dos municípios para atender as demandas assistenciais das pescadoras artesanais, marisqueiras e comunidades tradicionais pesqueiras afetadas pela crise ambiental;
6. Cobrar agilidade na apuração das responsabilidades de agentes públicos e da iniciativa privada para fins de reparação integral dos danos socioambientais identificados;
7. Mobilizar os governos do nordeste e o povo nordestino em geral para construir uma grande frente para pressionar o governo federal a dar soluções concretas para este crime ambiental que assola nossa região.

Teia dos Povos, desde a Comunidade Quilombola e Pesqueira de Conceição de Salinas, dia de finados do 519º da primeira invasão.

ASSINAM:
♦ Teia dos Povos
♦ Assentamento Terra Vista
♦ Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)
♦ Comissão dos Extrativistas Costeiros e Marinhos da Bahia (CONFREM BAHIA)
♦ Movimento das Marisqueiras de Sergipe
♦ MST-BA, Brigada Ojefferson Santos
♦ Fundação Internacional de Capoeira Angola (FICA) e Kilombo Tenondé
Reaja ou será morto, reaja ou será morta
Instituto Búzios
Casa do Boneco de Itacaré
Comunidade de Terreiro do Campo Bantu-Indígena Caxuté e ACUTEMA
Associação dos Moradores da Tapera e Miringaba (AMTM) da Resex de Cassurubá/ Caravelas

 

 


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