O KM 32 em Nova Iguaçu (RJ), na profundeza de uma periferia esquecida a organização popular na luta pela saúde.
Neste período de pandemia até aqui foram muitas notícias, muita coisa boa e muitas mortes, muitas pessoas conhecidas e queridas.
Tenho relato de pessoas que saíram da COVID que querem expressar o milagre da vida. E quero despertar outras porque os criminosos das nossas vidas, os opressores, estão aí de volta.
As coisas não terminaram, ainda está no pico da doença. Eu estou na linha de frente aqui, em busca de cestas básicas, como liderança local. Mas estou vendo a cada dia perder pessoas, sem poder dizer adeus.
Mesmo com toda dor e a saudade do meu filho. Depois de dois anos do assassinato dele, a falta é ainda maior.
Em 22/05/2018 eu perdi um filho aqui no meu Bairro, no KM 32. A partir de então comecei a participar da “Rede de Mães e Familiares Vítimas da Violência de Estado da Baixada Fluminense“.
Como líder comunitária eu sou muito conhecida, por isto me entregaram o corpo do meu filho. Mas tem mães que não tem o corpo do filho para enterrar.
Todo anos as mães fazem uma caminhada para marcar a chacina de 29 pessoas em 31/03/2005.
Esta doença veio para despertar. E não despertou. Com esses opressores querendo agora botar as crianças para a morte. Porque este negócio de abrir escola em plena pandemia não pode dar certo.
Esta semana estive no hospital com meu marido e vi a família de um jovem de 19 anos que morreu.
O meu território é o KM 32, esta periferia esquecida por todos. Eu enterrei vizinha, internei e vi apoiadores meus morrer e viver.
Esse é um vizinho meu, o William de Brito. Estávamos trabalhando juntos no projeto Mulheres em Combate ao COVID-19, fundado por mim.
E ele contraiu o vírus. Ficou 25 dias no hospital. Ficou 10 dias no CTI. Acompanhei ansiosa, chorando muito. Mas ele é o meu guerreiro e venceu a COVID-19.
Meu maior desafio nesta COVID, foi a morte de Maria Helena Matos, uma vizinha de 63 anos, que eu socorri no Dias das Mães.
Ela não tinha ninguém e tive que interná-la no hospital em Itaguaí. Ela estava com COVID-19. Ela faleceu poucos dias depois.
Então começou a luta para enterrar. Tive que entrar com um autorização com o MP, por que ela não tinha parente nenhum. Consegui enterrar ela no cemitério de Itaguaí. Graças a Deus ela não foi enterrada como indigente.
Nesta pandemia, mesmo diante de tanta dor e de tantas perdas, tivemos bastante apoio, de várias entidades e organizações.
Foram distribuídas pelo projeto muitas cestas básicas. Alcançamos desde os bebês até os idosos. Fomos quatro mães, da Rede de Mães, e outros voluntários.
A Marilza Barbosa me incentivava e me apresentou aos coletivos e as outras ONG e instituições. Entre elas a ONG Criola e o Movimenta Caxias. Fizemos um trabalho maravilhoso aqui no KM 32. Serviu para nos despertar e para nos ensinar.
Eu nunca imaginei que com 51 anos fosse passar por tanta experiência assim, diante de tanta tristeza e de tanta saudade, mas também de tanta solidariedade.
A pandemia não acabou, mas banalizaram a morte. Agora estamos escravos da morte.
O nossos Governadores e Presidentes nem sei se pode dizer que são pessoas humanas. Eu não sei como definir um ser desses. Eu não consigo definir um ser desses.
Essa é a minha história. E se resume em trocar dor por amor.
Entre perdas e ganhos, o melhor do KM 32 é cuidar dessas famílias esquecidas.
Josiane Martins
Sou liderança comunitária do KM 32, Nova Iguaçu (RJ), participo da Rede de Mães e Familiares Vítimas de Violência da Baixada Fluminense, mãe de três filhos, sendo um morto, avó de duas netas, militante no projeto Filhos nos Braços do Pai, enfim sou a Jô e amo tudo que faço no movimento na luta por igualdade e direitos para todos.
sobre os Diários da Pandemia:
- Embora seja tb um trabalho jornalístico, se propõe a muito além disto.
- Tem como objetivo principal tecer uma rede de comunicação entre as diversas lutas localizadas.
- De modo a circular as experiências, para serem reciprocamente conhecidas numa retro-alimentação de auto-fortalecimento.
- Não se trata de tão somente produzir matérias, e sim tornar as matérias instrumento para divulgar conteúdo capaz de impulsionar os movimentos.
- Em suma: colocar a comunicação a serviço das lutas concretas.