Posted on: 28 de julho de 2020 Posted by: Teia dos Povos Comments: 3

Na fronteira Amazônica entre Brasil-Colômbia e Peru, a omissão do Estado como parte da política de extermínio da população vulnerável.

Bom dia, gostaria de enviar meu relato aqui da fronteira amazônica.

Benjamin Constant, município brasileiro situado na tríplice fronteira amazônica cidade de 40 mil habitantes com uma relação comercial e cultural com os povos da fronteira e uma população indígena bastante significativa, que trava uma batalha árdua para tentar manter seus munícipes salvos da pandemia.

O município tem apenas uma unidade hospitalar mista de média complexidade onde não se tem UTI e muito menos respiradores, o sistema de saúde, que por sua enorme dificuldade logística (1.118 km da capital) onde as estradas são os rios amazônicos, tem em geral essa distancia medida em dias (3 dias descendo rio, 7 dias subindo).

Estas dificuldades principalmente em obter uma integralidade de atenção a saúde, tendo em vista a concentração das estruturas de atendimento em Manaus, deixa o município dependente apenas da prevenção e controle, pois após adoecimento e complicações poderemos estar condenando os indivíduos a morte pois a busca de estruturas sofisticadas em saúde é um sonho distante.

A vizinha Tabatinga possui um aparato militar e de instituições federais disponíveis (Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Federal, Receita, etc.), de onde se esperava o controle das fronteiras e das ações de enfrentamento a uma questão que é nacional, principalmente em regiões de fronteira.

Entretanto desde o dia 16 de Março, após o registro do coronavírus no Amazonas, as equipes de saúde municipal se dedicaram a planejar as atividades e articular-se com essas instituições mas sem sucesso. O apoio errático ficou só na promessa.

A após a primeira morte no Estado dia 24 de março foi iniciada as ações integrando as instituições municipais e a Polícia Militar para fazer o papel de controle de fronteiras, com triagem de pessoas e controle de entrada, assim como isolamento de quem vem de áreas com transmissão comunitária.

Com a omissão do governo federal, com abandono técnico e logístico dos municípios do interior que detém equipes em número limitado, assumimos os riscos e enfrentamos os perigos de forma a garantir a saúde de nossas famílias.

Após a exposição de todo o caos no estado e a subida drástica dos números na capital e no interior surgem as ações tardias, mas o mais de 1 mês abandonados infelizmente podem significar a perda de muitas vidas.

Se a intenção era permitir o caos conseguiram.

E a região marcada pela violência e as rotas de tráfico já conhecidas vão sofrer um grande abalo pela pandemia e essa desculpa pode justificar a ampliação de medidas autoritárias.

25/04/2020

Segundo a pesquisa PNAD mais recente 53 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza, vivendo com menos de 5 dólares por dia (em paridade de poder de compra).

Essa miséria normalizada nos leva a refletir o porque disso? E onde estão estes recursos?

Ao ver homens e mulheres aglomerando-se ao redor da única casa lotérica de uma cidade de 40 mil habitantes, nos perguntamos se eles são loucos?

Não entendem os riscos? Ameaçam a vida de todos, correm riscos de se contaminar e disseminar a doença.

Mas é preciso refletir quem criou e cria essas desigualdades, que não permitem as medidas de isolamento necessárias a garantia do cumprimento das normas internacionais de achatamento da curva de infecção do vírus na garantia de o sistema de saúde possa suportar.

Mas qual sistema? Um sistema concentrado nas grandes cidades onde a oferta de profissionais, equipamentos e estruturas não garantem integralidade da atenção.

Mas e quem está distante dos grandes dos centros? Talvez seja o sistema que vem sofrendo com sucessivos cortes de verbas dilapidando-o à base do subfinanciamento?

Está pandemia nos faz refletir sobre duas questões:

1- Saúde é um bem da sociedade e ninguém esta seguro enquanto todos não estiverem acesso a serviços que a garantam, não pode ser negociada ou vendida. SAÚDE NÃO É MERCADORIA.

2- Uma sociedade desigual não é saudável e não pode ser defendida, a manutenção de taxas de lucro ou até mesmo as fortunas dos bilionários é absurda, deveriam ser discutidas agora mesmo. Os favorecimentos não podem continuar. O ESTADO NÃO PODE SER INSTRUMENTO DE AMPLIAÇÃO DAS DESIGUALDADES.

Vamos ser empáticos, vamos ser cuidadosos com o outro, nossas vidas dependem da saúde de quem nos cerca.

Aprenderemos? Ou agora ou nunca.

 

Povo Marubo na calha do rio Itui. Fecha a cabeceira do Rio com arame farpado para impediro trânsito de pessoas.

Pessoas amontoadas em frente a lotérica pra tentar tirar seu Bolsa Família e auxílio na única lotérica da cidade. Isolamento? Não para os pobres

 

05/06/2020

Hoje, 5 de junho, ultrapassamos os 1.000 casos da COVID-19 em uma cidade de 40.000 habitantes do estado do Amazonas, na tríplice fronteira. Ela simplesmente não resistiu as suas próprias limitações.

O controle das contaminações se seguiu, mas não evitou a disseminação da doença que, como se fosse um raio, veio em conjunto com a chegada de mais uma parcela do auxílio emergencial.

Porém, as medidas de restrição que foram decretadas no município, esbarram na falta de condições para controlar a execução das mesmas no gigantesco território de 8.793 km² (do tamanho de alguns pequenos países europeus), boa parte dele localizado na zona rural.

Os comunitários (indígenas e não indígenas) estavam, por decreto municipal, proibidos de sair da comunidade, para evitar que se contagiassem com os casos crescentes da doença na zona urbana.

O número de ocorrências da COVID-19 na comunidade girava em torno dos 200 casos.

A partir do último dia 18 começou o novo pagamento do auxílio emergencial e as pessoas arrumaram um jeito de ir à zona urbana da cidade vizinha (que tinha um índice de contaminação ainda maior – cerca de 500 casos).

Ambas as cidades ficam na fronteira e deveriam ter aporte das várias instituições sediadas aqui. Infelizmente, essas contribuições têm sido reduzidas.

É clara a decisão de permitir os fluxos migratórios destas populações flutuantes. Isto foi determinante nos índices na região.

Com o abandono das prefeituras, que com suas limitações técnicas e logísticas não conseguiram evitar o pior, as equipes de vigilância de saúde foram guerreiras e dedicaram-se ao máximo, mas é impossível controlar uma fronteira só de um dos lados.

O prefeito da cidade colombiana de Letícia, Jorge Luis Mendonza, declarou de forma clara, no último dia 25, sobre o presidente Jair Bolsonaro:

Não quero dizer de uma forma grosseira, mas parece que o presidente Bolsonaro não deu a importância que a epidemia exigia (…) Então, ficou essa janela aberta entre nós e o restante do Brasil. Foi por esse ponto que o vírus penetrou nessa zona tão isolada”.

A manchete dos jornais foi “Prefeito acusa Bolsonaro por contaminação em seu país”. A notícia despertou a ira da tropa de choque bolsonarista no Brasil inteiro, inclusive na região, mesmo que muitos soubessem da inação das instituições federais aqui presentes.

Vejamos, no dia 17 de março o governo federal colombiano já havia decretado o fechamento na fronteira, os vôos de Letícia para Bogotá foram bloqueados e a região, que é isolada, estaria com certa segurança.

Mas, do outro lado da fronteira, os fluxos estavam mantidos para passageiros vindos de avião, lanchas e barcos, infectando todas as cidades do interior, como ficou claro no Atlas produzido pela UFAM (Universidade Federal do Vale do São Francisco).

Então, não há o que discutir: as ações ineficientes foram, infelizmente, determinantes para a contaminação e os óbitos na região.

Mas, agora, as medidas são de abertura das cidades!

O Amazonas decidiu abrir seu comércio, segundo um protocolo que se dizia gradual, mas que foi interpretado pela população como a “abertura de uma barragem”.

Entretanto, o decreto estadual prevê apenas um plano, pensando somente em Manaus, esquecendo o momento epidemiológico distinto, entre as diversas regiões deste “país” chamado Amazonas.

Sem nenhum estudo epidemiológico ou planejamento que garanta segurança na reabertura, os prefeitos, pressionados, estão cedendo e as ruas cheias.

O desrespeitos às normas mínimas de distanciamento garantirão que os adoecimentos e falecimentos se mantenham em alta. E assistiremos, infelizmente em breve, mais cenas de terror.

Eu desisti.

Simplesmente fui convencido de que a visão pela eugenia foi à da maioria. Não é só isolar-se em casa na campanha #fique em casa, mas é a questão: sem ter quarentena, é necessário respeitar as recomendações.

Simples, sem decreto, só pelo sentimento de não transmitir, de se importar com o outro.

Depois de saber de idas às filas de banco, a mercados e as festinhas de pessoas que estão em período de transmissão, me pergunto onde está nossa humanidade?

Falavam que não era pra ter quarentena, que apenas as medidas de distanciamento bastavam. E agora? Com as medidas de distanciamento e sem quarentena, por que não cumprir?

Porque não nos importamos com o outro, com a possibilidade de transmitir um vírus mortal a outra pessoa. Esse sentimento me fez desacreditar da humanidade.

Ontem durante o serviço, tive minha última decepção: estava tentando controlar a fila de um banco, quando percebi que as pessoas estavam com suas senhas nas mãos e cada uma tinha uma ordem de atendimento. Mas elas insistiam em ficar amontoadas, colocando a si próprias, e os funcionários, em risco.

Alguns comentavam sobre a tão sonhada imunidade de rebanho. Esse termo é usado quando, através da vacinação, conseguimos imunizar uma certa porcentagem da população. Assim, mesmo quem não tomou a vacina estaria protegido, devido aos contatos estarem no sistema vacinal.

Falar e agir como se pudéssemos atingir essa tal imunidade, sem levar em conta a quantidade de óbitos que precisamos ter para alcançá-la, é considerar que algumas vidas são menos importantes.

As equipes se deslocaram às comunidades indígenas e os problemas aumentam pela introdução de uma cultura importada. Os indígenas estão claramente se negando a respeitar as medidas, assim como estão resistentes a receber tratamento.

Uma criança estava doente e as equipes de saúde tentaram iniciar o tratamento dela. Foi em vão, pois eles queriam resolver a enfermidade da criança apenas com orações. A equipe foi recebida por uma grande aglomeração que impediu a execução da retirada da criança ao serviço hospitalar necessário.

Vale ressaltar que até mesmo um culto, com 400 pessoas, foi realizado na comunidade indígena.

Mesmo após denúncias, a resposta da Policial Federal, responsável pelas ações em áreas indígenas, foi iniciar um inquérito para apurar a responsabilidade do pastor (que também é coordenador da FUNAI na região).

Então imaginem a mensagem recebida pelo conjunto da população… Mas o inquérito foi aberto (nossa, impressionante!).

Porém, nenhuma ação do MPF e da Polícia Federal foi realizada e tudo permaneceu como estava.

Uma segunda onda da epidemia é esperada e teremos que conviver com ela, porque escolhemos a morte dos vulneráveis.

08/07/2020

Estou acompanhando minha esposa que está bem próximo do parto. Em breve pretendo enviar mais notícias daqui para vocês.

 

Augusto César Nunes Alves,

trabalhador na área de saúde em Benjamin Constant (AM).

 


sobre os Diários da Pandemia:

  • Embora seja tb um trabalho jornalístico, se propõe a muito além disto.
  • Tem como objetivo principal tecer uma rede de comunicação entre as diversas lutas localizadas.
  • De modo a circular as experiências, para serem reciprocamente conhecidas numa retro-alimentação de auto-fortalecimento.
  • Não se trata de tão somente produzir matérias, e sim tornar as matérias instrumento para divulgar conteúdo capaz de impulsionar os movimentos.
  • Em suma: colocar a comunicação a serviço das lutas concretas.

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