Neste momento de dor, em primeiro momento nos juntamos com quem hoje chora a perda de Maria Bernadete Pacífico, a Mãe Bernadete. Louvamos a sua trajetória na terra, reafirmando, diante da violência histórica que atinge os povos, que continuaremos na luta por Terra e Território nesse país, onde está em curso desde o período colonial um genocídio contra a população preta.
Mãe Bernadete, uma anciã de 72 anos, é liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, localizado em Simões Filho (BA). Na noite da última quinta feira, 17 de agosto, ela foi covardemente assassinada enquanto estava com a sua família dentro do terreiro da comunidade.
A história de Mãe Bernadete é a de muitas mães pretas do Brasil. Em 2017, perdeu um filho, Flávio Gabriel Pacífico dos Santos. Binho do Quilombo, como era mais conhecido, também era uma liderança comunitária, e combatia a perseguição de agentes do poder econômico contra o seu povo.
A região onde está o quilombo Pitanga dos Palmares é extremamente assediada por grupos que atuam na especulação imobiliária. Há diversos registros de ameaças a comunidades quilombolas.
No caso de Mãe Bernadete, madeireiros vinham continuamente a ameaçando, inclusive publicamente. Antes do assassinato, a Ialorixá já havia solicitado proteção ao Estado através das suas mais diversas instâncias, dentre elas a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos da Bahia, o Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça.
Não podemos deixar que mais das nossas se transformem em números frios para preencher estatísticas. Mãe Bernadete, além de uma liderança respeitada e amada pelos seus parentes, filhos e filhas, amigos e amigas, companheiros e companheiras, é uma fundamental defensora dos territórios dos povos tradicionais, dos saberes ancestrais, da cultura e da fé do povo preto, da liberdade.
Escrevemos esta nota não para ensejar um ato simbólico, mas para engrossar o coro das muitas vozes que cobram justiça por Mãe Bernadete, para convocar a todas e todos para a defesa dos territórios e dos modos de vida dos povos. Acreditamos que nesse momento é indiscutível a necessidade de titulação plena da área do Quilombo Pitanga dos Palmares.
O Estado precisa encontrar os culpados diretos e indiretos pelo assassinato, mas precisa entender que estas violências são cometidas sob os olhos nus de suas instituições, até mesmo sob o seu silêncio consensual. O primeiro passo para a resolução dos conflitos nos territórios é parar de uma vez por todas as ações de grileiros, madeireiros, especuladores e empreendimentos que incidem sobre áreas pertencentes aos povos e comunidades tradicionais.
Honrar o legado ancestral é impedir que o capital tome o território sagrado. Essa tragédia revoltante nos lembra da urgência de conversarmos sobre autodefesa popular.