Mais de 130 mil mortos pela COVID-19. O mau governo ataca na luz do sol, abertamente, o maior movimento social da América do Sul – o MST. Quando foi que absurdos como estes se tornaram aceitáveis nos meios políticos das esquerdas? Quando foi que deixamos de reagir à ofensa em busca de dignidade e vida?
O que queremos saber é por que os movimentos sociais, os partidos de esquerda, não conseguem enfrentar o bolsonarismo, a ameaça neofascista, muito menos o imperialismo mesmo quando por todo o cone sul já sentimos o peso da intervenção estrangeira?
Compreendemos que há um conjunto de ações sendo realizadas, mas elas não alteram a correlação de força e nem muda o poder.
Quando e por que perderam a voz de comando? Por que não estamos em marcha para o Extremo Sul da Bahia onde a Força Nacional fez de uma escola de um assentamento seu Quartel General? O latifúndio, as elites brasileiras, os neofascistas – todos serviçais do imperialismo – nunca falaram tão sério. Desde a República, nunca falaram tão claramente e sistematicamente sobre matar nossos povos e a nossa natureza. Por que não os estamos a enfrentá-los de frente?
Os colonizadores têm ódio da terra e da natureza. Seguem destruindo desde as invasões. E agora com a necessidade da sobrevivência do capital – manter o lucro dos acionistas – assediam a natureza com velocidade inimaginável, com muita tecnologia para destruir tudo. Desmatam, fazem garimpo na floresta, queimam os biomas, destroem os manguezais. E o fazem em nome do lucro, tão somente. Estão avançando contra os territórios dos povos originários em pleno século XXI, mostrando que a colonização não acabou.
O fogo que agora devora o Pantanal, o Cerrado e a Floresta Amazônica está, em verdade, destruindo territórios de povos originários, quilombolas, ribeirinhos, geraizeiros… Há tanto ódio contra os povos como nas guerras mundiais. O ódio contra comunistas, judeus, ciganos renasce com tanta força e desprezo à vida. O ódio pelos povos da diáspora africana por essa supremacia branca ganha novos contornos e é defendido abertamente nas redes sociais e mesmo por chefes de Estado.
Será que é toda essa violência que nos faz recuar e se submeter, se humilhar?
O atual momento mostra como a esquerda foi derrotada no campo político. Há quem enxergue um momento pré-revolucionário. Para estes perguntamos, o que temos medo é do inimigo ou da revolução? Onde está a centralidade da luta? Há uma dispersão de lutas.
Como tantos descontentamentos, como tantos ataques sofridos pelos mesmos opressores de sempre não geram uma unidade para a defesa dos povos e das classes trabalhadoras? Tantas pautas de operários, mulheres, pretos, estudantes, povos, como isto não formam uma grande luta conjunta? Acaso preferimos sofrer as derrotas separados do que aparar nossas diferenças para um bom combate?
Será que vamos ficar apenas com a reação das torcidas organizadas e a reação à violência racial como protestos de massa no país? Não é insuficiente para o tamanho do desafio histórico que vivemos?
E agora a escravidão retorna de forma consentida pela opinião pública. Volta na forma de uberização, terceirização e todas as violências a que os trabalhadores e trabalhadoras estão submetidas para ter o direito a comer. Tudo isso não melhora nossas condições de luta. Será que estas dores, esta forma de submissão é melhor do que arriscar a vida pela liberdade? A fome se avizinha e seguem discutindo tudo, menos a terra e o território.
Há um erro em julgar o atual momento com os olhares de antes. Estamos confundindo trabalho de base com divulgação em redes sociais. Confundem influenciar em redes com ser militante. Se atrapalham, acham que liderança é cargo, não tarefas em favor do povo. Há uma profunda crise corroendo as entranhas da luta popular e não podemos falar em nome de que? Com medo de perdermos moral com que base? Não falamos mais de virtudes das lutadoras e dos lutadores. Confundimos reconhecer as contradições históricas dos movimentos com aceitar gente corrompida e contra-revolucionária nos comandando.
Desde quando 130 mil mortos passou a ser aceitável? Perdemos o sentido da vida, da morte? Será que não nos afastamos demais dos sentidos das simples coisas, das coisas que importam realmente? Quando não politizamos a vida de cada exterminado pelo genocídio preto nas favelas e periferias, banalizamos o ato de matar, de interromper a vida de um dos nossos. Não seria esta a semente da aceitação de 130 mil mortes por um vírus? Se quem morresse seguissem sendo corpos brancos, europeus, será que não tínhamos mais manifestações de solidariedade como no início da pandemia?
O que ocorre com nosso corpo ocorre com a terra. Vamos seguir aceitando a morte do Cerrado, do Pantanal e da Amazônia? Não há gente ainda de dignidade para se levantar em cada vila, cada cidade, cada assentamento em nome da vida? Quando abandonamos os territórios e entregamos para o capital, deixamos de dar valor à mata em pé e agora já não ligamos se 12% do Pantanal já se foi. Quando o inaceitável se torna novo normal nós morremos por dentro.
Teia dos Povos
11 de setembro de 2020