*Por Cauê Bráz
A divulgação da maior queda do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em apenas um trimestre superou a perda acumulada das 9 recessões que o Brasil atravessou nos últimos 40 anos. O resultado do desempenho econômico da nona maior economia do mundo não surpreende quem acompanha o enfrentamento da crise pelo atual governo. O falso dilema entre saúde e economia provou que os gestores públicos são bons na entrega de péssimos resultados. Normalizou-se o patamar de mais de 1.000 mortes diárias e o esfacelamento do emprego dos trabalhadores. Os indicadores nacionais são desastrosos. Desemprego, informalidade e quebra de pequenas e médias empresas se juntam ao ataque à natureza com o aumento do desmatamento e das queimadas no Cerrado e na Amazônia adicionando fatores ambientais ao atual momento que o Brasil atravessa. Assim, no meio de uma crise tripla (econômica, social e ambiental), solidifica-se a ideia de um Novo Normal dentro de um modelo econômico incapaz de entregar estabilidade e confiança em um futuro melhor porque sua lucratividade, a razão de ser do capital, decresce ano após ano. Apesar do otimismo dos mercados financeiros, cada vez mais descolados da realidade, um retorno ao normal se mostra bem distante no horizonte atual. Ainda mais porque o custo do lucro brasileiro é a degradação das riquezas naturais por meio do consenso das commodities.
A diferença entre os setores da economia deve ser destacada no resultado de -9,7% do PIB. Enquanto a indústria e os serviços despencam, o agronegócio apresentou um ligeiro crescimento de 0,4%. Sinalizando a importância do setor para a economia nacional. Sendo fortemente influenciado por grandes empresas do setor agroalimentar. O problema é que no uso da terra para negociatas para o capital privado perde-se a cultura de viver com a terra. A primazia do agronegócio representa o aprofundamento da produção desenfreada de commodities agrícolas. Para o sistema agroalimentar vigente, alimentos também são matérias-primas, combustíveis e ativos financeiros altamente valorizados. O sucesso da economia do agronegócio torna-se uma prensa contra uma margem gradativamente menor de atores sociais, organizações e recursos naturais. Sufocando todos que apresentem um sistema alternativo que reduza os impactos do agronegócio tecendo esperança para quem vive da terra. As trajetórias do desenvolvimento agrícola se dividem entre industrialização, desativação e recampesinização. Destaque para a última que representa a luta por autonomia e sobrevivência em um contexto de privação e dependência. A recampesinização é a resposta ao controle do capital na economia natural que desterritorializa e desagrega a produção e consumo de alimentos além de esvaziar a agricultura dando espaço para a especulação de terras, ou seja, é a busca de soberania no meio rural por um número maior de pessoas que são pressionadas a resistir à industrialização e à desativação. Portanto os produtores rurais, em suas mais diversas formas, estão sob o assédio das grandes empresas do sistema agroalimentar e a pulverização em circuitos curtos descentralizados se apresenta como um caminho para reformulação de sua cadeia produtiva. No meio rural brasileiro, a terra é indicador essencial para definir as práticas dos agricultores. Recordando André Rebouças, Quem possui a terra, possui o homem.
O último levantamento do Censo Agropecuário revelou que a concentração de terras segue crescendo e o agronegócio avança em detrimento da agricultura familiar. Esses eventos sinalizam a concentração de renda no meio rural pelo fato dos rendimentos do agronegócio ser maior do que na agricultura familiar além de acirrar conflitos fundiários que são resolvidos na violência privada e estatal pelo direito à propriedade. A expansão do agronegócio consiste em concentrar terra e riqueza para avançar suas lavouras de monocultivos, principalmente de grãos como soja e milho. Superexplorando trabalho e natureza desconectando as relações sociais, o processo de acumulação do agronegócio ocorre pela espoliação com a destruição do trabalho rural, proletarizando pequenos agricultores e tomando terras racializadas, ou seja, áreas indígenas e quilombolas. Assim, o Brasil se encaixa nas Cadeias Globais de Valor, por meio da reprimarização econômica que coloca em destaque setores primários exportadores para gerar saldos comerciais fixando ainda mais o viés agrário exportador de um país forjado socialmente por grandes ciclos exportadores como o do açúcar, algodão, café e, atualmente, soja. Analisar os processos econômicos brasileiros ajudam a localizar porque algumas vidas são descartáveis. Os movimentos de globalização, financeirização e estrangeirização dos mercados de commodities agroalimentares tem no nível local um ponto estratégico para o funcionamento de suas atividades econômicas. Pressionando os produtores de alimentos à intensa competição por terra, água e energia. Logo, para as lideranças nacionais, a terra tem como função principal a geração de divisas e ativos financeiros enquanto a nossa comida é responsabilidade dos supermercados que ofertam alimentos padronizados e artificiais.
A contradição gerada pelo sistema alimentar vigente coloca em risco a saúde do planeta e das pessoas. O planeta por sentir o impacto da produção que não respeita os ciclos da natureza e tenta domá-la com pesados investimentos em biotecnologia. No lado das pessoas considera-se o fato de sua alimentação ser descaracterizada, principalmente nos centros urbanos onde estão expostas aos desertos alimentares, pois à medida que o porte dos municípios cresce, aumenta o número de estabelecimentos que vendem alimentos ultraprocessados por habitante, ao mesmo tempo, a densidade de estabelecimentos de venda de in natura e mistos é reduzida no país. Creditada a Eduardo Galeano, a frase “A autodeterminação começa pela boca” leva a refletir qual tipo de comida acessamos. Se depender dos latifundiários e da indústria agroalimentar, a resposta é óbvia. A nossa alimentação seguirá envolvida por populações mais propensas ao trabalho em condições insalubres tanto no rural quanto no urbano, como o caso dos trabalhadores agrícolas que trabalham por parceria e dos entregadores de aplicativos, por exemplo. O sistema agroalimentar vigente também gera contaminações ambientais devido ao uso de agrotóxicos que são a base produtiva de alimentos inapropriados para consumo, seguindo dietas pouco saudáveis que aumentam a insegurança alimentar que impactam, principalmente, as periferias urbanas. Por isso é necessário defender um sistema que reduza as distâncias entre produção e consumo.
* Sobre o Autor
Cauê Bráz cresceu gostando do campo de bola e atualmente pesquisa as relações de produção no campo brasileiro. Bacharel em Ciências Econômicas (FCE/UFRGS) e mestrando em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS).
Leia a segunda parte desa reflexão aqui:
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