Posted on: 19 de novembro de 2020 Posted by: Rafique Nasser Comments: 1

Por Rafique Nasser

Drª Andréa Beatriz, comando vital da organização Reaja ou Será Morta, Reaja ou Será Morto, disse certa vez que o primeiro território a ser defendido pelo povo preto são os seus próprios corpos. Para além da violência policial, executada em um plano de genocídio, as doenças têm enfraquecido nossos irmãos.  Por exemplo, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), no Brasil a população negra apresenta maior incidência de problemas de saúdes evitáveis em comparação aos brancos.

É o corpo quem garante o movimento, vai para luta, planta, colhe, abraça. O cuidado com ele é essencial. A prática rebelde, revolucionária, depende necessariamente da força do corpo. Sem saúde, a ação não acontece, a reflexão fica presa nela mesma – e isso não é uma opção, pois é preciso vencer as dificuldades concretas, os problemas reais do cotidiano.

Em seu dia coletivo – sempre às segundas –  a comunidade do Assentamento Mariana, no Orojó, em Camamu (BA), começou um projeto indispensável para a sobrevivência dos povos. Na perspectiva de construção de mais uma etapa da autonomia, foi construído um viveiro de plantas medicinais. Entre mudas de mulambo, babosa, boldos e muitas outras, os assentados iniciaram a organização das plantas com propriedades curativas (fitoterápicas). Para isso foi preciso realizar a catalogação contendo as variedades de plantas existentes e suas indicações e contra-indicações.

A valorização e o resgate dos saberes medicinais tradicionais representam uma tarefa coletiva importante para a luta por Terra e Território. Para José Neto Onirê, membro da direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e militante da Brigada Ojefferson Santos, “A intenção é fazer as trocas entre as áreas. Das espécies que são endêmicas de uma região, a gente vai em outra e faz a troca”.

Clebson Silva, morador do Assentamento Mariana, é um dos que constroem o viveiro de plantas medicinais. “Eu acredito que esse viveiro é uma coisa muito importante pro assentamento, inclusive para as comunidades circunvizinhas, e quem sabe talvez para o Brasil e até o mundo, sendo elaborado, feito, cuidado de uma forma correta e organizada, vai prestar um serviço muito importante para a nossa comunidade, e muitas pessoas serão beneficiadas. Hoje vivemos uma carência muito grande no que se refere às políticas na área da saúde, e o que é mais urgente e imediato hoje é o uso das ervas”, comenta.

Sobre o contraste existente entre a medicina popular e a medicina convencional, Clebson reforça que esta última “tem o seu papel e o seu trabalho na sociedade. Mas essas comunidades rurais utilizam muito dos recursos das ervas medicinais. Esses tratamentos à base de ervas tem uma eficácia muito grande, já comprovada ao longo dos séculos. É muito importante nós termos aqui esse viveiro, para que daqui a gente possa contribuir com a saúde de quem está lá fora”.

Simone Couto chegou ao assentamento Mariana há 28 anos, aos seis anos de idade. Há um ano coordenando o setor de saúde da Brigada Ojefferson do MST, regional Baixo-Sul, é técnica de enfermagem e atende tanto na sua comunidade quanto em outras vizinhas. Ela divide a responsabilidade de coordenação com seu Antônio Santos, que realiza atendimentos homeopáticos em Ipiaú. “Esse trabalho que está sendo desenvolvido com a produção do viveiro mudas medicinais tem sido uma experiência muito boa, satisfatória e positiva. Acredito que irá trazer inúmeros benefícios não só para o Assentamento Mariana em si, mas para comunidades vizinhas”, comemora Simone.

Dona Jelsa Santos  mora há trinta anos em Mariana, e trabalha justamente com a manipulação de plantas medicinais. “É muito bom viver na comunidade com essa experiência de cultivar a horta medicinal, porque são coisas que a gente já conhece desde os nossos antepassados. Nós sabemos que a cura com as plantas medicinais têm um efeito diferente da medicação química, de laboratório”, afirma.

Outro trabalho que acompanha a montagem do viveiro é o de beneficiamento e comercialização das ervas cultivadas, o que envolve secagem e outros processos necessários para a composição dos remédios naturais. 

“O objetivo nosso é criar autonomia medicinal. Termos um acervo de saberes e de remédios, feito a partir da experiência dos povos, que possa dar conta da demanda de doenças nos territórios”, conclui Neto.

*Arte destacada na matéria: Beatriz Vencionek

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