Posted on: 18 de agosto de 2021 Posted by: Teia dos Povos Comments: 1

Tempo girou e a realização da 8º Vivência Internacional brotou das raízes da grandiosa gameleira sagrada com o tema central a luta contra o racismo religioso e o fortalecimento das mulheres e homens de Nguzo, desafiando o momento pandêmico de tristeza que o Brasil e o mundo vivencia para fazer acontecer a alquimia ritualística da Kizoomba Maionga – banho sagrado. As atividades aconteceram entre os dias 07 a 11 de agosto de 2021 na comunidade de Terreiro do Campo Bantu – Indígena Caxuté (Nzo Kwa Minkisi Nkasuté ye Kitembu Mvila). Kitembu durante sua festa banhou seus as/os filhas/filhos e visitantes com suas águas e folhas sagradas, limpando, renovando e regando-nos de esperança e sabedoria. Taat’etu Kitembu deu continuidade aos festejos e comemoração da força ancestral dos 21 anos de obrigação da Mam´etu Kafurengá, através das ramificações de suas raízes, o qual teve início no mês de julho de 2021 através de ritualísticas e atividades internas. 

Fortalecendo o poder do povo preto e de religião de matriz africana, a vivência internacional acontece com liderança da sacerdotisa Afro-indígena, Mam´etu Kafurengá – Mãe Bárbara- perpetuando o legado da Mam ´etu Kasanji – Mãe Mira. Nesse ano Mam’etu Kafurengá completou os seus 21 anos de sacerdócio, festejos inciados em julho e finalizados na Kizomba Maionga. Contamos com a ilustre participação Mãe Lúcia do Ylê Axé Obá Lola do Rio de Janeiro – RJ; Mãe Elvira – YáAjun Sun Adè, do Ylê Axé Ajunsunadé de Valença – BA; e Taata Tologira do Unzo Dyazule – Salvador – BA.

Iyá Lúcia demostra a satisfação e felicidade em fazer parte deste grandioso evento. “Pra mim foi importante, tudo um aprendizado, e ano que vem quero tá aqui de novo”. Sobre os 21 anos de Mam´etu ela afirmou que foi importante para ela a confiança depositada por Mam´etu Kafurengá e finalizou sua fala desejando: “Que meu pai Oxalá dê viva longa com saúde à Kafurengá”.

 Iyá Elvira ao ser perguntada sobre a festa de Kitembu do Nzo Caxuté afirmou: “A festa de tempo foi uma joia (…) a beleza que eu vi aqui e que eu abracei de vocês aqui, foi a união. Essa é uma coisa que eu acho lindo, o mais importante é a paz e a união”. Sobre a obrigação de 21 anos de sacerdócio de Mam’etu Kafurengá disse: “Tive a honra para alcançar essa obrigação. Tudo no controle como deve ser. A comunidade de terreiro, o candomblé deve ter orgulho dos trabalhos que foram feitos aqui”.

Taata Tologira ao conversar conosco sobre a festa de Kitembu e a obrigação de 21 anos de Mam’etu afirmou: “Foi tudo maravilhoso, tudo certo. Todo ano estou aqui e cada ano tem gente nova que fortalece o axé. O que move essa casa é a fé de vocês”.

Além da fé nos Mikisi, nos elementos da natureza, o Nzo Caxuté é movimentado pela militância na luta pelos direitos dos nossos povos, nos formando no Ingres eu ya (crescimento gradativo) da Pedagogia do Terreiro de Mam’etu Kafurengáque constitui a cosmovisão batu-indígena da primeira Escola de Religião e Cultura de Matriz Africana do Baixo Sul da Bahia – Escola Caxuté, condecorada em 2014 com o Prêmio de Culturas Afro-brasileiras pela Fundação Palmares e em 2015 recebeu o prêmio Patrimônio as Salvaguarda Cultural do IPHAN. No ano de 2017 foi inaugurado o Museu da Costa do Dendê defendendo o movimento mulheril e regatando e reconstruindo o sentido de quilombo dentro do território do Baixo Sul da Bahia e expandindo-se para todo território brasileiro através dos terreiros casas que são ramificações da raiz do Terreiro Caxuté.

As atividades religiosas da Kizoomba Maionga iniciaram no dia 07.08.21 com o toque para Angoromeia. Na tarde do dia 08.08.21 foi realizada a tradicional maionga (banho) dos\ das filhos\as da casa e dos visitantes, fortalecendo a espiritualidade e a matéria; a noite, nesse mesmo dia, foi transmitida a live do dia dos Pais: Homenagem aos nossos Tatetus, que contou com a participação de Taata Luangomina, Taata Kabirosi, Taata Kavungorosí e Taata Nkosinjila que relataram as suas experiências como Taatas do Nzo, tendo sido destacada o ensinamento de Mam’etu Kafurengá de que só se pode levantar para ensinar, quem deitou na disisa para aprender.

No dia 09.08.21 tivemos o Seminário Mulheres e Homens de Ngunzo momento em que foram apresentados os mais diversos cargos existentes do Terreiro sua função e sua importância. A abertura do evento foi feito pela mesa dos nossos mais velhos, composta por Mãe Lúcia, Yá Dedeia, Mametu Odemina e Taata Luangomina seguindo para apresentação das Makotas, Taatas e Mametus.

Yá Dedeia falou durante o seminário sobre a importância e o exemplo da organização das atividades administrativas e religiosas do Terreiro Caxuté, ainda nos homenageou dando o nome do Caxuté à horta comunitária que será feita em seu Ylê que fica localizado na Ilha de ITAPARICA – BA. Por fim, nos presenteou com um belo samba:

“Quem tem samba no pé vem sambar no Caxuté, conheci Kafurengá e renovei a minha fé”.

No dia de Kitembu, 10.08.21, os trabalhos se iniciaram com a preparação para audiência virtual que aconteceu às 9h, com a oitiva de Mam’etu Kafurengá, Hooxi Kongo e Dandakatu. Momento histórico e simbólico por ter acontecido exatamente no dia de Kitembu, pois se trata de um processo judicial da 2ª Vara Crime da Comarca de Valença em que o pastor da igreja protestante Ministério Restaurar, Frencisco Roza, foi denunciado pelo Ministério Público e figura como réu no processo penal pela prática reiterada de crime de discriminação ou preconceito religioso (art. 20, Lei nº 7.716/1989 define crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor) além das ameaças. 

Crimes que vêm ocorrendo contra a comunidade desde 2018, tendo havido ameaças de incendiar a Kitaanda Bantu, de fazer justiça com as próprias mãos, tentativa de converter nós candomblecistas com a invasão de nosso território para panfletar materiais ligados à igreja evangélica, além da tentativa de nos criminalizar tudo durante nossas atividades religiosas. 

Após a audiência, Mam´etu Kafurengá recitou poesia e a bandeira de Tempo foi erguida em frente a Kitaanda reafirmando o nosso lugar de fé e resistência seguindo em marcha para o assentamento de Tempo. A luta continua por todos os povos pretos e indígenas pelo direito que nos proteja e nos garanta a liberdade de cultuar nossos ancestrais, capaz de contemplar a cosmovisão bantu-indígena superando a limitante concepção cristã eurocêntrica. 

Durante a noite, o enlace das mesas dos Minkisi: N´kosi, Kitembu, Kavungo, Katendê, Kabila, Dandalunda, Matamba, Kaiala, Zumbarandá e N´vunji, formaram uma ciranda de luz e energia aos pés da gameleira sagrada, mesas cheias de fartura e ngunzo (força) dos alimentos oferecidos aos encantados.

Praticando a didática da Pedagogia do Terreiro do Caboclo Pena Branca Rei das Neves o cata folha do Nzo Caxuté. Com as mesas repletas de alimentos consagrados aos Minkisi, filhos\as e convidados\as rezaram emantando clima mágico e único. O grande rei da nação angola chegou e girou esbanjando encanto e movimento. Tatetu Kitembu bailou e girou ao ar livre no embalo do toque da Ngoma, seus filhos e filhas deitaram – se aos seus pés, reverenciando o grande pai do tempo. Todos\as presentes banhados de ngunzo sobre o movimento das fases de Tatetu Kitembu cantavam e dançavam em sua homenagem. 

A noite majestosa a qual não adormece nos olhos de Tatetu Kitembu foi girando através dos toques, cores, cheiros e sabores, Tempo de vida e resistência. Assim, Tatetu Kitembu espalhou força e energia ancestral para todos\ as presentes.

Durante o dia 11.08.21, ocorreu o Fórum Geral da Comunidade Caxuté, o qual teve intuito de avaliar o evento no geral, bem como o método organizativo criado em dezembro de 2020, por meio das Articulações. Apontando e parabenizando as ações que fluíram como planejados pela Matriarca do Nzo Caxuté, mas também os pontos que deverão ser revistos e melhorados.

Importante ressaltar que todos os trabalhos realizados na casa seguiram rigorosamente as orientações de segurança biossanitária do Decreto Estadual inciso nº 20585, de 08\07\2021, art. 5º, §§4º e 5º. 

Assim concluímos mais um ciclo, com a cobertura das Ngoma com o pano de Lembá, reforçando a linhagem Bantu – Indígena, lutando em defesa do território de referência e do legado ancestral dos Minkisi no interior da Bahia, que tem como referência a Pedagogia do Terreiro.

Texto: Juliana Borges – Lembaramin – e
Edivania Vitoria Moreira – Kaiango Lebissibi.
Fotos: Joice Helen Oliveira – Kaiepanzo.

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