Posted on: 1 de fevereiro de 2021 Posted by: Teia dos Povos Comments: 0

Irmãs e irmãos, boa noite!

As galinhas dormem cedo porque acordam cedo ou o fazem por dormir cedo? Responder essa pergunta mudará o fato delas dormirem cedo e acordarem cedo? Não, não mudará! No entanto dará ao nosso ego uma sensação de superioridade por poder explicar os motivos.

Quero chamar a atenção para o que tem se tornado uma prática das esquerdas em seus vários níveis. Todos tem explicação para os fatos, os motivos, as relações. E o problemas não é ter explicação, mas o excesso de explicações. Uma geração em que todos querem explicar falta gente para transformar, executar as tarefas.

Irmãs e irmãos, nossa tarefa fundamental é conectar as lutas e os territórios. Essa é a tarefa primeira. É nessa tarefa que deve residir nossa unidade.

Explico: Qualquer análise apontará tempos ainda mais sombrios. E a quem vamos recorrer?

Só seremos livres se estivermos apoiados uns nos outros, e não no Estado e suas instituições. Ainda iremos Pedir ao MP, denunciar ao Ibama, ou qualquer outros órgão, porém sem depender deles a nossa sorte e capacidade de resistir.

O avanço tecnológico e produtivo permite conectar os estados, as regiões. E por conectar falo de economia, defesa, política.

É preciso que um território sob ameaças de despejo receba apoio financeiro daqueles de mais longe, alimentação e gente dos mais próximos.

É tático que produção circule entre nossos territórios autônomos, e assim o dinheiro também ficará entre nós.

O que estou falando depois de vários parágrafos é:

– temos que ser um Estado dentro do estado burguês, do contrário vamos continuar fazendo lutas superficiais já que ao fim pediremos a eles que nos legitime.

Os quilombos não surgiram pedindo ao senhor de engenho a permissão para construir o território. Eles são resultado do enfrentamento dos pretos e pretas em situação de escravidão, que fugiam das fazendas para se refugiarem num espaço onde construíam a sua estrutura de poder, de gestão e produção.

O objetivo é ter um território construído, gestionado a partir da autonomia. E pra isso, precisamos ter organização e disposição para luta.

Então, por isso é um quilombo. É um espaço auto-construído, é um espaço de enfrentamento. É um espaço pensado para que a gente possa se reinventar. Construir uma nova existência a partir da luta.

Não é, de forma nenhuma, uma tarefa fácil, mas é necessário.

E é necessário por uma questão prática. Insistir pedindo ao Estado para reconhecer que um latifúndio tem que ser desapropriado é um erro.

Porque eu não vou conseguir ofertar às pessoas que estão em situação de vulnerabilidade condições reais, por estarmos sempre preso ao limite da legalidade de um Estado burguês.

Não estamos pedindo que o Estado reconheça o nosso direito, estamos exigindo que o Estado respeite o nosso direito.

Então, o quilombo é isso. Ofertar um caminho em meio à chuva de ilusão desses tempos.

Não existe hoje nas Esquerdas, especialmente no Brasil, um programa capaz de apontar caminhos. Temos visto uma aposta imensurávelmente errônea na institucionalidade.

Porque ela é errônea? Por que nós estamos olhando um jogo de cartas marcadas. Então esperar por uma eleição em 2022, esperar que o impeachment de Bolsonaro possa ser a resolução dos nossos problemas é no mínimo ingenuidade.

Queremos ofertar um caminho para todas e todos que estão nessa situação de fome, desemprego, sem moradia. E a partir de qual horizonte? A partir da centralidade da terra e do território.

O Quilombo Terra Livre ele é uma oferta de refúgio pra quem precisa. E porque é uma oferta? Porque ninguém é obrigado a vir. Nós apontamos um caminho, mas cada um e cada uma é responsável por aceitar ou não a proposta. E por construir de forma coletiva.

É um ato de solidariedade. Quer dizer: “Ó, você não está sozinho”. Aqui tem um espaço onde você vai ter condições de viver para além de sobreviver. E vai contar com o apoio da gente. As pessoas aqui também estão em luta.

Durante o ano de 2020, nós doamos para mais de quatro toneladas de alimentos. Mas isso não resolve, porque a fome não dá uma vez.

Então propomos que quem vier a fazer o processo de retomada vai ter o suporte da alimentação, mas vai ter também o espaço para produzir sua comida. E assim provar o sabor da liberdade.

Outro elemento do Quilombo é que ele deve ser um espaço para construir as condições objetivas para enfrentar o capitalismo.

Não queremos construir bolhas! Não temos a menor intenção de sermos um oásis. Um espaço perfeito enquanto o mundo está se acabando.

Ao contrário, queremos construir um espaço de fortalecimento das experiências de lutas, capaz de apontar um novo rumo pra sociedade. E sim destruir o capitalismo!

Vamos ter um espaço auto-determinando, auto-gestionado, autônomo, que se relaciona com outros territórios para construir experiência eficaz no enfrentamento ao Capitalismo.

Essa é uma visão, nós que temos muita clareza, com muita tranquilidade. É sim o nosso objetivo.

Nós temos chamado de Quilombo, mas é um espaço aberto a todas e todos. Não há distinção de cor. Não é apenas para nós pretos. Até porque os quilombos na História do Brasil abrigaram brancos, pobres, indígenas, pretos. Então não tem a distinção, não tem o recorte racial.

É um espaço onde nós esperamos que possamos religar os indivíduos com a terra e com o coletivo.

Muito do que estamos vivendo hoje também se dá pelo afastamento da militância dos espaços de fé. Então a negação da fé é um equívoco.

Assim é fundamental compreender que os vários cultos vão ter seu espaço de fé respeitado. Não vamos construir um espaço para dar primazia a uma ou a outra religião.

O grande ponto é que precisamos combater sim a tentativa de conversão.

Esse é um debate central, porque sem essa compreensão, desde o começo, corremos o risco de num dado momento ser implodido toda uma luta por conta da intervenção de um pastor, de um padre.

O elemento do Quilombo Terra Livre é que estamos pensando ele como instrumento para falar também aos corações. Permitir que as pessoas possam vivenciar a plenitude de suas existências.

Então, é preciso que seja visto, construído, organizado, para ser um recomeço.

Ao longo do processo de divulgação, de dar visibilidade, temos ouvido histórias tristes, de pessoas que estão desorientadas, sem rumo, com medo, angustiadas.

O Quilombo Terra Livre é um espaço para as pessoas recomeçarem suas vidas. Para cicatrizar as feridas da humilhação, da subserviência, da exploração, sob o sistema capitalista.

Queremos alimentar o corpo e a alma, ofertar esperança.

E o ponto central deste debate nosso é o trabalho.

O trabalho é um elemento fundante na sociedade. Nesse sentido, o trabalho ele não tem objetivo de gerar riquezas para o Capital, mas permitir que a pessoa possa plantar, colher, decidir sobre o que plantar, decidir se vai cultivar outra variedade. Sentir-se parte de um processo, onde se tem autonomia. E isso é libertário!

Essa experiência de plantar essa comida, embora pareça simples, tem uma importância pedagógica, política e afetiva, fundamental.

Cria laços com a terra, cria laços com a produção, cria laços com seus vizinhos. Nada supera o sentimento de você colher uma produção de feijão, de milho, ou seja lá o que for, e poder partilhar. Poder receber as pessoas em sua casa e ter fartura de comida.

O Quilombo Terra Livre não é nada de novo, não tem nenhuma novidade, é algo que meus ancestrais pretos já faziam, é algo que o povo sem terra faz também ao retomar terra.

O Novo neste debate é a decisão de ruptura, é a decisão de construir a nossa autonomia para além do limite da legalidade proposta pela idéia de reforma agrária.

Esse é o espírito do Quilombo Terra Livre. Um quilombo que nasce dentro de um território do MST, proposto numa aliança entre a Brigada Ojefferson e a Teia dos Povos, para ser não a referência única, mas para ser uma semente.

Queremos reafirmar que é possível sim construir um outro caminho. E possamos ter vários outros quilombos espalhados pelo Brasil. Que a gente possa ter uma aliança campo e cidade, capaz de ofertar para a cidade um caminho de volta, porque a cidade é um barril de pólvora com o pavio já aceso.

vídeo: área de acolhida

Neto Onirê Sankara

Direção Estadual do MST Bahia, liderança da Brigada Ojeffersson e conselheiro da Teia dos Povos.

ver também sobre o Quilombo Terra Livre:
Quilombo Terra Livre: a chegada para aquilombar-se
Quilombo Terra Livre – vídeo de convocatória
Quilombo Terra Livre: uma convocatória

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