Posted on: 28 de outubro de 2020 Posted by: arkx Brasil Comments: 0

A pandemia não acabou. E a luta pela saúde e por melhores condições de vida também não. Aos Diários da Pandemia continuam sendo acrescentadas páginas de coragem, determinação, solidariedade e criatividade.

Somente a organização popular autônoma de base é capaz de enfrentar a pandemia. É nós por nós. E todos nós por nosotros.


KM 32 – na profundidade da periferia – III

Bom dia, aqui é a do KM 32.

Em tempos de pandemia ainda. E agora muito mais forte porque está camuflada. As pessoas fora da quarentena e dos cuidados. São muitos bares cheios, muitas comunidades fazendo show, sem máscara, sem amor ao próximo.

Os casos de COVID aqui no KM 32 são muitos. A mãe de uma amiga está com a doença, um senhor  morreu, pai da minha manicure, constatado. Fora as pessoas que estão dentro de casa, porque não querem se manifestar, porque antes estavam na rua, mas agora estão contaminadas.

A gente que está na linha de frente de trabalho atrás de comida. O arroz aumentou muito, aqui chegou a R$ 40 o kilo. E o óleo a R$7. E quem fazia doação não está fazendo mais doação.

Eu passei mal e fui no médico. Quando cheguei lá, escutei um médico falando com o outro que a doença está camuflada.

Por que camuflada?

Perguntei para a menina da recepção, conhecida minha:

– Aqui tem muito caso de COVID?

– Você não tem noção, minha amiga. Tá cheio. Tá escutando um barulhozinho, né? É o barulho dos respiradores.

Os genocidas botaram a vida de todos nós na linha de frente da morte.

Perdemos muitas pessoas. Mas também gente que enfartou, porque não suportou viver no confinamento. Pessoas que sofreram muita violência. Eu tenho muita reclamação de violência doméstica, de abuso sexual em criança.

Tudo que eu vi até agora em 2020, nunca imaginaria viver em ano nenhum. De tudo quanto é tragédia que você possa imaginar, tudo quanto é tragédia que você perguntar, eu vou lhe dar uma resposta.

Agora só se vê político prá lá e prá cá. Pedindo voto e prometendo coisas que não vão fazer. Como sempre. Moro aqui há trinta e poucos anos, é a mesma história.

Estamos vivendo no tempo dos vaga-lumes e dos tatus. Os vagalumes vivem em cima de poste trocando lâmpada. E os tatus cavam buracos, para depois tapar os buracos. Para dizer que fizeram alguma coisa pelo povo.

Olha eu aqui de novo, para enganar o povo.

Participei no Dia das Crianças de uma ação comunitária no lixão do Jardim Gramacho.

Foi surreal!

Eu estava distribuindo refrigerantes. Ofereci a um garotinho. Ele me disse:

– Não, tia. Me dá água, tia. Que eu tôu morrendo de sede, porque aqui ninguém tem água.

E diz que água lá dá briga! Eu fiquei apavorada! Para mim foi impactante. Crianças adoram refrigerante, e ele preferir água!

Porque lá não tem água… não tem esgoto, só tem barracos. É muito precário.

Foi a mais forte experiência que já passei em na minha vida para aprender a valorizar as pessoas, e as crianças e a vida.

Foi um Dia das Crianças como nunca antes acontecera comigo.

ver também:

Diários da Pandemia #3: KM 32 – na profundidade da periferia – II

Josiane Martins

liderança comunitária do KM 32, Nova Iguaçu (RJ), participa da Rede de Mães e Familiares Vítimas de Violência da Baixada Fluminense.


Com Adelaide, a Universidade se abraça à Comunidade – II

A desigualdade na educação brasileira que existe há décadas piora nesse momento da pandemia do Covid-19, quando as escolas estão fechadas.

Preocupados com isso, nós, do Café com Leite, realizamos a “I XEPA DOS LIVROS”, na Maré.

Foram momentos de grandes emoções! Gostaríamos de agradecer a todes que nos ajudaram na doação de livros, brinquedos e jogos.

Independentemente de como surge o interesse por ser um leitor, o importante é que o crescimento pela leitura existe na Maré, e esse interesse é para todas as idades. Portanto, pretendemos fazer outras XEPA DOS LIVROS, uma por mês, e contamos com o apoio de vocês para as doações.

Gratos pelo apoio de sempre
Coletivo Café com Leite e Doce

Dia da criança

O Dia das Crianças é uma data comemorada em diferentes países. De acordo com a história e o significado da comemoração, cada país escolhe uma determinada data e certos tipos de celebração para lembrar das crianças. A escolha desta data se deu porque o UNICEF (Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas) oficializou a Declaração dos Direitos da Criança. Nesse documento, se estabeleceu uma série de direitos válidos a todas as crianças do mundo como alimentação, amor e educação.

Sempre fui crítica as datas comemorativas, pois sei que em sua maioria estão atreladas ao aumento do consumo. Aqui no Brasil por exemplo a data começou a ser celebrada a partir de uma campanha de marketing elaborada por uma indústria de brinquedos chamada Estrela. O sucesso da campanha atraiu a atenção de outros empresários ligados à indústria de brinquedos que lançaram uma campanha publicitária promovendo a “Semana da Criança”. Os bons resultados fizeram com que esse mesmo grupo de empresários revitalizassem a comemoração do “12 de outubro”.

Então temos 2 aspectos relacionados a criança e a esse dia: a criança como cidadã de direitos e a criança como fonte de consumo. Os 2 me fazem perguntar: quando se declara um dia do calendário para as crianças isso garante respeito e direito estabelecidos por leis para elas?

Sendo mais especifica em relação as crianças da Maré: elas estão tendo um olhar digno para elas?

Nesse momento com escolas fechadas e um vírus que mata e continua circulando pelos lugares, elas e suas famílias têm acesso as informações importantes que garantam o direito básico que é permanecer vivo? Como se estas reflexões já não fossem suficientes para pensarmos sobre o grande desafio de ser criança na favela, essa semana, 3 dias antes do dia da criança, morre mais um menino baleado na av. Brasil devido a um tiroteio.

Por outro lado, em oposição a todos esses fatos que me inquietam e me entristecem, me recupero conversando com uma criança da Maré, que me conta como foi divertido o desafio de ontem ter podido correr atrás de um caminhão que jogava brinquedos, e conta orgulhoso como foi competente em conseguir brinquedos para ele e para sua irmã. Mais uma vez aprendo que ser criança é esse oficio de inverter a lógica, ver a coisa do avesso, transformar o que poderia ser “derrota” em nova possibilidade.

O que me faz mais alegre porque percebo que a infância da Maré se fortalece no cotidiano pela própria criança e sua capacidade de acreditar e transformar a vida. A infância na Maré é fonte de variados afetos coletivos, em um lugar carente e violento, no entanto, onde brincar torna-se sinônimo de liberdade e resistência convertendo-se em intensa pulsão de vida.

Segundo uma das crianças – é brincar com meus amigos, ir aos parquinhos de brinquedos que as vezes surgem na praça, e é bom passar o ano novo e o natal porque os bandidos vêm e jogam brinquedos para o alto, perguntando quem quer, tem o culto que doa cestas básicas, muitos treinadores que ensinam as crianças a jogar bola.

O que estraga a história boa é que têm crianças implicantes que querem tomar os brinquedos da gente, adultos que ficam bêbados que não gostam do barulho das crianças e pegam facas para elas, os moleques que ficam implicando que a roupa deles é original e não é “fal-fal”.

Por último quero dizer que neste dia “12 de outubro” devemos dar um grande VIVA, viva no duplo sentido, de saldar as maravilhosas crianças mareenses, e VIVA para que tenhamos algum dia uma sociedade que permita o direito mais básico desses crianças que é o de permanecerem VIVAS!!!!

ver também:

Diários da Pandemia #16: com Adelaide, a Universidade se abraça à Comunidade

Adelaide R. Souza

pesquisadora da infância, faz parte de um grupo de pesquisa que discute a questão da descolonização epistemológica, pensando a infância a partir da criança real e não da criança idealizada de acordo com os moldes da elite.


Morro do Sossego, Duque de Caxias (RJ) – III

Bom dia.

Nós temos temas e situações que estão no contexto da Baixada Fluminense, mas não só dela. Embora aqui é muito forte isso.

Uma é questão do avanço  do fundamentalismo religioso aliado à política. A questão do curral eleitoral, dos centros sociais, do clientelismo.

Os próprios pastores vão fazendo todo esse movimento. Teve aqui em casa um pedreiro fazendo um serviço, e ele falou assim: – Ah! A gente tem que ter um homem de Deus no poder, né?

Então, isso é muito complicado, sabe?

Você vê essa população também desesperada. Ela ficou refém do sistema financeiro. Ficou endividada, porque teve aquela ilusão de poder comprar tudo, ter tudo, bens materiais, mas financiados.

E aí veio a precarização do serviço, do trabalho. Muitas pessoas saíram dos cursos técnicos, das universidades desempregados. E quem está graduado não quer fazer essa faxina, né?

Você tem muito uma cultura da superioridade. E isso não é diferente dentro de uma comunidade. A competitividade entre a casa, o bem material, uma competitividade de status. De mostrar a televisão melhor.

É uma situação muito difícil. E nesse desespero as pessoas acabam recorrendo às igrejas. Porque viu que não tem emprego, não consegue manter o emprego. O material de construção subiu, que muitos tentaram melhorar um pouquinho sua casinha. Veio também a alta dos alimentos. Tem muita coisa acontecendo junto.

E tem a questão psicológica. Você precisa se apegar em alguma coisa. Muita gente já está desiludida com os governantes. E cria todo esse desespero, esse aumento de suicídio, de depressão, de ataques de pânico, é um caos mesmo.

E muitas dessas situações se refletem dentro da minha casa. As pessoas que foram cadastradas para receber cestas básicas, elas trazem esse sofrimentos, essa angústia.

Muito medicamento. Não é à tôa que há um aumento absurdo de farmácias. Clínicas de consultas populares, as pessoas pagam um absurdo por consulta, exame. E voltam de novo, e de novo e de novo… Com uma alimentação precária.

É muito difícil, muito difícil.

E agora os candidatos vem querendo afundar mais ainda essa galera.

Muito, muito difícil, está muito complicado.

E eu estou assim mesmo. Reivindicando a prefeitura tapar um buraco em frente à minha casa, de um vazamento de esgoto. E sendo ameaçada. Sempre que eu ligo para um órgão público, me perguntam se eu já conversei com o vereador do bairro.

Então, isso é muito doloroso para mim.

ver também:

Diários da Pandemia #1: Morro do Sossego, Duque de Caxias (RJ) – II

Marilza Barbosa Floriano
Assistente social, articuladora de território, integrante do Movimenta Caxias e Rede de Mães e Familiares Vítimas de Violência da Baixada Fluminense.


vídeo:

 


sobre os Diários da Pandemia:

  • Embora seja tb um trabalho jornalístico, se propõe a muito além disto.
  • Tem como objetivo principal tecer uma rede de comunicação entre as diversas lutas localizadas.
  • De modo a circular as experiências, para serem reciprocamente conhecidas numa retro-alimentação de auto-fortalecimento.
  • Não se trata de tão somente produzir matérias, e sim tornar as matérias instrumento para divulgar conteúdo capaz de impulsionar os movimentos.
  • Em suma: colocar a comunicação a serviço das lutas concretas.

acesse a série completa aqui neste link

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