Posted on: 15 de janeiro de 2021 Posted by: Teia dos Povos Comments: 2

No último dia 4 de janeiro nós convocamos àqueles e àquelas que precisam de um lugar para morar, viver e produzir riqueza na terra para se aquilombarem junto a nós aqui no interior da Bahia. Esta convocatória está mantida. É nossa forma de dizer para as pessoas que passam dificuldades e dores neste momento de crise social e sanitária que elas não estão sós, que podem vir viver conosco e lutar por uma terra e uma vida digna. Tem sido assim que nossos povos pretos se comportaram ao longo de nossa história de cativeiro e perseguição nessas terras: se ajuntaram, procuraram uma terra e construíram uma comunidade com fartura. Construíram um novo território, se aquilombaram.

Diante da destruição e da política de morte do mau governo à cima, é fundamental construirmos a luta pela vida. Marx sentenciou que a luta de classe é o motor da história, mas a realidade e a luta estão provando que a luta pela terra é o motor da luta de classes. Tudo demanda terra e por isso ela é poder. Quem tem a terra, tem possibilidade de construir seu futuro. Toda e qualquer guerra que tenha existido e que venha a existir passará pelo controle da terra e do território e nós povo preto e povos originários estamos perdendo essa batalha.

Por isso é chegado o tempo das retomadas, das grandes lutas. A fome, que já se manifesta e se espalha tanto quanto o vírus, segue fazendo suas vítimas. A alta dos alimentos enriquece as grandes redes de supermercados e fortalece o agronegócio às custas dos pequenos comerciantes e da vida do povo que sofre pela falta de acesso ao alimento. As famílias estão em luto pelas vidas ceifadas pelo **descaso** do mau governo federal e sua política genocida. Embora seja uma situação dolorosa, é apenas a **ponta** do iceberg: o desemprego, a fome, a violência policial, o racismo, o feminicídio a LGBTQfobia, o tráfico e a milícia têm dizimado nosso povo de maneira sistêmica, planejada e é um plano de ação de extermínio. Como diz Ailton Krenak, eles precisam se livrar de metade da população, eles não precisam mais de nós nem para mão de obra barata.

Nós somos a Brigada Ojeffersson Santos, um território Preto no Baixo Sul da Bahia organizado e construído pelo MST. O Quilombo Terra Livre é uma construção em parceria com a Teia dos Povos, é uma resposta organizativa e de luta para a crise que já existe e para seu agravamento nos próximos dias e que certamente durará um longo período. Durante o ano de 2020 o MST doou centenas de toneladas de comida saudável, sem agrotóxico em todo o Brasil. Somente nós da Brigada Ojeffersson doamos 2 toneladas de uma única vez para a organização Reaja ou Será Morta, Reaja ou Será Morto e naquela ocasião afirmamos que “não fazemos caridade, nosso povo não precisa de caridade, o que fazemos é construir solidariedade e luta”. Esse é o fundamento da retomada Quilombo Terra livre: solidariedade para os que precisam para que eles se organizem, se libertem coletivamente e reconstruam sua existência.

A Brigada Ojeffersson destinará áreas de terra em Assentamento já constituído para que as irmãs e os irmãos possam construir sua casa e plantar a alimentação que sustentará o Quilombo, as famílias assentadas contribuirão com produção para garantir alimentos durante a fase inicial – e que fique explicito: não queremos e não vamos sustentar ninguém porque isso não liberta, apenas mantém de joelhos à espera de um redentor. O que vamos fazer é garantir condições para a luta e liberdade coletiva, garantir que todos tenham força para produzir a comida e assim também consolidar dignidade.

A fase no assentamento começará agora em fevereiro de 2021. A partir deste mês todas e todos podem vir para o que estamos chamando de acolhida. Durante essa etapa haverá os processos de formação política, organização da pré-comunidade e formação para o trabalho na terra baseado no respeito ao bioma e por isso temos como princípio a agroecologia. Compreendemos que muitos dos que estão vindo não tem experiência no trabalho com a terra, desconhecem a magia de plantar uma semente e acompanhar seu desenvolvimento enquanto imagina sua colheita. A duração do período de acolhida é proporcional ao tempo de plantio e colheita da comida que nos sustentará no quilombo durante a fase inicial da retomada.

Por isso é imprescindível que todos e todas que venham tenham consciência que vão trabalhar na terra para garantir sua alimentação, enfrentarão sol quente, farão calos nas mãos, sentirão o corpo cansado ao fim do dia, mas também provarão do delicioso sabor de estar vivo de verdade, de colher sua comida, decidir coletivamente os rumos da comunidade, de ouvir e ser ouvido, banhar no rio, conhecer a mata, separar a semente e plantar o rumo de uma sociedade revolucionariamente outra.

ORGANIZAÇÃO

O MST trata cada indivíduo como família. Para facilitar trataremos assim também.

  1. O local da acolhida terá água para consumo humano e também para gasto (lavar, tomar banho) de forma coletiva. Desse modo será necessário que cada família tenha baldes para assegurar uma reserva de água à sua moradia provisória.
  2. Cada família terá um espaço para levantara moradia provisória e uma pequena área ao redor para cultivar. Nós, em geral, construímos de lona pelo baixo custo e facilidade. Haverá militantes para apoiar e explicar o processo de construção; cada família é responsável pela construção do seu barraco, sendo possível que várias pessoas decidam por construir espaço de moradia coletiva.
  3. As famílias que tiverem mobílias e podem trazer, avisamos que a tensão da rede no local da acolhida é 110 volts, no primeiro momento não terá energia elétrica no acampamento e por isso será destinado um local coletivo para carregar celular e montar um freezer para assegurar água gelada.
  4. Será construída uma cozinha e uma dispensa coletiva responsável. Esse método consegue assegurar que todos tenham acesso à alimentação. A fonte da comida será a produção dos assentamentos e dos parceiros mais a contribuição individual de cada família. Para trabalhar na cozinha haverá rodízio entre a comunidade e todas e todos devem participar, pois nós não fazemos e combatemos a divisão sexual do trabalho.
  5. O trabalho produtivo será de forma coletiva, baseado no planejamento daquilo é possível produzir em quantidade no curto prazo para assegurar a alimentação da comunidade.
  6. Para apoiar o assentamento e aprender a lida da terra, as famílias do quilombo vão trabalhar um dia na semana junto com as famílias assentadas segundo a orientação e planejamento produtivo do setor de produção. O trabalho coletivo é um princípio do MST e tem uma função pedagógica e outra produtiva, e ocorre sempre com a doação de um dia de trabalho semanal seja na produção ou manutenção das estruturas coletivas do assentamento ou acampamento.
  7. O assentamento da acolhida é próximo à cidade permitindo que as famílias que tem filhos possam estudar e à medida que houver demanda organizaremos espaços lúdicos junto com o setor de educação e com os nossos parceiros da universidade.
  8. O MST tem uma política de combate ao abuso de drogas incluindo o álcool e por isso não permitimos a comercialização de bebidas alcoólicas, de drogas ilícitas e nem seu plantio. Os excessos provocados pelo abuso de drogas de qualquer natureza são resolvidos pela coordenação mais o setor de disciplina. A gravidade da situação causada definirá a severidade da decisão do setor que poderá ser uma conversa, uma ação pedagógica e nos casos extremos a expulsão;
  9. Casos de expulsão automática: violência contra mulher, roubo, comercialização de drogas. Todos esses encaminhamentos serão tomados pelo setor de disciplina da Brigada mais a coordenação da comunidade.
  10. Todas as famílias que vierem serão acolhidas e respeitadas, mas estarão sujeitas as regras, normas e valores defendidos pelo MST e pela Teia dos Povos e farão parte da BRIGADA OJEFFERSSON devendo seguir as orientações da direção da Brigada, assim como contribuir para o desenvolvimento.

Essa é a nossa palavra neste momento. Vamos voltar para seguir discutindo nosso aquilombamento.

Se Palmares não existe mais, faremos Palmares de novo.

Obs: Você pode nos procurar no telegram para conversar sobre esta nossa jornada. Se você precisa de um lugar para viver, plantar e construir sua autonomia, você está convidado. Se você conhece alguém que precisa, envie este texto a essa pessoa!


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